Capítulo 14
A Bruxa Está Solta
Gabriel:
Paro o carro em frente a doceria e ficamos os dois parados, não querendo nos afastar um do outro. A impressão que eu tenho é que a noite de ontem pode se dissolver a qualquer momento. E tudo ter sido apenas uma invenção da minha cabeça maluca.
- Gabriel? - ele começa a falar e eu o olho ansioso. - Sei que não tivemos chance de conversar ainda, e...
- Você preferiu transar a conversar ontem a noite.
- Você não me impediu, não é mesmo?
- Não. - completo com um sorriso enorme. - Eu sei que precisamos conversar. Que tal almoçarmos juntos hoje?
- Combinado. Mas é melhor você trazer o almoço. Não estou afim de cozinhar hoje.
- Sempre tão mandão.
- Você sabe do que eu gosto. Não vai ser difícil comprar um simples almoço pra gente. - ele faz um movimento de abrir a porta do carro, mas eu seguro uma de suas mãos e o encaro.
- Eu sei do que você gosta e agora você sabe o que eu sinto. - o sorriso dele se amplia. - Que tal começar a ser mais bonzinho comigo?
- Se eu for mais bonzinho com você Gabriel Bianchi, você me faz seu empregado. - então ele se aproxima e me dá um beijo estalado em meus lábios. - Não esqueça o almoço.
E assim, ele me deixa sozinho no carro. O observo até que ele entre na doceria e só depois dou a partida e vou direto pra casa. E durante o trajeto, meus sentimentos se mesclavam entre a alegria de tudo que vivemos ontem e a tristeza de saber que meu medo me fez perder dois anos de sexo com Alex Cooper .
Ele era incrível. Meu melhor amigo nerd, doce e encantador era um deus do sexo. Ele sabia como levar meu corpo a um nível absurdo de prazer. E agora, que descobri isso, não consigo mais me imaginar sem seus toques e sua boca em mim. Nunca antes foi assim com ninguém. Essa necessidade avassaladora de estar com ele só fazia crescer nos últimos dias. E depois de ontem, se o Alex não me quisesse mais eu não saberia lidar com a dor disso.
Um frio percorre minha espinha em apenas imaginar não tê-lo mais ao meu lado. Afasto essa possibilidade nebulosa da minha mente e tento pensar apenas nas coisas maravilhosas que estamos vivendo.
Chego em casa, subo direto para meu quarto e ao abrir a porta, levo um baita de um susto.
- Mãe? - pergunto levando a mão ao meu coração. - O que você está fazendo no meu quarto a essa hora? Ainda mais... Assim? - aponto para ela que estava vestida com um robe de seda preto, o rosto coberto de uma máscara facial de cor verde. Depois do susto, minha vontade agora era rir.
- Gabriel Bianchi! - ela se aproxima de mim séria. - Quem deveria estar fazendo perguntas aqui sou eu. Você anda muito estranho esses dias. Passando a noite fora, mal falando com seus pais e...
- Pelo amor de Deus, mãe. - me sinto raivoso agora. - Faz tempo que isso vem acontecendo. Eu sempre sai e dormi fora, nunca dei satisfação e vocês muito menos se interessavam em perguntar ou saber de mim. E francamente? Desde quando a gente conversa nessa casa?
- Você tem a vida que todo jovem gostaria de ter, Gabriel! Somos pais que não te cobram nada, você se diverte a torto e a direito e nunca pedimos satisfação de nada para você. Mas eu sou sua mãe, eu te conheço melhor do que ninguém. - Ela vem pra perto de mim, abaixando o tom de voz e continua. - Eu não sou idiota Gabriel, sei o que está acontecendo com você.
- Você não sabe de nada. Você mal olha na minha cara mãe.
- Você está apaixonado, Gabriel.
Estremeço com as palavras dela. Eu queria negar, não quero que ela saiba nada sobre o Alex , eu não quero que ...
- Seu olhar te denuncia. O sorriso idiota que você entrou nesse quarto antes de me ver, deveria te fazer sentir vergonha.
- Mãe, não é nada disso. - me aproximo dela, me sentindo mais nervoso do que da primeira vez que tivemos uma conversa parecida com essa, anos atrás.
- É aquele menino, não é? Aquele João ninguém, que você trouxe algumas vezes aqui.
- Não é ninguém, mãe. Você está tirando conclusões precipitadas.
- Aquele moleque, desde a primeira vez que o vi, não fui com a cara dele. Sempre tão grudado em você. Te seguindo com os olhos...
Ele fazia isso? Mesmo sendo observações feitas pela minha mãe, eu não conseguia impedir meu coração de se sentir feliz com o que estava ouvindo. Ele realmente sempre me amou, não é?
- Alex e eu somos apenas amigos.
- Não me faça de tonta, Gabriel. - ela continua, séria. - Você não anda saindo com mais ninguém ultimamente. Só vive enfurnado naquela coisa que ele chama de apartamento.
- Como você...
- Como eu sei? Você acha mesmo que eu não estaria a par da sua vida social? Nós somos pessoas públicas Gabriel, vivemos na mira da mídia. Claro que eu não deixaria você sair de casa sem alguém o acompanhando. Você precisa ser vigiado para o seu próprio bem. E enquanto você estava se divertindo como qualquer jovem normal, eu não estava preocupada. Mas agora... Com esse pé rapado, o levando para o trabalho e trocando beijos em público...
- Mãe? - Ela estava me vigiando?
- Eu quero que você não o veja mais, Gabriel. - ela impõe numa voz imperiosa.
- Você não pode decidir isso por mim.
- Você acha que as revistas que você tem contrato, irão aceitar que você seja visto aos beijos com outro homem?
- Isso não é da conta de ninguém. - a raiva crescia insana dentro de mim.
- Isso é da minha conta. Sua péssima conduta pode prejudicar a visão que as pessoas têm da nossa família.
- É só com isso que você se importa, não é?
- Você ainda é jovem. Mais pra frente você vai me agradecer pelas coisas que faço por você. - ela passa por mim, quase saindo do quarto, mas para na porta e o que ela me diz, afunda de vez meu coração. - Eu não quero mais um oportunista brincando com seu coração Gabriel, e sei que esse tal de Alex , tem tudo pra ser a mesma história. Ele é como aquela menina, a filha da empregada que te jurava amor, mas foi apenas eu oferecer um cheque com alguns dígitos a mais, que todo aquele amor que ela dizia sentir, sumiu feito fumaça. Não se deixe enganar de novo por esse tipo de gente, meu filho.
E ao dizer isso, ela fecha a porta. Me deixando sozinho com meus traumas.
Ando como um zumbi até a minha cama e me sento na beirada. Meu coração disparado, minha respiração falha. As lembranças daquele dia voltando claras demais a minha mente. A dor, vivida como se estivesse acontecendo agora.
Eu me lembro de sentir aquela sensação pura do primeiro amor, ela era tão perfeita. Tão meiga. A mãe dela trabalhava na minha casa desde que eu era pequeno. Samantha, era o nome dela, tão delicada e linda. E crescer juntos, desencadeou em mim, um desejo protetor sobre ela.
Quando completei dezoito anos, eu a pedi em namoro e ela aceitou na mesma hora. Parecendo tão feliz quanto eu. Até o dia que minha mãe descobriu.
Expulsou Samantha e a mãe de casa, dizendo coisas horríveis para as duas. E eu sofri e me desesperei ao ver as lágrimas da Samantha ao sair da minha vida daquela maneira. Eu fugi incontáveis vezes de casa, para procurá-la. Fui no bairro simples onde eu havia acompanhado ela tantas vezes depois de ficarmos escondidos por aí.
Fui na escola dela, mas ninguém sabia me informar seu paradeiro. Uma, duas, três semanas e nada da Samanta.
Eu estava quase entrando em depressão, não saia de casa, não falava com mais ninguém, apenas me trancava em meu quarto. Me sentindo o adolescente mais infeliz desse mundo.
Até que minha mãe aparece certo dia, me levando pra sala, e colocando um vídeo na imensa tela de TV.
Era a Samantha, dizendo à minha mãe que o valor recebido para me deixar era pequeno. Parece que ela já tinha recebido um dinheiro antes e voltou à minha casa em busca de mais.
- Seu filho é tão idiota, que se eu vier chorar pra ele, com certeza ele não me deixaria. Ele lutaria por mim, como o apaixonado que é. Chega a ser engraçado. - escuto ela desdenhar, e sinto meu coração ser engolido pela vergonha e decepção.
O vídeo é pausado, e minha mãe paira sobre mim, destilando mais veneno ainda.
- O valor chega ser uma miséria, Gabriel. Mas pra esse tipo de gente, parecia uma fortuna. Pelo vídeo você não consegue ver, mas os olhos dela brilhavam tanto ao colocar a mão naquele cheque. Aposto que nunca brilharam pra você da mesma maneira...
E assim, eu fui quebrado. Me tornei um defeituoso. Sem sentimentos... Nunca mais confiei em ninguém.
Até que Alex apareceu...
Alex:
Faltava menos de duas horas para eu sair, mas o relógio hoje estava devagar demais. Os minutos pareciam horas, e eu não parava de pensar no Gabriel entrando pelas portas duplas com aquele sorriso maravilhoso dele.
Mas ao desejar um ótimo dia a uma cliente que havia acabado de pagar por um pedaço de torta, um vento repentino invade a doceria, levantando as toalhas das mesas e espalhando alguns guardanapos de papel pelo chão.
Olho em direção a porta, e ali, parada está a moça da biblioteca. Olhando diretamente pra mim. Com olhos inquisidores e imponentes. Era meio... Assustador.
Ela era extremamente bonita, isso eu não poderia negar. Com aqueles cabelos negros, longos e lisos, vestida inteiramente de preto. Calça justa e camiseta do Slipknot. Batom vermelho sangue e unhas pintadas também de preto. Seus olhos eram marcantes e não digo isso apenas porque eram bem marcados pelo lápis preto e delineador. Era o modo como ela encarava que era assustador. Como se ela soubesse tudo sobre mim.
Ela caminha lentamente, vindo em minha direção e eu não consigo desviar os olhos.
Quando ela está há alguns passos de mim, ela sorri. E sua beleza fica mais acentuada ainda.
- Eu vou querer uma fatia da torta de chocolate com crocante. - ela pede, e sua voz me faz lembrar do dia em que escutei ela recitar o poema sobre o papel roxo.
- Certo. - consigo encontrar minha voz e me forço a dar a volta no balcão para servi-la.
- Sabe, Alex ... -ela diz, debruçando-se sobre o balcão e aproximando o rosto de mim. - Eu sei que você não vai aceitar, mas por favor. Não segure o papel branco.
- O que? - pergunto confuso.
- O papel branco, Alex . NÃO O SEGURE!
E do nada ela pega a fatia de torta da minha mão e se retira da doceria sem nem ao menos pagar. Que diabos acabou de acontecer?
E antes que eu me recomponha da visita inusitada daquela menina, as portas duplas são abertas novamente. E quem aparece ali, gela meu sangue e me faz querer fugir na mesma hora.
Com olhos felinos e expressão esnobe, estava bem em minha frente a mãe do Gabriel.