Narrador's P.O.V.
A madrugada havia sido um pouco complicada, tanto para Ariel quanto para Marcos. O mais novo sofria constantes ataques a cada vez que pegava de fato no sono, o que só cessou quando o asiático lembrou de algumas rezas que seus pais lhe ensinaram quando ainda era criança. Chineses eram supersticiosos e com certeza uma das coisas que mais temiam eram entidades malignas como os demônios. Chen nunca se sentiu tão agradecido por ter sido obrigado a decorar aquelas preces. Nunca em toda a sua vida achou que seria necessário, mas de fato o que estava afligindo seu amado era algo malígno e ele lidaria com aquilo da melhor maneira que pudesse! Enquanto Ariel dormia, o homem rezava constantemente afim de espantar o que quer que fosse que estivesse perturbando o sono do mais novo, e faria aquilo nem que tivesse que passar a noite inteira acordado já que era a única maneira de protegê-lo!
Ele notou que sempre que o outro pegava no sono coisas aconteciam tanto com ele, quanto com Ariel e até mesmo pela própria casa, como se algo além deles dois estivesse presente ali. Vozes que pareciam ser do próprio Ariel chamavam por Marcos afim de persuadir o homem a sair de perto do cacheado. Barulhos de panelas e pratos batendo vez ou outra eram ouvidos, além de uma risada baixinha que vinha acompanhada de sons grotescos tentavam o assustar, porém tudo sem sucesso. O asiático estava firme e seguiria protegendo o mais novo do que quer que aquilo fosse, independente do que visse ou ouvisse!
Ao acordarem, Marcos e Ariel decidiram juntos fazer um café da manhã reforçado para lhes dar um pouco de energia. Ambos os garotos estavam esgotados, mas ainda assim conseguiam aproveitar a presença um do outro. Parecia que com o nascer do sol os ataques haviam sumido completamente, então por certo tempo eles puderam esquecer de tudo que estava acontecendo, por mais que nem de longe fosse algo que eles pudessem ignorar. Naquele momento os garotos estavam conversando enquanto terminavam seu café da manhã. Logo teriam que sair, visto que Marcos queria levar o mais novo a algum lugar, então já que precisariam se arrumar, o cacheado teve uma ótima ideia.
- Marcos, você... Quer ir... Sabe... - Ariel parecia nervoso.
- Quero ir...? - Chen o incentivou a continuar, mordiscando mais um pedaço de seu sanduíche.
- Já que nós vamos sair, eu pensei que poderíamos... Sabe... Tomar banho... Juntos. O que acha? - O mais novo estava tão apreensivo para perguntar aquilo que o asiático não conseguiu segurar a risada. - Por que você está rindo? - Bufou.
- Porque você fica muito fofo quando está com vergonha, Ari. - Sorriu, puxando o mais novo para seu colo. Marcos beijou seus lábios suavemente, em seguida depositando outros vários beijinhos em seu rosto. - Eu sou apaixonado por você, sabia?
- Agora eu sei. - Riu manhoso.
- E respondendo sua pergunta... Eu quero tomar banho com você sim.
Marcos se levantou com Ariel ainda em seus braços, o que fez o garoto gargalhar. O asiático seguiu até o banheiro, soltando risadas contidas enquanto se deixava ser beijado pelo cacheado...
~•~
Certo tempo depois os garotos seguiram até a loja de uma amiga de Chen que conhecia rituais específicos para se livrar de certos tipos de entidades. Por saber que aquilo que atormentava Ariel provavelmente era um demônio, o asiático achou que ela pudesse ser de grande ajuda. Ele estava visivelmente cansado, enquanto Ariel aparentava estar exausto mesmo tendo conseguido dormir por algumas horas, o que com certeza era efeito dos ataques do incubus. Mas, ainda assim, eles não hesitaram em ir o quanto antes até a amiga do mais velho pois precisavam achar uma solução para aquele problema o mais rápido possível!
Marcos havia lhe dito que aquela mulher era uma espécie de bruxa clarividente, alguém que mexia com forças da natureza e que compreendia sobre certos tipos de energias e entidades. O casal seguiu até o bairro da Liberdade que é onde se concentra a maior parte da população asiática do estado de São Paulo, indo direto para uma lojinha de antiguidades que ficava numa parte pouco menos movimentada do bairro. Por mais que as circunstâncias não fossem das melhores, no fim ambos estavam felizes por estarem na companhia um do outro, fazendo diversas anotações mentais de irem juntos em alguns bares e restaurantes que viram ao longo do caminho e julgaram que seriam ótimos para futuros encontros.
- Você acha que ela realmente pode me ajudar? - Ariel perguntou. Sua voz aparentava puro cansaço, porém ele ainda tentava parecer minimamente "bem", por mais que o outro soubesse muito bem de seu real estado.
- Eu não sei se ela realmente pode nos ajudar, mas sei que pode ter o conhecimento necessário para saber o que ou quem pode fazer isso. - Respondeu simples.
Conforme andavam, por estarem de mãos dadas, o casal notava alguns olhares sobre eles. Alguns olhares de curiosidade, alguns olhares de desaprovação, e até mesmo alguns olhares de admiração. No fim aquilo realmente não importava nem um pouco, nem mesmo para Marcos que havia acabado de "se descobrir", o que dava a Ariel um pouco felicidade e alívio em meio de todo aquele caos porque ele sabia que talvez o asiático fosse estar ao seu lado. O que ele não sabia era que Marcos já pretendia tê-lo consigo há muito tempo, e ele não iria sair de seu lado tão cedo!
Em poucos minutos ambos chegaram ao lugar. Era uma lojinha até mesmo carismática, onde visivelmente só se vendiam relíquias e antiguidades, o que dava um ar um pouco misterioso àquele lugar. O mais novo olhou ao redor por alguns instantes sentindo um leve nervosismo por estar ali, mas não sabia dizer se aquilo era bom ou ruim. Chen por sua vez observou a breve reação do cacheado, afinal queria saber o quanto aquela entidade estava presa ao menor. Por saber que aquele lugar era consagrado quis observar Ariel porque dependendo da sua reação daria para se ter uma noção, e ele esperava que não fosse tarde e que o demônio não estivesse tão impregnado no mais novo!
Por fim eles entraram. Ao abrirem a porta ouviram o som do badalar de sinos, o que fez a cabeça do menor doer por alguns instantes. Por poucos segundos ele ficou um pouco tonto, tendo que ser segurado por Marcos. Ariel levou as mãos aos seus ouvidos e os tapou na tentativa de diminuir o som e dissipar aquela sensação de dor, porém foi completamente em vão já que a cada vez que o som ressoava era como se algo batesse diretamente em sua cabeça. Sequer entendia o motivo daquilo já que até poucos instantes antes, mesmo estando cansado, se sentia relativamente bem.
- Você está bem? - O asiático perguntou acariciando as costas do outro.
- Aposto que foi o som dos sinos que o deixaram com dor de cabeça, não? - Uma mulher surgiu de trás do balcão, seguindo até o casal parado na porta.
- Como você sabe? - Ariel questionou.
- Acredite, você não é a primeira pessoa que é pega pelo som deste sino. - Riu.
- Eico, nós viemos aqui porque precisamos de sua ajuda e eu... - Marcos parou de falar quando ela sinalizou para que ele ficasse quieto.
- Meu querido Marcos, por qual outro motivo você me procuraria sem nenhum aviso prévio? - A mulher sorria gentil para ele, que sorriu de volta.
Eico Yamamoto era uma das mais antigas amigas de Marcos, tão antiga que ela chegou a cuidar dele quando sua família chegou no Brasil depois de que ele tinha feito dez anos. Ela era japonesa e havia vindo para Brasil cerca de quinze anos atrás, por isso falava tão bem o português, tanto que Ariel sequer notou seu sotaque. A mulher acenou para que ambos a seguissem até as salas dos fundos, antes sinalizando a Chen para mover a placa de "aberto" para "fechado", o que ele fez de forma imediata. Sabia que se ela estava fechando a loja apenas porque eles dois estavam ali...
Talvez as coisas não fossem tão simples...
- Então... Qual dos dois vai me contar porque diabos tem um incubus na minha loja? - Indagou, os surpreendo, afinal nenhum dos dois havia dito nada.
- Eu realmente imaginei que fosse isso, e esperava que você pudesse ajudar ele. - O garoto frizou.
- Poder eu posso, até porque já lidei com esse tipo de parasita algumas vezes no passado. A questão é que eu preciso saber com qual tipo de incubus estamos lidando e para isso eu preciso que a maior ajuda venha do próprio Ariel. - Ela disse.
- Minha? Afinal, como você sabe o meu nome se eu nem te disse? - Ele estava confuso.
- Meu amor, Marcos não te disse que eu sou clarividente? - Riu de novo. - Obviamente eu não sei tudo sobre tudo, mas a sua energia está tão desregulada que eu consegui sentir você assim que você virou a esquina. Fora que sinto até o cheiro desse maldito grudado em você... Ele não para de falar seu nome. Tá chamando por você.
- Eico era uma bruxa muito famosa em sua cidade natal no Japão desde que era apenas uma criança. Depois de uns anos ela veio pro Brasil e eu a conheço desde que também vim para cá. - Marcos explicou para o cacheado.
- Cuidei desse aí desde que era só um bebê. - Ela falou de forma engraçada, os fazendo rir.
- Para de mentir. Quando eu cheguei no Brasil já tinha dez anos. - Murmurou.
- E eu já tinha vinte. Pra mim você era um bebê. - Ela deu de ombros.
As salas na parte de trás da loja eram espalhadas num extenso corredor e separadas por portas. Havia exatamente cinco salas: duas do lado esquerdo, duas do lado direito e uma que ficava exatamente no fim do corredor. Ao ver a última porta, esta que por sinal era completamente preta, Ariel sentiu certo desespero. Era como se algo em sua mente o dissesse que se entrasse ali iria morrer. Seu corpo começou a tremer porém ele tratou de se controlar, por mais que até mesmo suas pernas estivessem lhe traindo. O garoto parou por alguns segundos. Ele estava agarrado a blusa de Marcos, e estava se controlando demais para não surtar. Ele queria surtar, queria gritar, queria correr dali e nem mesmo entendia o motivo daquilo tudo!
- Quer saber por que você sentiu dor quando ouviu o badalar dos sinos na porta? - A voz da mulher chamou sua atenção. O garoto apenas acenou positivamente com a cabeça. - Aqueles sinos são consagrados, ou seja, caso algo ruim ou maligno ouça o seu badalar automaticamente sentirá dor. Por isso eu sei que Marcos só veio aqui porque precisa de algo, além de que, como eu disse, eu consigo sentir a energia desse parasita de longe.
- Por que você fala parasita? - Querendo ou não ele estava tão curioso sobre aquela mulher que até se esqueceu de suas dores ou cansaço.
- Incubus são demônios parasitas, até porque eles se alimentam da sua energia vital durante o seu sono usando de algo que é maravilhoso como o sexo. É uma entidade parasita porque eles grudam em você e se aproveitam das suas vontades e desejos apenas para continuarem vivos, o que me deixa muito puta! - Ralhou.
- E por que ele me escolheu?
- Provavelmente você estava no lugar errado na hora errada. Essas entidades vagam por aí, e é provável que ele sentiu o seu desejo por alguém e se aproveitou dele. Quem ele vira quando entra nos seus sonhos? - Perguntou.
- An... Bom... Eu tenho sonhado que estou... Cê sabe... Com o Marcos... - Respondeu completamente envergonhado.
- Faz bastante sentido. - Eico riu, lançando uma piscadela cúmplice para o maior, este que apenas lhe deu dedo. - Ele já tinha me falado de você, sabia? Você é o único assunto do Marcos há uns dois a...
- Eico, cala a boca! - Esbravejou, o que fez a mulher rir, assim como o cacheado.
- Fico feliz que vocês ficaram juntos depois de tanto tempo. Meu amigo é apaixonado por você, Ariel. E te digo como alguém que conhece essa peste há muitos anos: Ele vai te fazer muito feliz! - Ela sussurrou para Ariel, o que o fez sorrir largo, afinal ele também era apaixonado por Marcos e ouvir aquilo o deixava muito satisfeito!
Por fim eles chegaram ao fim do corredor, consequentemente chegando até a porta preta. De repente, Ariel começou a ouvir nitidamente uma voz em sua cabeça que lhe dizia para não entrar lá. Ele olhou ao seu redor procurando o dono daquela voz, porque se deu conta de que realmente só haviam eles três ali. Mesmo havendo outras salas, o som vinha de tão perto que nunca poderia ser alguém dentro de uma delas. Parecia que vinha diretamente do seu ouvido, mas ecoava dentro de sua cabeça como se estivesse preso numa sala completamente vazia, apenas com aquele som a preenchendo. A voz dizia de forma brava e logo começou a falar mais alto, e mais alto, até chegar ao ponto de literalmente gritar em plenos pulmões.
- Essa voz... Vai me deixar surdo! - O cacheado murmurou, tapando seus ouvidos, mesmo que fosse completamente inútil. Estava dentro dele.
- O demônio sabe que a partir do momento que você entrar nessa sala, é uma questão de tempo até eu acabar com a raça dele. - Ela falou, por fim girando a maçaneta.
Eico abriu a sala, revelando um cômodo cheio de símbolos desenhados com uma tinta vermelha, estes que cobriam quase que completamente as quatro paredes. Haviam também velas que pareciam desgastadas de tanto queimar, assim como duas mesas. As mesas eram praticamente os únicos móveis no ambiente. Uma delas era extensa, quase como uma maca, e havia um lençol sobre ela, então provavelmente ele iria se deitar ali. A outra já era como uma mesa auxiliar, e haviam em cima dela diversos objetos, dos quais ele apenas reconheceu um bastante conhecido por muitos: uma crucifixo. Ao ver aquela cruz seu corpo inteiro se arrepiou, algo que ele não entendia, afinal nunca havia sido uma pessoa muito religiosa. Na verdade ele não acreditava em muitas coisas, e só estava ali porque sabia que, mesmo não acreditando, o que havia sofrido durante seu sono não era algo desse mundo.
A mulher entrou na sala sem muitas cerimônias, sinalizando com a mão para que Ariel se deitasse. O garoto olhou de forma relutante ao seu redor. A cada nova coisa que observava, sentia crescer lentamente dentro de si uma vontade louca de sair dali correndo. Ele lançou um olhar suplicante para Marcos, este que apenas sorriu de forma singela e acariciou seu rosto, o puxando para perto de si e o prendendo em um forte abraço. O cacheado sentiu seu corpo relaxar com aquele ato do mais velho, mesmo que minimamente. Ele confiava em Chen e sabia que com ele ali estaria protegido...
- Cada um dos cinco cômodos representa uma religião diferente. Por mais que existam muitas crenças e religiões, nenhuma está certa ou errada. Existem entidades que correspondem a cada uma delas e cada qual tem sua maneira de lidar com elas. Esta sala... - Ela levantou ambas as mãos, girando em seus calcanhares para observar todo o lugar. - Esta sala é a sala que corresponde ao cristianismo, e lida com a contra parte dele.
- Demônios... - Ariel sussurrou baixinho, porém Eico o ouviu.
- Exatamente. Aqui eu lido com os malditos demônios. Eu não suporto esses seres, eles são a pior espécie que existe no mundo espiritual. - Completou.
- E o que você vai fazer, Eico? - Marcos perguntou meio aflito. Ele estava muito preocupado.
- Bom... Incubus são demônios parasitas. Eles não costumam possuir os hospedeiros porque o que os alimenta é principalmente a energia que os humanos liberam durante o sexo. Magia sexual é poderosa justamente por isso, porque sexo gera energia. Por isso eles transam com quem hospedam através dos sonhos.
- Então quer dizer que ele só quer transar comigo? - Indagou.
- Sim e não. Sim porque é só isso que ele vai te obrigar a fazer. E não porque a intenção principal dele é sugar sua força vital. Ele literalmente vai sugar a sua vida até não restar nada, então você vai definhar até morrer. - A forma que ela dizia era tão tranquila que deixou o mais novo completamente chocado.
- É por isso que precisamos nos livrar dele rápido. Não sabemos a força desse demônio, então não dá pra saber quanto tempo vai levar até ele te consumir. - A apreensão que Marcos sentia era nítida em sua voz. Ele aproveitou que já estava abraçado a Ariel para beijá-lo em sua testa. - Vai dar tudo certo, Ari. Eu vou estar aqui com você, tá?
- Tá ok... - Sorriu pequeno, recebendo um selinho rápido do maior. - O que eu faço?
- Você vai deitar aqui. - Ela apontou para a maca.
Eico foi até a mesa auxiliar e pegou de lá um pequeno frasco, começando a recitar algo de forma baixa assim que tocou no objeto. Ela fez o símbolo da cruz e começou a respingar o líquido que havia ali em cima de onde Ariel iria se deitar, e foi só então que ambos entenderam que o que ela falava deveria ser algum tipo de oração e aquele líquido era água benta.
- Pode deitar, bonitinho. - Sorriu para ele.
Mesmo a contragosto, o garoto foi até a maca e se deitou sobre ela. Assim que sua cabeça encostou no metal do objeto, Ariel sentiu uma forte pressão em sua nuca, ficando inconscientemente quase que imediatamente. Marcos se assustou e já estava preparado para ir até o mais novo, porém a bruxa o interrompeu.
- Não interfira, Marcos. Está tudo bem com ele, além de que você não pode quebrar o círculo. - Ela apontou para baixo, e só então o asiático se deu conta de que havia um grande símbolo desenhado no chão.
- Toma cuidado com ele, Eico... Por favor... - Pediu.
- Eu vou ser o mais gentil possível, mas não posso garantir quanto ao demônio. - Deu de ombros.
‐ Você acha que vai ser fácil?
- Não sei. A energia do parasita é muito forte. Já lidei com vários tipos de demônios antes, mas esse é meio... Diferente...
Eico passou a mão por cima do corpo do cacheado para poder sentir a energia do demônio que estava o obsediando. Por mais que achasse que todos os demônios eram seres igualmente desprezíveis, sabia que havia uma hierarquia e sabia que existiam os que eram mais poderosos do que os outros. Ela não esperava que fosse algo demais, até porque já havia lidado com diversos incubus antes, porém foi surpreendida. Seu corpo acabou se arrepiando por inteiro quando a mulher se viu invadida por um sentimento de puro terror. Por mais que obviamente fosse um incubus, algo estava errado.
- Ele é maligno demais... - Ela sussurrou e no mesmo instante um vento correu pelo cômodo, apagando as velas.
O asiático, este que apenas observava os movimentos cautelosos da bruxa, ficou assustado. Afinal, como diabos estava ventando em um cômodo fechado?! E além disso, o lugar havia começado a ficar cada vez mais e mais frio, tanto que por alguns instantes Marcos pôde jurar ver fumaça sair de sua boca. Ele olhou de forma desesperada para Eico, esta que olhava ao seu redor como se buscasse por algo.
A bruxa mantinha seus olhos abertos de maneira que não piscava nenhuma vez. Ela estava sentindo tanto desespero, medo... Era um sentimento de puro e genuíno terror. Eico buscava incessantemente pois sabia que havia algo de muito errado. Instintivamente começou a recitar uma oração de proteção enquanto buscava pelo dono de toda aquela energia maligna que estava impestiando o ambiente por inteiro, a sufocando por ser tão física que ela podia sentir até mesmo o cheiro de podridão que aquilo emanava. Cheirava a morte!
- Eico...
Marcos chamou sua atenção, porém ele estava com os olhos arregalados e olhava de maneira fixa para um ponto em específico atrás de si. O garoto lentamente apontou para trás da bruxa. Ela não estava entendendo, então decidiu se virar, até que por fim ela o encontrou. Dois pontos brancos flutuavam em um canto escuro, pontos que se assemelhavam a um par de olhos. Assim que o viu, Eico sentiu um arrepio subir da sola de seus pés, passando por suas pernas, tronco, e quando por fim chegou em sua cabeça seus olhos automaticamente se encheram de lágrimas de uma forma tão abundante que elas escorreram de maneira incontrolável. Era pavor. Ela estava sentindo tanto pavor que seu corpo reagiu de forma instantânea.
Lentamente e sem tirar os olhos da coisa, a asiática começou a andar para trás, estendendo sua mão para Marcos. Se o demônio em pessoa havia aparecido ali, ele com certeza era um alvo fácil já que ela sabia se proteger e Ariel estava sobre uma runa que o protegia de ataques, sendo Marcos então o único vulnerável ali. Sem pensar muito o garoto segurou em sua mão, se aproximando dela também sem tirar sua atenção daquele par de olhos flutuantes. Uma risada bizarra foi ouvida, e quanto mais ria, mais grave se tornava, até chegar ao ponto de que o som fazia seus corpos vibrarem.
Chen nunca em toda a sua vida imaginou presenciar o que estava por vir...
Das sombras, uma silhueta começou a surgir. De forma lenta e meio assombrosa a figura começou a andar em direção a luz, revelando sua forma. Contudo não era o que ambos esperavam. Na verdade aquilo era como o asiático. Era Marcos ali! Tudo era igual, até mesmo suas roupas, porém aquilo com certeza emanava uma aura tão amedrontadora que era impossível confundi-lo com o Marcos verdadeiro. Também tinha seu rosto... Estava todo machucado. Haviam diversos hematomas roxos, além de que suas olheiras eram tão profundas que a pele se tornava escura naquela área. Seus olhos por sua vez haviam mudado, saindo de orbes brancas pra dois globos completamente negros.
O demônio olhou em direção a ambos os asiáticos e sorriu. Não um sorriso comum, nem de longe! Era simplesmente horripilante! Ele sorria de maneira que seus lábios se dobravam além do que o seria considerado normal, deformando seu rosto já que a abertura de sua boca quase alcançava suas orelhas. Seus dentes também eram sujos, escuros...
- Como ousa vir até aqui? - A bruxa foi a primeira a falar algo, ganhando a atenção da coisa.
- Ora, você não queria me ver? Eu vim. - Sorriu ainda mais largo. Era como se seu rosto fosse se rasgar a qualquer momento.
O demônio lentamente começou a andar em sua direção. Seu corpo se mexia de uma forma bizarra, como se seus ossos estivessem quebrados, e os sons dos estalos ecoavam pelo cômodo a cada passo que aquilo dava. Marcos estava sentindo seu coração bater tão forte que era como se a qualquer momento fosse pular por sua boca. A cada passo da coisa em sua direção ele sentia cada vez mais e mais medo, um pavor tão intenso que seu corpo se recusava a reagir.
Eico por sua vez não iria se deixar intimidar, então começou a recitar um feitiço de expulsão, o que não agradou nem um pouco o demônio. Ele a olhou furioso, parando de sorrir e ficando sério. Seus olhos negros pareceram ficar ainda mais escuros, se é que era possível, e todo o seu rosto e corpo pareceu escurecer ainda mais. Antes sua pele era pálida, porém naquele momento estava praticamente cinza. Suas veias estavam visíveis e eram escuras. Seu semblante de sério foi se tornando irado, com uma feição de puro ódio.
- Você acha mesmo que pode contra mim, bruxa? - Indagou com uma voz gutural, não mais com a voz humana de Marcos.
- ... Eicio te, malum, per potentiam... - A mulher não conseguiu terminar sua frase já que foi arremessada com força contra a parede.
(... Eu te expulso, ser maligno, pelo poder...)
Antes que pudesse pensar em fazer qualquer movimento, Chen apenas viu tudo ao seu redor girar antes de sentir um impacto forte. Havia sido arremessado para longe da mesma maneira que Eico e de forma tão rápida que sequer tinha se dado conta, só entendendo o que aconteceu quando já estava estirado no chão. Ele tentou se levantar porém estava desnorteado. Seu corpo doía e sua cabeça girava, até que por fim ele não aguentou mais e acabou desmaiando.
- Ele é meu! - O demônio bradou. O incubus se virou na direção de Ariel, voltando a carregar o mesmo sorriso diabólico de antes. Ele começou a andar na até o cacheado, porém apenas se movia de forma lenta, o que parecia deixá-lo bravo.
- Aqui dentro você não tem tanto poder, não é? Mal consegue se mover... - Eico disse, se levantando com dificuldade.
A coisa bradou irritada e, num movimento rápido, saltou na direção de Ariel, ficando em cima do cacheado. O garoto, mesmo inconsciente, começou a ofegar em busca de ar. O incubus riu tão alto que o som machucou os ouvidos da bruxa, os fazendo sangrar, porém ainda assim ela não poderia se deixar abalar. Yamamoto tentou avançar em sua direção, porém sentiu seu corpo paralisar.
- Você não vai se aproximar, bruxa. Ele é meu! - Falou de maneira ríspida.
- O seu azar, demônio podre, é que você está no meu sacrário. E nesse exato momento você caiu exatamente em una de minhas armadilhas. - Ela riu, apontando para o enorme círculo que rodeava Ariel, e que agora prendia o demônio.
Lentamente a mulher começou a se aproximar, passo a passo. A coisa bufou irritada. Por mais que se esforçasse, era como se seu poder não funcionasse sobre ela, então não conseguia afastá-la como da última vez. Ele então se agachou, voltando sua atenção para o garoto sob seus pés. Seu sorriso, este que antes havia sumido, estava presente ali mais uma vez. O demônio usou suas longas unhas para marcar Ariel, desenhando uma estranha marca em seu pescoço. Sua unha, mais como uma garra, rasgava a pele do garoto, porém mesmo fazendo cortes profundos as feridas não sangravam. A coisa sorriu satisfeita, lambendo o pouco sangue que havia em sua garra, beijando Ariel em seguida.
Marcos lentamente recuperou sua consciência, se levantando com certa dificuldade. Ainda estava zonzo, sua visão estava turva, porém rapidamente se lembrou do que estava acontecendo ali, se forçando a ficar de pé. Ele se virou a tempo de ver a coisa agachada sobre Ariel o beijando, o que encheu seu peito do mais puro e genuíno desespero. Eico estava entre eles e parecia não conseguir se mexer. Seu coração disparou, batendo feito louco por conta do medo que sentia de toda aquela situação. Aquele ser emanava tanta malignidade que o asiático precisava lutar contra seus próprios instintos. Seu corpo implorava para que ele fugisse dali e se recusava a obedecer sua mente, já que por mais que ele quisesse correr e afastar aquela coisa de Ariel, não conseguia.
- MARCOS! - Eico gritou, o fazendo voltar a si. Ele a olhou exasperado. - A cruz! Rápido!
De forma imediata ele entendeu o que ela quis dizer. O garoto então correu até a mesa auxiliar, pegando de lá a cruz prateada que se destacava entre todos os objetos presentes ali. Chen se virou para onde Eico estava, afinal precisava lhe entregar o crucifixo, porém se surpreendeu ao ver que o incubus o olhava de maneira medonha. Seus olhos estavam arregalados e o encaravam de maneira tão intensa que seu corpo estremeceu por inteiro. Um arrepio o atingiu de forma tão intensa que seu estômago embrulhou, o fazendo se virar e vomitar.
- Marcos, não deixe ele te amedrontar. É isso que ele quer! - Eico disse, completamente aflita.
Yamamoto estava angustiada. Por mais que já tivesse lidado com aquilo antes, nunca era algo fácil de digerir visto que demônios eram seres absurdamente malignos, até mesmo os mais fracos. Porém aquele com certeza não seria um incubus comum. Eico pensou, e pensou e rapidamente se deu conta de que aquele demônio era mais poderoso do que ela havia imaginado.
- Exorcizamus te, daemon malus, in nomine Dei Christiani, quia ipse est creator tuus! - Conforme proferia aquelas palavras, o incubus parecia se exasperar.
(Te exorcismos, demônio maligno, em nome do Deus Cristão, já que ele é o seu criador!)
- MALDITA! FIQUE QUIETA! - Ele usou seu poder para atacá-la, porém não tinha forças o suficiente para lançá-la longe.
- Virtute divina mihi concessa, te remitto unde venis. Ignibus inferni ardentibus exurere tergum!
(Pelo poder divino a mim concedido, eu te mando de volta para onde veio. De volta para queimar no fogo ardente do inferno!)
A força invisível que antes prendia a ela e Marcos lentamente foi se desfazendo. O temor absurdo que sentiam antes diminuiu ao ponto de que ambos conseguiram se mover, então rapidamente Chen entregou o crucifixo para a bruxa, esta que imediatamente arrancou um pedaço do tecido de sua saia e enrolou em sua mão, por fim apontando a cruz para o demônio.
- Per sanctum nomen Domini nostri Jesu Christi, cogo te, ut dicas mihi nomen tuum. Dic nomen tuum, daemon! - Ordenou. - ME DIGA SEU NOME, DEMÔNIO IMUNDO!
(Através do nome santo de Jesus Cristo, eu te obrigo a me dizer seu nome. Diga seu nome, demônio!)
- BARZAN! - Esbravejou. Sua voz era tão gutural que o chão sob seus pés tremeu. - BRUXA MALDITA!
Eico por fim compreendeu o motivo daquele demônio não ser um incubus comum. Barzan era a personificação do medo, um demônio extremamente poderoso dentro da hierarquia infernal. O incubus desceu de cima de Ariel, se pondo de frente para a asiática e a encarou com certa fúria. A bruxa sentiu mais uma vez seu corpo implorar para que ela fugisse, tamanho o pavor que sentia. O olhar daquela criatura era tão intenso que era quase como se pudesse tocar diretamente sua alma, atormentando seu espírito.
- Você vai pagar caro pela sua insolência. - Ele vociferou lentamente.
Yamamoto apontou o crucifixo para ele, contudo para sua surpresa a coisa segurou a cruz por sobre sua mão. O objeto começou a esquentar e esquentar, algo que ela já esperava que aconteceria visto que aquilo era comum. Era uma tentativa fútil dos demônios de fazê-la soltar a cruz e assim perder seu foco, porém ela iria aguentar. O que lhe chocava era que nunca em toda a sua vida havia visto um demônio em sua forma física segurar um crucifixo.
- E você... Você vai... Voltar para o inferno! - A dor que começava a sentir era tanta que ficava difícil de falar. - Clamarei ao Deus altíssimo, ao Deus que por mim tudo executa. Ele enviará desde os céus, e me salvará...
- ... Do desprezo daquele que procurava devorar-me. Deus enviará a sua misericórdia e a sua verdade. Blá-blá-blá. - O demônio a interrompeu, continuando o versículo que Eico recitava. - Eu me lembro do homem que escreveu isso. Eu fodi ele da mesma forma que fodi seu amiguinho ali, e consumi sua vida até sua alma passar a ser única e exclusivamente minha. - Gargalhou.
- Como é possível... - Yamamoto estava incrédula. Aquelas palavras eram sagradas e deveriam ferí-lo até ele enlouquecer, mas ele as proferia como se não fossem nada!
- Bruxa idiota. Você acha mesmo que Deus gosta de você? Você acha mesmo que ele vai te dar os poderes dele? - Riu. O escárnio em sua voz era nítido. - Ele quer é que você queime junto comigo.
Barzan torceu o pulso de Eico com tanta força que a mulher urrou de dor, se inclinando por não aguentar a pressão que o demônio colocava contra sua mão. Ele arrancou o crucifixo dela e o arremessou para longe, e por fim sentiu-se livre para se mover novamente. A criatura se virou para Ariel mais uma vez, porém antes que pudesse andar sentiu um impacto forte contra suas costas, logo sendo invadido por uma dor excruciante. Marcos havia lhe acertado com uma adaga ungida, e a lâmina além de ferí-lo, queimava como brasa ardente.
- Você... - O incubus se virou, segurando o asiático pelo pescoço. Era bizarro como ambos se pareciam fisicamente, porém o demônio era uma versão maligna e distorcida de Marcos. Barzan cravou suas garras no pescoço de Chen, rasgando sua pele sem o menor pudor. - Eu quase me esqueci de você...
- Deixa... Ele... E-Em paz... - Ele estava quase sem ar, e lutava para tentar se livrar do aperto que o sufocava.
- Ele é meu. Mas você... Você tem algo que eu quero!
O demônio o cheirou, sorrindo de maneira psicótica. Barzan lambeu o sangue de Marcos que escorria de forma abundante de seu pescoço, o que fez o menor se arrepiar por completo ao sentir o toque gélido de sua língua. Um frio o consumiu de repente, contudo aquilo não e incomodava e sim lhe causava pequenas ondas de prazer. O asiático estava quase inconsciente quando finalmente sentiu o aperto em seu pescoço afrouxar, puxando o ar com força por finalmente poder respirar livremente, porém antes que pudesse fazer qualquer coisa foi jogado ao chão com o demônio subindo por cima de si.
Barzan sorriu largo, enquanto Marcos estremeceu por inteiro. A presença dele era sufocante. Saber que aquilo era um demônio era aterrorizante. Tê-lo bem ali na sua frente era simplesmente desesperador. O incubus se sentou no colo do asiático de maneira que ficou perfeitamente posicionado sobre seu membro e, por incrível que pareça, aquilo o proporcionou um prazer surreal, mesmo com todo medo que sentia. O demônio se inclinou e beijou Marcos. Era nojento. Ele sentia repulsa. Era simplesmente repugnante. Contudo ele se deixou ser beijado e nem ao menos sabia o porque. Por mais que aquele ser fosse asqueroso, Marcos sentia prazer naquilo. O prazer o consumia por completo, o impedindo de sair dali e o obrigando a apenas continuar...
Quando por fim o demônio parou de beijá-lo, o asiático parecia em êxtase. Seu corpo estava fraco, sua consciência estava longe. O prazer era tanto que parecia que havia tido um orgasmo recente. Marcos tentou se manter acordado, porém logo sua visão escureceu e ele apagou...