A Pessoa se localizou novamente no vazio entre os vãos do universo. Seu olhar desviante vislumbrando as teias mais distantes, como estrelas no espaço negro.
— Houve um tempo em que eu tinha de caminhar todos os segundos desde o começo até o primeiro "dia" do universo.
— Mas depois que os Ciclos foram se repetindo cada vez mais e mais chegou a esse ponto. — sua mão se estendeu na tentativa de alcançar uma estrela invisível atrás de uma linha fina e reluzente.
— Agora para o fim...
— Depois do surgimento da Abominação o fim nunca se tornou definitivo. Eu vejo. É claro que o loop se tornou fixo na história.
Uma poça parecendo um espelho de inúmeros círculos apareceu diante da Pessoa, a culminação de toda a história do universo que ele sabia e via.
Ele olhou fixamente para aa projeção até dar um passo em frente.
Após completar sua caminhada, ele voltou exatamente de onde parou, sem nunca ter saído.
Sua forma tremeu e se enrijeceu como se frustrado com o que viu. Sua tarefa foi refazer uma parte da história que não condiz com sua memória.
Um passo foi dado.
Estrelas deslocaram de lugar.
Satélites naturais de repente se tornando planetas. Buracos negros desaparecendo e surgindo sistemas estelares inteiramente do nada.
Galáxias trocando de setores.
Reinos conflitantes.
Leis adormecendo e despertando. Caos surgindo antes do preditado.
A silhueta negra e esfumada da Pessoa simplesmente não compreendia como uma única entidade desalinhou o percurso da história universal!
Qual o seu passado, Zack Sindério? Pensou em total desequilíbrio.
A Pessoa não possuía total controle sobre que ponto da história poderia aparecer ou surgir, sendo mais um agente do que manipulador da história.
Suas encarnações serviam apenas um único propósito e era levar o universo a sua conclusão. Uma única história linear onde nem mesmo o Destino teria liberdade de alteração.
Esse era o primeiro e único destino. Uma inevitabilidade fadada a ocorrer.
A Pessoa ficou parada por instantes, pensando. Até que resolveu tentar algo.
— Permita-me ver as origens do ser Zack Sindério. Que seus segredos registrados sejam revelados.
Repetindo mais algumas vezes, incerto, um passo é dado ao vazio e sua visão é mudada.
Primeiramente, veio a luz.
Mas depois, uma escuridão seguida de milhares de blocos ilusórios e fragmentos do Reino Tennum (Reino Material) até que tudo se estabilizou como uma balança perfeitamente equilibrada.
Conglomerados de matéria suspensas no vácuo e arcos de energia densos o suficiente para interferir no horizonte de eventos de um buraco negro seguiam uma ordem enigmática. Seus olhos também registrando uma "fragrância", uma energia diferente da mais elusiva forma do Nivium- Tenniv, e sempre presente ao redor da Abominação chamada Zack.
Os "segundos" se tornaram "dias", e os "dias" se tornaram "anos" que logo se passaram em Eons. Quando um certo tempo passou, e todas as Leis se ergueram, uma sucumbiu aos delírios da Lei Primordial, resultando no despertar dela. Caos.
E como despertado pela desordem do equilíbrio e pela entropia instigada por Caos, Ordem se ergueu, destruindo Caos e a si mesmo junto do universo, criando um novo Ciclo.
"Segundos", "dias", "anos" e Eons, até que inúmeros Ciclos depois, um planeta azul em um sistema estelar na Via Láctea, um setor semi-nutrido por Nivium, surgiu na visão da Pessoa.
Ela seguiu um caminho instintivo até chegar numa ala hospitalar. Na cama, uma mulher grávida estava dormindo.
A figura de cartola é bengala no entanto, reparou na infinita concentração da Fragrância, um fluído disperso mas concentrado ao redor do feto no útero da mulher.
Aquilo, se contorcia, como se desprezasse a realidade ou Reino em que estava. A Pessoa viu o feto morrer e voltar diversas vezes enquanto cada milissegundo passava como se tivesse sido forçadamente posto alí sem sustentação própria de existir.
Sem assinatura energética, ele não é uma alma da Roda de Reencarnação, nem projetado pelas Leis, Vida e Morte. Uma alma que não é deste universo?
Como se fosse atraído para o evento a sua frente, a silhueta estendeu a mão livre até o útero da mulher, sua mão parando apenas em sua barriga.
O suficiente para ele "ver" o quê traria caos a história universal.
De repente ele sentiu um olhar invisível lhe encarar. Ela olhou para o feto, e o feto a encarou de volta com pares de olhos, cada um carregando consciências, consciências além das barreiras do limiar histórico.
Medo. Terror. Coisas que a Pessoa esqueceu a muito retornarão após ver a real natureza da Abominação. Ele tinha- queria retornar ao vazio de tão intimidado que se sentia agora. Nem mesmo o Abantesma que surpreendentemente o conseguiu ver lhe pôs tanto medo!
Foi nesse momento que uma mão o agarrou o pulso.
A mão vinha da barriga, uma feita de forma parecida com a silhueta da Pessoa mas de energia totalmente repulsiva as deste universo!
Você... Comida. Como um rugido e grito histérico a Pessoa ouviu os pensamentos do feto. Em desespero ele se desfez, rapidamente se formando novamente e dando um passo em direção ao vazio.
Ela se desfez por medo de trazer o feto ao vazio, ou de dar a ele a chance de fazer estragos inimagináveis.
A Pessoa retornou ao vazio enquanto ainda ouvia os gritos histéricos do feto ainda no útero da mãe adormecida.
Pânico aos poucos se foi, dando lugar a uma preocupação sobre o real motivo de todas as mudanças bizarras na história.
— O que aconteceu?