Nem muitas pessoas sabiam que querer alguém morto às vezes não vem de rancores ou ódio. Havia casos em que era o oposto. Que, às vezes, alguém lá fora, amava e se importava tanto que matava.
O mundo subterrâneo não era chamado de subterrâneo por nenhum motivo. Era um lugar onde as pessoas mais torcidas e com raciocínios doentios poderiam aparecer. Era um lugar onde as pessoas podiam descarregar a escuridão interior; um lugar onde elas poderiam ser tão negras quanto quisessem e liberar a faísca da loucura delas.
"O que aconteceu?"
Heaven abriu os olhos assustada quando a voz de Dominic a trouxe de volta ao momento atual. "Hã?"
"Seu rosto," ele apontou, olhando para a bochecha levemente inchada e a rachadura no canto dos lábios dela. "O que aconteceu com seu rosto?"
"Ah? Isso?" Heaven tocou seu rosto, ainda um pouco perturbada. "Não é nada. Alguém me deu um tapa. Só isso."
"Quem?"
"Hmm?"
"Quem te machucou?"
"..."
Heaven piscou até se recuperar do que a tinha distraído. Só então ela percebeu que tinha dito a ele a verdade sobre sua bochecha, fazendo-a abrir e fechar a boca, mas a voz estava presa em sua garganta.
"Eu — eu." Heaven limpou a garganta, mentalmente se chacoalhando para se concentrar na situação atual. Ela já estava muito distraída e não sabia como tinha chegado à sala de jantar, mas o que se lembrava era que Dominic já estava lá quando ela chegou.
"Você?"
"Mhm. Eu me dei um tapa para acordar. Não se preocupe, estou bem." Ela riu desajeitadamente, movendo o rosto ligeiramente para o lado para esconder sua bochecha. "Enfim, como foi seu dia?"
Dominic não respondeu, olhando para ela em silêncio. 'Mentirosa', ele pensou, descontente por ela mentir sobre algo tão insignificante. 'Foi a amiga dela que fez isso?'
Se ele se lembrava corretamente, Heaven encontrou-se com Paula Shen esta tarde. Embora ela de alguma forma tenha esbarrado em Axel, Dominic tinha confiança o suficiente de que seu irmão não machucaria Heaven.
Heaven estava encobrindo a amiga? Porque as duas brigariam, afinal?
Havia muitas perguntas na mente de Dominic, mas ele não conseguia falar o que pensava. Ele não queria discutir com ela. O que Dominic queria era saber o que ela estava aprontando e por que ela de repente propôs jantarem juntos. Um jantar apenas entre os dois; algo que aconteceu só uma ou duas vezes. Ele podia se lembrar das primeiras vezes, já que foi quando eles concordaram em realizar um casamento.
"Hmm?" Heaven murmurou, trazendo-o de volta à realidade. "Você ainda não decidiu se pergunta se a Paula fez isso ou se simplesmente deixa pra lá?"
"Como você sabia que estava na minha mente?"
"Estava escrito na sua cara."
"É mesmo?" Suas sobrancelhas se ergueram, confusas. Era tão óbvio assim?
Claro que não. A única razão pela qual Heaven adivinhou com precisão foi graças aos seus anos de experiência em ler pessoas. O mundo em que ela cresceu estava cheio de jogos de adivinhação e revelações. Alguém deve ser treinado e preparado para tudo isso se quiser proteger seu coração.
"Ela não fez isso, tá bom?" Heaven sorriu, dando de ombros. "Ela é inteligente demais para tocar um dedo em mim. Foi outra pessoa."
"Eu pensei que você havia dito que foi coisa sua?"
"Eu estava mentindo, pensando que você cairia nessa. Obviamente, você não é tão bobo assim para acreditar numa desculpa tão fraca."
"..." Dominic quase ficou sem palavras com tudo que tinha saído da boca dela. "Você é muito honesta."
"Quando propus adiar o divórcio, pensei muito." Heaven respirou fundo, batendo os lábios enquanto apoiava os braços na borda da mesa. "Se eu quiser mudar, devo ser honesta com meu marido. Não importa se a verdade vai te machucar... já que a verdade dolorosa é sempre melhor do que uma mentira confortável."
Ela inclinou a cabeça para o lado. "Isso vai salvar nosso casamento?"
"O que você quer?" a expressão dele ficou fria como se estivesse enfrentando um oponente poderoso. Ele apreciou a honestidade dela, mas ao mesmo tempo, não podia simplesmente considerá-la como uma mudança verdadeira de Heaven. Deve haver algo, ele pensou. Deve haver algo que estava forçando ela a fazer isso.
E Dominic estava correto.
Havia algo que estava pressionando Heaven a acelerar seus planos.
'Eu não confio em ninguém nesta casa', era o que ela queria dizer mantendo uma expressão neutra. 'Eu não gosto desse sentimento... esse sentimento familiar chamado perigo espreitando pelos cantos desta casa.'
"Você." A resposta dela causou linhas profundas entre suas sobrancelhas. "O que eu quero é você, Dominic Zhu. Aí está sua resposta."
Dominic a encarou em silêncio, um pouco surpreso com a resposta que ela tinha dado. Ele pensou em várias coisas que ela poderia dizer — até em sua recusa em dar uma resposta apropriada. Esse tipo de resposta não passou pela cabeça dele até sair dos lábios dela.
Ele estudou o rosto dela, mas não conseguiu detectar o menor sinal de que ela estava brincando.
"Hah..." ele bufou, inclinando-se para frente enquanto mantinha o olhar fixo nela. "Você quer outro filho novamente?"
"Eu quero dizer..." Heaven se interrompeu enquanto sua expressão inalterada se desfazia. 'Eh?'
Ela piscou, inclinando a cabeça para o lado. "O que você disse?"
"Nada." Dominic desviou o olhar dela, agindo como se sua pergunta fosse algo do qual ele não deveria se envergonhar. Para ser justo, foi um ato falho. Foi uma pergunta para testá-la — talvez, uma tentativa de provocá-la para ver se ela voltaria a ser como era antes.
Dominic sabia que ir tão longe não estava certo. No entanto, era melhor ver através da fachada dela mais cedo antes de confiar nela.
'Acho que ele acabou de me perguntar se eu quero outro bebê.' Heaven observou-o, vendo-o pegar os talheres para comer. 'Dominic Zhu... oho! Você ainda é um homem, afinal. Acho que isso não será tão difícil quanto eu pensei que seria.'
Quando Dominic cortou o bife e colocou na boca, suas sobrancelhas se ergueram ao sentir o olhar dela. Ele olhou para ela, apenas para vê-la sorrindo.
"Está bom?" ela perguntou. "Fui eu que fiz isso. Você gostou?"