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Todo dia era uma névoa sombria, um inferno perpétuo onde Kieran mal conseguia diferenciar o ontem do hoje ou do amanhã. Tudo havia se tornado uma grande e exaustiva mancha indistinta.
E ele estava entediado — tão entediado que doía.
Ele queria mudanças e atividades, mas não podia tê-las a menos que fosse dentro de um sonho que raramente vinha. Em vez de sonhos, nos dias de hoje, ele tinha mais pesadelos — fragmentos de glórias perdidas que o assombravam.
Ele odiava a sua queda em desgraça, olhando ao redor de sua prisão branca sem interesse.
Não era para ser uma prisão, mas mesmo assim parecia uma.
Ele jazia em um quarto médico cúbico e imaculado para prolongar a vida que drenava a cada dia que passava. Ele estava alcançando o seu fim; ele podia sentir isso. Então, talvez o que o aguardasse fosse uma paisagem infernal.
'Não, este lugar é o meu inferno.'
Arrependimento e ódio queimavam em sua mente, mas ele não sabia onde despejar isso. Ele queria acreditar que era sem dono, mas isso era uma mentira. Kieran sabia o que ele odiava, o que merecia ser desprezado — aquela maldita doença que o havia condenado a este inferno de vigília.
Kieran fechou os olhos, apertou os lábios e emitiu um gemido miserável, contendo a duras penas as lágrimas de angústia. Quem iria querer viver uma vida sombria confinado a uma cama quando antes era alguém grande?
Era um destino terrível, talvez o mais miserável para uma pessoa vaidosa.
'Eu não sou vaidoso, porém. Eu estou apenas… cansado.'
Kieran exalou.
Então ele abriu os olhos brilhantes e embotados e encarou a luz branca cegante que caía do teto. Ele conseguia ver uma multidão rugindo piscando através dos raios de luz por apenas um segundo antes de desaparecer, e ele voltava à realidade.
Seu nome — Kieran Silver — havia sido esquecido. Talvez só ele se lembrasse do passado cheio de empolgação, propósito e triunfo.
Perceber que seu nome não mais fazia ondas o feria como veneno correndo por suas veias. A grandeza de seus feitos havia desaparecido no tempo que passou de hospital em hospital.
A verdadeira dor, no entanto, era sua incapacidade de fazer mais com sua vida. Sua doença havia roubado sua capacidade de se mover, depois... ela roubou sua felicidade, e agora, estava perto de roubar seus pensamentos e reivindicar sua vida.
Kieran suspirou novamente, este mais carregado que o último.
Sua mente estava doente — literal e figurativamente. Estava consumindo-o, engolindo seu tudo. Lembrar doía, e sua memória vacilava. Contudo, não era sua culpa. Ele havia tentado resolver o problema assim que os sintomas se tornaram notáveis.
Não preciso dizer, a busca havia falhado.
'Se dependesse de mim… Eu terminaria com tudo. Mas infelizmente, eu não tenho controle.'
Mal conseguia se mover, mal conseguia pensar. Cada pensamento saía lento após se arrastar em sua cabeça por alguns minutos.
Então, justo quando ele só queria descansar sozinho e se afogar no desespero, a porta do quarto se abriu e várias pessoas entraram — várias… pessoas familiares.
Uma mescla de emoções se agitava nos olhos irritados de Kieran ao olhar para essas pessoas passeando pelo quarto. Sua aparência sozinha fazia o quarto parecer um campo de batalha fúnebre.
Kieran fez o possível para ignorá-las e sua aparição rotineira, mas não havia muito mais no que focar. Os dispositivos médicos que emitiam bips? A tela cheia de um programa sem graça?
Seus pensamentos estavam pesados demais para serem entretenidos por atividades mundanas. Ele havia experimentado emoções intensas demais e estava agora insensível ao que os outros chamavam de normal.
Logo, tudo o que Kieran podia fazer era dar um olhar sombrio e então falar.
"O que é hoje?"
Sua voz era áspera e gutural como o arranhar da morte ganhando vida. Era claro que ele não havia usado sua voz há muito tempo.
Embora tivesse perguntado o motivo, Kieran sabia por que eles estavam ali. Era sempre o mesmo — eram abutres e cobiçavam sua fortuna intocada e ociosa.
Sem herdeiro, beneficiário ou parente para deixar... ela simplesmente estava lá. Era também uma quantia considerável, e por causa disso, Kieran teve tempo para determinar o que faria com ela. Em última análise, ele descobriu que seria melhor usá-la como fundo de pesquisa para essa doença.
A doença cognitiva que sobrecarregava a mente até que ela se consumisse.
Ele havia anunciado essa decisão para o executor de sua propriedade. Desde então, as visitas de sua antiga guilda haviam se tornado infrequentes. E Kieran prezava essa paz.
Dos muitos que entraram no quarto, apenas um falou.
Era um homem com cabelos loiros pálidos que caíam sobre seus olhos e invadiam a armação de seus óculos. Ele estava vestido com um traje elegante, mas seus olhos ardilosos repletos de astúcia traíam a fachada gentil que ele tentava tecer.
"O mesmo de sempre. Mas apenas um pouco diferente. Você vê... a guilda caiu em tempos difíceis e requer uma injeção de dinheiro de proporções maciças. E como eu disse... tempos difíceis — nós não a temos. Então, devemos procurar além, por pastos mais verdes, para ajudar."
Kieran ouviu, mas sua expressão impassível não mudou. Pelo contrário, a antipatia e o rancor começaram a borbulhar por baixo da superfície.
"E daí? O que isso tem a ver comigo, Charles?"
O homem loiro e enganador, Charles, sorriu fino.
"Muito, Kieran. Você é a velha lenda da Brigada Dourada — o Rei Berserk. Como nossa lenda, você não deveria encontrar no seu coração a vontade de nos ajudar? Seus grandes benfeitores? Você se ergueu nas costas de um Beemote. Foi o nosso firme apoio que o sustentou. Agora, estamos em necessidade."
Não era difícil dizer, pelo olhar odioso de Kieran no momento, que isso não era verdade. Muitas sabotagens ocorreram nos bastidores que ele nunca abordou porque no final, amargo e doce, tudo se resolveu.
No entanto, sua saída não foi amigável. Artimanhas maliciosas foram feitas, sua integridade foi questionada e sua doença foi duvidada… até que não pôde ser mais.
"Azar o de vocês. Perguntem aos seus amigos. Se é que algum sobrou. A Brigada Dourada deveria ter aprendido a não apunhalar as pessoas nas costas. Tenho certeza que foi isso que causou todos os seus problemas."
Finalmente, a fachada de Charles começou a desmoronar. Indícios de sua maldade e tendências vis transpareciam por sua máscara de civilidade.
"Quer você queira, quer não... seus ativos podem ser apreendidos. Sua doença o torna médica e legalmente incapacitado. Sua mente não está bem. E você sabe disso. É por isso... que isso foi super fácil de obter. Sem esforço, na verdade."
Charles pegou uma pasta bege de um subordinado e a deslizou pelo torso de Kieran. Um maço de papéis caiu de dentro, o cabeçalho lendo: "Confisco de Ativos Executivos Vinculados."
O olhar de Kieran se escureceu ao encontrar o prazer traiçoeiro de Charles.
"Você pode ter se desligado da Brigada Dourada, mas as cláusulas do contrato de emprego ainda o prendem. Não é a lei incrível dessa maneira?! Ria comigo, é hilário."
Kieran não estava rindo. Ele estava furioso e tomado por pensamentos assassinos. A essência da questão era simples. Eles o haviam declarado incapaz de tomar decisões legais — o que ele provavelmente estava, dada sua mente doente — e assumiram o controle de seu patrimônio.
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Foi tudo ganho durante seu período contratual, e o administrador ajudou a acelerar o processo. Quem sabia que isso tudo viria a morder-lhe as costas?
Ele era jovem... e a juventude era o tempo dos erros desenfreados. Erros eram o rito de passagem que levava à sabedoria e compreensão.
E Kieran estava entendendo que as pessoas não podiam ser confiáveis.
"Você achou que nós desistiríamos do nosso empenho por esse novo mundo? Depois de chegar tão longe? Nunca. Mas agora podemos ir além. E você..."
Charles sorria. Havia algo errado com sua expressão. Mas ele continuou, mesmo assim.
"Agora que temos o controle de tudo isso, você pode seguir em frente e morrer do seu H-COS. Deixe que ele termine de consumir sua mente. Ah, espera, mas tem mais! Fica ainda melhor. Você poderia ter sido curado e estar mais forte do que nunca. Mas você é demasiadamente difícil de controlar e não é ideal para deixar crescer em verdadeiro poder. Adeus agora, bobo."
Charles virou-se num acesso de riso maníaco e caminhou em direção à saída do quarto com os outros, mas foi então que, uma voz direto do próprio inferno, borbulhando com uma indignação fatal, irrompeu.
"O que você disse?"
As engrenagens decadentes na mente de Kieran começaram a girar, realização e compreensão se encaixando numa verdade mórbida. A Brigada Dourada que ele outrora liderara de uma posição elevada... foram os que o condenaram à morte.
Compreender isso levou à fúria desenfreada de Kieran. Uma represa se rompeu em sua mente, em seu coração, e inundou o quarto com algo terrível.
Todos ficaram petrificados, e Kieran fez algo que ninguém pensou que ele faria novamente — se mover. Ele se mexeu. Pouco, porém.
Justo o suficiente para levantar o braço esquerdo com um olhar vazio perturbador. À medida que apontava para a porta, uma esfera de energia frenética e destrutiva se concentrava na ponta de seu dedo.
Era pequena, mas continha a força de uma bomba nuclear. Em sua loucura, Kieran queria obliterar tudo... e ele despertou o poder para fazê-lo.
Uma voz feminina alertou em pânico.
"Abaixem-se!"
Ao se esconder atrás de uma figura forte, algo acabou protegendo o aterrorizado Charles. Uma barreira protetora havia sido erguida.
O quarto inteiro foi destruído, e quando tudo terminou, o corpo sem vida de Kieran — o que restou dele — caiu no chão.
Abalado, Charles encarava o corpo.
"Que maneira de morrer... Ele se tornou um Inumano nos últimos momentos?"
A mulher franziu a testa profundamente com seus olhos fixos na carcaça queimada de um humano.
"Algo assim. Só saiba, ele teria matado vocês todos se eu não estivesse aqui. Vocês realmente... realmente desviaram de uma bala."
…
Os olhos de Kieran se abriram bruscamente, e ele se sentou na cama com uma respiração profunda. Estava incrédulo, mas também inacreditavelmente irado.
Desconhecendo seu ambiente, Kieran olhou em volta com olhares incertos.
"Aquilo foi real? Não... tinha que ser. Eu não estava tendo um terrível pesadelo."
Ele tocou seu corpo, examinou-o, e depois olhou ao redor de seu novo cenário — um pequeno quarto em um dormitório. Ele encontrou essa nova paisagem intimamente familiar, e isso porque era. Ele passou muito tempo naquele exato quarto.
Alguns anos, para ser exato.
Ele saiu da cama e olhou no espelho. Seus olhos eram da mesma cor preta, mas havia uma profundidade sombria neles que ele não compreendia.
Seu cabelo era do mesmo preto esterlino, quase como se fosse tingido para ser tão negro assim, mas não era.
Sua pele... bem, estava um tanto crivada de acne. Não tanto que fosse uma bagunça desagradável, mas o suficiente para saber que hormônios o assolavam.
'...Eu sou um adolescente de novo?'
Kieran teve de sentar para absorver tudo, mas ele se encontrou pensativo enquanto o receptor holográfico em seu braço piava.
Notícias sobre o lançamento de Zenith Online, um novo jogo de realidade virtual, chamaram sua atenção. Mas isso não era novidade para ele.
A mencionar Zenith Online causou um dilúvio de memórias, emoções e conhecimentos. Quanto mais isso surgia, mais a ira de Kieran queimava. Ele estava grato, mas também rancoroso.
Algo o trouxe de volta para cá, mas também arruinou sua vida.
'Primeira... vida? Uns anos da minha vida?'
Kieran piscou com uma expressão distante. Ele estava tão confuso quanto qualquer pessoa poderia estar nessa situação. No entanto, ele não queria desperdiçar essa chance.
Ele olhou para uma foto do jovem ele e seus pais falecidos. Os dias abençoados se foram, mas ele os valorizava como qualquer criança faria.
'Zenith Online...'
Kieran ficou parado por alguns momentos, e então tomou uma decisão executiva. Ele mergulharia de novo. Ele estava de volta a um período de tempo quando o perigo ainda não o tinha agarrado, o que o tornava livre para fazer muitas coisas.
No topo dessas coisas estava uma lista sombria... homicida.
'Brigada Dourada, seus dias estão contados. E Charles. Ah, Charles. As coisas que eu vou fazer com você serão indizíveis. Doce vingança. Retribuição. Seja lá o que for isso agora.'
Renascimento, retorno, reencarnação — Kieran não se importava com o que era. Era uma segunda chance de fazer o errado ser corrigido, e em sua mente, isso começava com o desmantelamento da Brigada Dourada.
Ele esperou horas pelo Capacete VR mais barato chegar, configurou-o, e então esperou pelo tão chamado milagre conhecido como Zenith Online ser lançado.
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[Bem-vindo ao novo mundo... Zenith Online, o mundo das maravilhas aguarda por você.]
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