A escuridão total me rodeava, era como se todas as luzes tivessem sido apagadas, e as luas nunca nem tivessem existido, o céu de uma noite vazia, sem estrelas, se misturava com o ambiente e o próprio chão em que eu pisava era difícil de se perceber. A grama, normalmente alta o bastante para tocar meus joelhos, quase desaparecia nas sombras. Minha memória, embora confusa, ainda me deixava claro uma faca, meio estranha, talvez feita de alguma pedra…
— Ronan! — Um feixe de luz, me trazia uma lembrança de um grito e um salto, envolvendo aquela adaga.
A escuridão parecia não ter fim e a imagem do fim daquela batalha se repetia em minha mente, um ladrão havia invadido o castelo e eu, Ronan e a vice capitã o enfrentávamos e mesmo com algumas surpresas a vitória era certa, quando de repente…
— Pois bem... — A voz de Merida ressoou em minha cabeça.
— Scieran niht! — Outro grito, acompanhado de mais um feixe, e dessa vez também vinha um calafrio.
A imagem daquela faca, lapidada em uma pedra escura, se fixou em minha mente, junto da visão de meu corpo se pondo na frente de Ronan, um cavaleiro novato com quem eu fazia rondas regularmente. " Então estou morta? Esse é o pós vida? Um grande vazio? Esse foi meu destino? Morrer sem fazer nada?! " Esses pensamentos inundaram minha cabeça.
— Não seja estupida — falei comigo mesma — nunca que um pedaço de pedra furaria minha armadura…
Eu dizia enquanto tateava meu peitoral, uma fina placa de metal que revestia uma camada de porcelana e para completar ainda tinha uma velha cota de malha dada pelo meu pai. Mas a confiança em minhas própias palavras, sumiu em um instante, ao notar um buraco, próximo às costelas, direita.
— Ha… Ha ha — as lagrimas escorriam pelo meu rosto — então… eu morri mesmo?
Com as forças em minhas pernas desaparecendo, cai sentada na grama, quase absortas pela escuridão. Sem saber o que fazer da li em diante, e sem a vontade para descobrir, continuei sentada, abraçada em meus joelhos. Minutos passaram sem que eu percebesse, minha voz já estava rouca e minha garganta doía, quando percebi que um silêncio amedrontador havia se instalado, mais nenhuma memoria ou feixe de luz aparecia, já a algum tempo, e foi quando o sentimento de pavor começou a me tomar que eu ouvi.
— … Jessie… — chamava, ao longe uma voz familiar.
— Ei… está na hora… vamos.
Por alguma razão, aquela voz me trazia calor e lembranças recentes, eram poucas, talvez menos de um mês, mas pareciam carregar um sentimento de alegria que quase vinte anos de outras memórias juntas não tinham.
— Ei, Jessie, já está na hora de acordar, vamos — disse Ronan, com o rosto meio pálido, olhos inchados e pálpebras irritadas.
Confusa, eu me levantei, Merlin e Morgana ainda brilhavam fortemente no céu, mais nenhuma nuvem a vista, a praça da cidade, logo a frente brilhava com o calor das tochas e o ânimo das pessoas, que se preparavam para o segundo dia de comemoração.
— Ainda estou viva — sussurrei enquanto tocava o buraco em minha armadura, com a mão direita, ele ainda estava lá, mas não havia nenhuma ferida, e a cota dada pelo meu pai permanecia intocada.
Olhando em volta, notei Ronan, que esfregava a manga de sua camisa no rosto, enquanto segurava a braceira que havia retirado. " Sera que ele… chorou por mim", o pensamento correu a minha mente, me deixando vermelha e sem jeito. Tentando esquecer a ideia, me voltei para a vice capitã, Merida, parada em pé, observando o castelo, ainda mal iluminado e praticamente abandonado, nenhum outro cavaleiro apareceu, mesmo Ronan e eu tendo tocado o sino de emergência.
— Os bandidos! — gritei ao me lembrar que conseguimos capturar ao menos quatro deles.
— Sumiram. Quando acordei as cordas estavam jogadas no chão, sem mais nenhum rastro — Merida explicou.
— Aquele outro ladrão deve te-los solto depois de nos derrubar — afirmou Ronan com a armadura arrumada.
O sentimento de derrota trouxe consigo um silêncio, que logo se rompeu pelo som das pesadas portas de madeira do castelo, sendo abertas, delas, surgiu o príncipe, com o rosto machucado e ofegante, sua roupa bagunçada e cheia de cortes. Ele era um jovem modesto, que normalmente usava roupas bejes, estranhas para alguém da realeza, e um manto preto, um pouco grande demais para sua altura. Agora, nesse manto, pouco depois de abrir as portas, enquanto nos aproximávamos, ele tirou do castelo, o rei, seu pai, ensanguentado e com os olhos fechados.
— O rei… — ele fungou — meu pai, está morto.
Nossos movimentos frearam na hora, Ronan caiu de joelhos socando o chão, e Merida apertou o chicote em sua cintura com força, enquanto emanava uma fúria silenciosa, tentando se controlar, para eles o fracasso em seu dever era algo que não poderiam se perdoar, naquela noite, não só fracassaram em proteger os tesouros do castelo, mas também falharam em proteger a vida de quem juraram defender. Quanto a mim, por alguma razão, toda essa informação, só me fez ficar parada, de pé, sem saber ao certo o que sentir, enquanto o príncipe parecia se esforçar para chorar, algumas poucas lagrimas presas em suas pálpebras, que logo escorreram por seu rosto se misturando com o sangue respingado nele.
Alguns segundos passaram até que o jovem herdeiro de um reino inspirou e — convoquem os outros cavaleiros! E preparem um anúncio para o povo — ordenou.
— Vocês o ouviram, acordem logo aqueles bêbados inúteis! — Merida gritou, se virando para nós, sem soltar a mão de sua arma.
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Com nossas ordens dadas, Jessie e eu saímos correndo em direção a praça, onde imaginávamos encontrar a maioria dos cavaleiros, ainda bêbados e desmaiados. Meia hora já havia passado, e nossa busca quase não havia progredido, afinal eramos apenas dois, e por alguma razão a sensação de fracasso de mais cedo fazia meus joelhos tremerem e meus punhos cerrarem, só de pensar em me afastar de Jessie.
— Você parece tenso — ela afirmou, liderando nosso caminho pelo labirinto de barracas que o festival formara.
— Eu… — tentei responder, mas memorias incomodas me interromperam — … desculpa… não é nada… só estava pensando.
Duas horas passaram desde que descobrimos a morte do rei, Jessie e eu quase não conversamos durante esse tempo, e finalmente já tínhamos encontrado mais da metade dos cavaleiros.
— Eles já devem ter espalhado a ordem — ela afirmou, se sentando na beira da fonte.
A noite seguia calmamente, com Morgana e Merlin refletindo suas imagens na água, enquanto o povo da cidade se afogava em álcool e algazarra. Inquieto continuei de pé, sem saber para onde olhar, meus olhos sempre voltavam para minha companheira, que eu raramente via de cabelos soltos. Sentada com as pernas cruzadas ela jogou seu corpo levemente para trás enquanto se apoiava com as mãos na margem do fontanário e rapidamente desviou o olhar enquanto tentava esconder o rubor em seu rosto.
— Ei… No que você estava pensando… aquela hora?
Pego de surpresa pela pergunta, tudo que pude fazer foi, continuar a observar seu pequeno, protegido por uma leve armadura de metal e couro, ainda danificada. Enquanto a cota de malha se revelava pela larga fratura em seu peitoral, chamando minha visão, minha mente se enchia de pensamentos, na maioria memorias, antigas e recentes, todas misturadas.
— Quando… — pouco antes de eu responde-la, o alvoroço que os cidadãos começavam nos interrompeu, atraindo nossa atenção para um espetáculo ainda inédito para mim.
Incontáveis pétalas preenchiam os céus da capital, vindas do leste, carregadas por uma forte lufada de vento, a escuridão falha se perdia em meio a ondas de rosa banhadas nas luzes vermelha e azul, de Merlin e Morgana. O céu completamente límpido era como se a própria noite tivesse aberto caminho após as chuvas de ontem.
— É incrível não acha? — Jessie me perguntou com um olhar melancólico, que se dividia entre os casais e as flores.
— … Eu… Não queria te perder… Era o que eu estava pensando aquela hora…
— … — ela permaneceu em silêncio, com uma expressão levemente surpresa e ruborizada.
— … Sei que… faz pouco tempo que nos conhecemos… mas esse tempo que estivemos juntos… parecem os únicos em que eu estive genuinamente feliz — Tagarelei sem pensar duas vezes.
Com os cidadãos em silêncio, aproveitando o espetáculo, o som do vento soprando, frio numa noite quente, foi a única coisa que ouvi por mais de um minuto, que pareceu durar mais de uma hora, enquanto eu desviava o olhar freneticamente.
— … Ahem… É melhor… irmos andando… já deve ter dado tempo de todo se reunirem — ela afirmou, se levantando em um salto e deixando seus longos cabelos vermelhos voarem com o vento.
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Com a reunião dos cavaleiros com o príncipe, terminada, ficou decidido que a morte do rei e o sequestro da princesa, só seriam revelados no começo da terceira noite do festival. Para que o segredo fosse mantido, todos la presentes, estavam agora proibidos de deixar as muralhas do castelo até o momento da cerimônia.
— Jessie, você viu a vice capitã? — Ronan sussurrou no meu ouvido, em meio a discussão criada pelos soldados.
— Na verdade, não, até pensei que ela ainda estaria ao lado de vossa alteza.
— Sir Ronan, Dame Jessie, esperem, precisamos conversar — o príncipe ordenou.
Enquanto todos deixavam o grande salão, tudo que nós dois pudemos fazer foi, permanecer em silêncio, a mercê de sua alteza, agora órfão e com uma irmâ sequestrada, tudo por culpa de nossa incompetência. Em silêncio ele ficou, com uma expressão apática, em sua nova vestimenta, limpa e muito mais suntuosa que as de costume, transmitindo imponência no lugar de seu rosto, até que o último cavaleiro saísse, e ele mesmo fechasse as velhas porta do salão.
— Muito bem! — ele começou, batendo as palmas — creio estarem se perguntando onde a vice capitã estava, não é mesmo?
— Si… Sim, senhor — respondi com a cabeça abaixada, em reverência.
— Assim que alguns dos cavaleiros se juntaram, eu ordenei que saíssem em busca de minha irmã…
— Cer… Certo iremos atrás deles imediatamente e…
— Não é necessário… Na verdade, tenho outros planos para vocês — Ele disse enquanto caminhava de um lado para o outro.
Enquanto ele andava o som de seu longo manto branco se arrastando pelo chão de pedra, foi a única coisa que ouvimos por mais de 10 segundo, com ele lançando olhares inquisitivos em nós dois. A ideia de que acabaríamos na forca, para servirmos de exemplo, parecia permear a mente de Ronan também.
— Vocês dois estarão de licença pelas próximas duas semanas a partir de agora — o príncipe informou, inexpressivo.
— O… Oque!? — Ronan gritou, perdendo a compostura.
— Isso foi um pedido de sua vice capitã, mas também posso ver claramente que tiveram uma batalha difícil — vossa alteza respondeu, apontando para o buraco em minha armadura — também estão livres para deixar as cercanias do castelo.
E com mais uma estranha decisão, principalmente para alguém da realeza, o príncipe nos deixou, com um estranho sorriso controlado, no rosto. Surpresos, um pouco alegres e meio indignados, fomos nos trocar e guarda os equipamentos da ordem para podermos deixar a muralha interna.
*******
Novamente na praça central, nos sentamos a beira da fonte, em silêncio, já faziam algumas horas, mas as pessoas ainda comemoravam fervorosas, os céus estavam mais uma vez limpos enquanto o chão agora parecia ter um caminho de pétalas. Jessie, vestindo uma simples camisa branca com uma calça beje, parecia incomodada, talvez, assim como eu, ela ainda quisesse ir atrás dos bandidos.
— Ei, Jessie, você…
— Ronan, quer ir beber? Conheço uma taverna ótima — ela me interrompeu, após sacudir a cabeça.
— … Claro! — gritei com um sorriso bobo na cara.
Cruzamos mais da metade da cidade, até quase chegarmos na saída da muralha externa, onde encontraríamos um largo prédio de dois andares, construído com pedras e madeira escura, com sua fundação elaborada em uma ladeira, essa era a melhor taverna e hospedaria de toda a capital, a Roda de Prata.
— Ha ha … — eu ri incrédulo, diante da coincidência.
— Venha, vamos logo, estou morrendo de fome — ela disse, me puxando pela porta.
— Ara, sejam bem vindos… Ah, Ronan? Finalmente foi dispensado da ordem?
— Você quase esteve certa Aria — respondi com um sorriso alegre.
— Já lhe trago o de sempre, e a sua amiga, o que ela ira pedir?
Parecendo um pouco surpresa, Jessie demorou um momento para responder — Quero uma caneca de vinho e lebre trufada.
Com Aria, dona e garçonete do lugar, se virando, em seu vestido prateado, para a cozinha, Jessie e eu, nos sentamos no balcão, ignorando os outros clientes, que seguiam animados em suas próprias conversas. Uma lareira e muita gente boa, esse era o "Roda de Prata", um lugar muito confortável.
— Então você já conhecia esse lugar hein?
— Ha ha, eu meio que moro aqui, quando não estamos de ronda.
— Aqui estão as canecas, a lebre ficará pronta num minuto — Aria afirmou sorridente.
Tomei uma boa golada de minha caneca e perguntei — mas então, o que estava te incomodando lá na fonte?
— … Não sei ao certo — ela respondeu, parando para beber — o príncipe, ele parece… ou é… meio estranho.
Ambos olhamos em volta, como se checássemos que não tinha ninguém escutando e bebemos mais um gole.
— Teve também aqueles quatro que prendemos, eles não pareciam estar juntos do cara que enfrentamos,
— Aqui está sua lebre trufada… Eh?
— Jessie.
— Certo, e deixem me encher suas canecas de novo — Aria falou enquanto catava uma garrafa de baixo do balcão — vou deixar a garrafa, aproveitem. " Esfrie, ó vinho, freose".
Emitindo um ar selvagem de aventureira, com seu cabelo solto e bagunçado, minha companheira atacou a carne de caça enquanto aproveitava o vinho recém-gelado.
— Você e a… Aria? Parecem se dar bem — Jessie me perguntou, ao notar que eu a encarava.
— Somo só amigos, mas ela me ajudou muito quando me mudei para cá. — respondi, ainda a observando
— …
Um pequeno silêncio se instaurou entre nós, apenas o bastante para ambos tomarmos mais um gole e nossos rostos começarem a ficar quentes pela bebida.
— Como você acha que vai à missão da vice?
— Ha ha ha, parece que você só consegue pensar em trabalho hein.
— Algum problema? — ela perguntou, um pouco irritada.
— Não, não, claro que não — respondi, tentando acalma-la — mas você dever gostar de ser guarda no castelo né? E você também ta sempre se esforçando e treinando, quero dizer pelo que pude observar nas últimas duas semanas.
— Haaa — ela suspirou — se não fosse por alguns cretinos e aproveitadores, mas, porque eu to te contando isso?
— Com a maioria do pessoal da ordem te interrompendo, você nunca deve ter percebido, mas você fala bastante sabia? Principalmente em nossas rondas — respondi rindo.
Ela parecia meio envergonhada, com nossos olhos se encontrando e ela tateando a mesa em busca da garrafa de vinho que já estava na metade. Seguimos conversando por mais algumas horas, bebendo e comendo, ela me contou de um cristal que carregava consigo o tempo inteiro, um presente de seu pai anão, da época que ainda trabalhava em minas. Eu a contei um pouco de como eu era um filho inútil e decepcionante que acabou deixando o lar para tentar viver. A cada palavra, e cada gole, nossas mão e nossos lábios se aproximavam mais, já devíamos estar bêbados a umas boas horas quando ficamos sem assunto e sem vinho, e finalmente com uma das mãos dadas, sobre o balcão, nos beijamos até esquecer tudo a nossa volta. A meia-anã, ruiva de corpo esbelto, foi quem tomou a iniciativa, embora parecesse meio inexperiente e mesmo assim essa mulher, oito anos, mais velha, parecia me hipnotizar com a sua saliva doce com uva.
— Uhuuuul!
— Ae sim!
— Finalmente!
Gritavam os outros clientes na taverna, quando por fim voltamos a perceber o ambiente ao nosso redor, outro casal até mesmo estouro uma garrafa em nossa homenagem, parece que em algum momento na nossa conversa, nós viramos a atração do lugar, o que também mais uma vez me provava o quão bom era o ambiente da "Roda de Prata", em vários lugares do reino humano de Celtia, outras raças não só eram minoria, como também eram mal vista.
— Ei vocês dois — disse Aria, atirando uma chave em minha direção — subam logo, antes que se esqueçam de nos de novo, hahaha.
Jessie totalmente envergonhada pulou para pegar a chave ainda no ar e me puxou escada acima o mais rápido que podia, enquanto os outros no bar riam em comemoração. O restante dessa tenra noite de outono se passou como um caloroso sonho, com Jessie e eu vencendo a timidez e nos unindo a luz das luas que brilhava pela janela daquele modesto quarto.
********
Algumas horas já haviam se passado, quando acordei abraçada por Ronan, um fino lençol nos protegia da fria brisa que vinha da única janela do quarto, as luas ainda brilhavam enquanto algumas nuvens começavam a se aproximar.
" Nunca imaginei que minha primeira vez seria em uma taverna… aos 34 anos", pensei enquanto me sentia alegre e confusa, ao me levantar para ir ao banheiro.
Voltando para a cama, onde meu parceiro parecia dormir profundamente, notei o som de passos leves apressados, vindo na direção de nosso quarto. Sem pensar muito, algo me dizia para estar pronta para uma batalha, saltei em minhas coisas, mas sem os equipamentos do castelo, o melhor que eu tinha disponível era uma faca e o cristal, dado pelo meu pai, que eu mantinha como amuleto, um tipo de minério prateado, semi transparente, que às vezes parecia emitir uma fraca luz, como nesse momento.
O som de três batidas leves, precedeu um chamado quase sussurrado — ei pombinhos, o tempo para descanso acabou, vocês têm que sair da cidade logo.
Era a voz da garçonete de antes, parecia preocupada, e assim que ouvi o som da chave na fechadura, eu ainda nua, deixei minha postura de ataque e acordei Ronan, puxando o lençol dele com força, e o acordando, bem a tempo de me enrolar antes dela entrar.
— Aria? O que faz aqui?
— Sem tempo para explicações garoto, sombras estão se preparando para invadir a pousada, vocês precisam sair logo.
Como se a palavra despertasse algo em Ronan, o tirando de seu estado meio sonolento, ele se ergueu com um olhar serio e olhou para mim, tentando confirmar minha presença.
— Ótimo, já parecem estar bem acordados, então se vistam rápido e vou leva-los a uma saída secreta.
— Ronan, o que está acontecendo, nunca te vi serio assim, nem no trabalho. Podemos confiar nela? — perguntei já de camisa, sussurrando.
— Não se preocupe, ela não é do tipo de trair quem ajuda. Mas quanto a situação, se estiverem atrás de nós, significa que alguém no castelo estava aprontando algumas coisas e nós pisamos bem em uma delas.
Vestidos, mas praticamente desprotegidos e desarmados, saímos da "Roda de Prata" guiados por Aria, no que deveria ser um beco sem saída, nas costas do prédio, com sua entrada dando em uma das praças menores da capital. Já era tarde o bastante para a maioria das pessoas do festival terem voltado para casa, com exceção de alguns poucos bêbados desmaiados pelas ruas, a única iluminação restante, vinha das luas, que em um momento de sorte, acabavam de ser cobertas por algumas nuvens leves, porém longas.
— Assim que deixarem a cidade, vão em direção a vila dos lobos, conseguirão alguns recursos lá, depois disso será com vocês — ela sussurrou, olhando em volta.
— Espere… — tentei dizer, mas ela desapareceu logo em seguida.
— Se chegarmos ao meio da praça, podemos usar o aqueduto embaixo, para atravessarmos a muralha sem sermos notados e…
— Espere um pouco — gritei em voz baixa — por que precisamos deixar a cidade? Se estamos em perigo, por que não vamos ao castelo, nos armamos e pedimos ajuda aos outros?
— Ouça Jessie, se o que Aria disse for verdade, e as sombras estiverem atrás de nós, a guarda real não ira nos ajudar, e sem armas, nossa única esperança é deixar a capital o quanto antes.
E como para confirmar, vultos começaram a surgir de outros becos, cercando a praça, tornando praticamente impossível nossa fuga pelo aqueduto. Cobertos em escuridão aquelas "pessoas" andavam sem emitir um único som e se comunicavam por sinais, divididos em trios, nove ao todo, eles iam checando cada beco, dois no chão e um, no telhado. O cerco a nossa volta ia se fechando cada vez mais, e eu ainda não entendia metade da situação, embora a ideia de que fosse obra do príncipe ou de Merida, saltasse em minha mente.
" Mas por que isso não seria coisa dos sequestradores da princesa? " pensei enquanto segurava firmemente uma faca.
Faltavam só mais três lugares para eles olharem, e eu já me preparava para lutar uma batalha perdida, quando Ronan segurou meu braço enquanto terminava de recitar uma magia, sem tirar sua outra mão do chão.
— … Wyrttruma springen.
Junto de um leve tremor, a uns 300 metros de distância, uma explosão que levantou uma torre de água, atraiu nossos inimigos para longe de onde estávamos, abrindo caminho para podermos escapar pelo meio da praça, sem sermos notados.
— Vamos, quando estivermos no aqueduto eu te explico melhor as coisas — Ronan falou enquanto me puxava segurando minha mão.
A grade no chão foi fácil de remover, como se já tivesse sido preparada para essa situação, talvez algo que Aria tenha preparado, mas como ela podia saber disso tudo. Com metade do corpo mergulhado em água fria seguimos lentamente até os limites da cidade.
— Pode me explicar o que tá acontecendo agora?
— Infelizmente, não tanto quanto eu ou você, gostaríamos — ele respondeu melancólico — … as sombras… são um grupo de assassinos especiais sob ordem direta da coroa, normalmente apenas o rei pode comanda-los.
— Então quando Aria os mencionou, você assumiu que o príncipe resolveu nos matar, por isso a ordem não nos ajudaria… Mas como você sabe sobre…
— … Ou o príncipe planeja nos silenciar por algum motivo, ou eu te arrastei para uma muito problemática situação de família…
Continuamos a discutir por mais um tempo, sobre o que faríamos até que finalmente chegamos ao lado de fora da muralha, as planícies de grama prata a frente e os morros verdejantes no horizonte, eram algo inédito para mim, que nunca nem mesmo pusera os pés no muro externo. Só restava descer até o lago, do qual a água subia misteriosamente, para abastecer toda a cidade, e então começaríamos uma jornada a qual eu não fazia ideia do destino final. Mas por enquanto a primeira parada seria a vila dos lobos, Vilarejo Wulf.