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inHumane

🇧🇷Vanlee
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Synopsis
Vitor, um cuidador de animais e cirurgião veterinário, que por toda sua vida amou mais a serenidade e simplicidade dos animais se comparado as pessoas, morreu tragicamente protegendo aqueles que mais amava. Acorda num corpo pouco familiar na borda mais externa possível de uma floresta localizada sabe se lá Deus onde. Onde ele está? porquê ele está lá? E o que ele vai fazer lá? Quantas perguntas mais ele precisará responder?
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Chapter 1 - O fim

"TEEMO FILHO DA PUTA." grito a plenos pulmões, partindo meu teclado em dois ao batê-lo contra a mesa.

"Esse é o seu castigo por pegar Vayne top." responde meu amigo em um tom sarcástico, do outro lado da chamada.

"Meu castigo? Meu castigo é ter um Yasuo 0/10 no...", antes mesmo de poder terminar minha frase, ouço pela 47° vez nesta partida, 'um aliado foi eliminado'.

Pois é, esse primata que está jogando comigo, não consegue passar mais de 5 minutos sem morrer, só pra tentar fazer play com essa desgraça de personagem.

"PELO AMOR DE DEUS", Fábio berra, morrendo para mesma Lux pela 11° vez em 45 minutos de partida.

Tento segurar com todas as forças a risada que está presa em minha garganta, mas o ataque de raiva que eu presenciava naquele momento era mais engraçado do que quaisquer piadas que eu tivesse escutado em toda minha vida. No fim, acabo não conseguindo me segurar e sigo seu acesso raivoso com uma risada de mesma intensidade, que mais se parecia com um grasnado.

"HA HA HA, você pode rir de mim, mas essa sua Vayne 4/12 também não tá muito legal não." disse ele, tentando não seguir meu exemplo com o próprio teclado.

Com a mão na barriga devido a dor causada pela minha risada histérica, nem mesmo conseguindo responder ao seu insulto, eu tento me acalmar e reorganizar minha respiração.

Alguns segundos depois, com apenas alguns risos de canto de boca, decido tomar um pouco da água na garrafa que estava em cima da minha mesa para conseguir me acalmar completamente.

Bebendo a água com cuidado para não me engasgar ao lembrar da cena anterior, escuto gorgolejos pelo headset. Curioso sobre o que estava acontecendo, decido perguntá-lo, recebendo como resposta apenas um "Pfft", seguido de um berro em seu microfone, que com toda certeza foi mais estridente do que minha gargalhada anterior. Se alguém me dissesse que ele era uma maritaca baleada, eu acreditaria sem sombra de dúvidas.

Ao que parece minha risada era contagiosa.

Tentando com todas as forças não cuspir a água que tinha na boca, enquanto resistia a inacreditável vontade de rir. Era quase sobrenatural que até este momento minha mesa não estar encharcada.

Encontrando um segundo de calma em minha mente, tento mais uma vez engolir a água. Essa foi minha pior idéia, pois neste mesmo momento, barulhos que mais pareciam uma chaleira fervendo eram produzidos pela casquinada daquele imbecil. Perdendo completamente a compostura devido a risada involuntária, cuspo toda a água sobre minha mesa e computador.

Presos por quase 5 minutos em um loop quase interminável, que consistia de: rir incontrolovalmente, ficar sem ar devido aos risos incessantes, produzir barulhos indecifráveis ao tentar dizer algo e repetir tudo isso. Rindo daquela maneira, nós parecíamos duas hienas lombradas.

Após finalmente estar mais calmo, não consegui deixar de ter essa sensação estranha, meu quarto parece mais escuro que o normal, mesmo eu estando acostumado a jogar com as luzes sempre desligadas. Acho que meus olhos marejados devem estar contribuindo com esse breu. Minha respiração também está meio curta. Bom, isso não é anormal após uma sequência tão intensa de risos.

Voltando a atenção em toda a bagunça que eu causei na minha mesa, decido buscar um pano para poder secar meu computador antes que algo de ruim acontecesse.

Antes mesmo de poder me levantar sou interrompido pela pergunta de Fábio, "Vitor, c vai dormir agora?" Pude entender o porque da pergunta, já eram 23:55 de um domingo e eu preciso acordar às 7 da manhã para poder ir trabalhar.

Não pude deixar de também ficar confuso com a pergunta, já que meu teclado estava espatifado aos pedaços no chão (F teclado), então nós não poderíamos continuar jogando.

"Vou sim. Mas antes disso, preciso limpar a bagunça que eu fiz aqui." respondi, colocando meus fones em algum lugar da mesa que não tivesse latas de refrigerante ou pacotes de salgadinho.

Ao me levantar da cadeira, antes mesmo de sequer da um passo, sinto minha visão ficar borrada e escurecer. Apoiando-me na cabeceira da cama a minha direita, evitando minha queda. Sentido minhas pernas perderem as forças, rapidamente me sento na cama. Passar todo esse tempo sentado apenas jogando sem levantar nem mesmo uma vez não me fez bem.

Eu não podia deixar de notar com estranheza. Ter uma reação tão extrema agora, talvez eu estivesse muito cansado e não tivesse percebido até chegar a esse ponto. E essa tontura que não passa?

Meu trabalho na clínica veterinária normalmente não me trás problemas, minha chefe é responsável e não sobrecarrega os trabalhadores com funções demais, meus colegas são legais e o trabalho é confortável. Também não descuidei da minha saúde, sempre me alimento direito e faço exercício.

Ficar baianando só por um final de semana não deveria fazer mal, esse é o meu tão merecido descanso.

Vamo se acalmar.

Acho que eu tô pensando demais, eu só devo tá muito cansado por passar tanto tempo na frente do computador. Será que eu tô com labirintite? Provavelmente não, labirintite é coisa de velho. Peraí... Isso não deve ser um câncer no cérebro nem nada do tipo não né? né?

Deixando isso de lado, eu preciso logo pegar algo para limpar essa bagunça, e aproveitar para tomar alguma coisa que melhore essa tontura, porque ela tá me deixando enjoado e eu estou ficando com dor de cabeça.

Me levantando com firmeza para não cair, seguindo até a porta, me guiando pela escuridão do quarto com apenas a luz gerada pelo computador, desviando de toda a desorganização presente naquele espaço e evitando quaisquer possíveis objetos pontudos, sejam eles garfos sujos, embalagens das peças do Pc que tinha montado a poucos dias ou qualquer outra coisa que pudesse encontrar pelo chão.

Seguir esses curtos 1,7m da cama até a porta parece ter demorado mais do que o normal.

Ao abrir a porta, sou recebido por uma forte onda de calor, seguido por uma fumaça que preenche meus pulmões.

"Cof cof... Que que tá acontecendo aq..?" Sem entender o que acontecia alí, sou surpreendido pelo que vi. A cena em frente os meus olhos me deixou em choque por alguns segundos. Minha sala de estar estava pegando fogo. Essa visão fez meu corpo estremecer e o sangue fugir da minha cabeça.

Aquilo que eu havia conquistado após tanto trabalhado duro estava se tornado cinzas na minha frente, sem que eu ao menos pudesse fazer algo para remediar a situação.

Minha televisão de 50 polegadas derretia sobre o rack estante preto fosco também em chamas. O PlayStation 5, que eu ainda não havia terminado de pagar, estava com seus componentes internos expostos devido ao calor extremo.

Mas de toda essa cena, o que mais me partiu o coração, foi ver o PlayStation 2 que havia recebido de presente de aniversário do meu avô em meu aniversário de 10 anos, antes de sua morte. O videogame estava irreconhecível. Era impossível recuperar qualquer coisa dele.

Agora não era hora de pensar nesse tipo de coisa, o mais importante é sair daqui. Mas... Por algum tipo de ironia, o sofá azul-petróleo que fica em frente a televisão não estava queimando, mesmo que o carpete da sala estivesse.

Enquanto perdido em meus pensamentos, ouço um som vindo do quarto de visitas que fica ao lado do meu. Indo até lá verificar, noto meu cachorro, pitú, tremendo e ganindo baixinho por medo das chamas, enquanto acuado no canto da parede.

"Pitú", chamo ele.

Seguindo o som da minha voz, ele virasse em direção a mim a uma velocidade assustadora, seus olhos cheios de lágrimas. Com os olhos lacrimejantes, Pitú corre do canto do quarto e vem em minha direção, pulando em meus braços. Por não ter a perna esquerda dianteira sua corrida era um tanto desengonçada, o que combinado com a tremulidade de suas patas, fazia com que ele escorregasse no piso liso do quarto.

Vê-lo correr desse jeito me lembrou o dia em que o adotei.

Pitú era um cachorro caramelo de rua que foi acolhido pela clínica veterinária, que também funciona como pet shop, 4 anos antes da minha contratação. Lá ele foi bem tratado, recebeu todos os cuidados veterinários, banho, tosa e carinho dos funcionários. Ele estava pronto para ser adotado, mas ninguém o fez.

Um dia pude perceber que a inquietação dos meus colegas era aparente, curioso sobre o porque daquilo, perguntei a um deles o por que deles estarem agindo daquela maneira. Ele me explicou que a clínica tinha um prazo de 6 anos de tempo de adoção para cada animal, e se eles não fossem adotados naquele espaço de tempo, eles seriam transferidos para uma espécie de "asilo de animais", onde eles poderiam esperar alguém adotá-los. No começo não vi problema nisso mas só até o momento dele dizer que os animais que iam para lá NUNCA eram adotados, e por isso acabavam sendo sacrificados após alguns meses de estádia.

O motivo deles não serem acolhidos por ninguém, era que as pessoas nunca querem animais mais velhos ou que possuísse alguma deficiência, que era o caso do pitú, já que ele não possuía uma das pernas. Após saber disso, um misto de raiva, nojo e tristeza tomou conta de mim. Não gostarem de você só por não ser "completo" como os demais.

Sem pensar duas vezes, fui o mais rápido que consegui até a sala da minha chefe e entrei com o processo de adoção naquele dia mesmo. Talvez eu tenha se impulsivo e agido por emoção naquele momento, mas não pude deixar de me projetar nele, já que também fui abandonado pelos meus pais, porque nasci sem a perna esquerda, isso me fez ter que usar uma prótese - que tem um preço alto - pelo resto da vida.

Diferente dele, eu tive a sorte de ser adotado pelos meus avós que repudiavam a ação dos meus pais e me acolheram de braços abertos.

Naquele dia, momentos antes que eu assinasse os papéis de adoção do Pitú, pude perceber o quão parecidos nós dois éramos. Ambos nascemos 'defeituosos', éramos vira-latas abandonados no mundo e precisamos de alguém para cuidar de nós. Então esse era o momento de retribuir toda a gentileza que meus avós me deram e fazer o mesmo por outro 'serumaninho' que precisava.

Desde aquele dia, eu adotei outros três animais de estimação que não puderam encontrar uma família.

Bixano : um gato laranja, tem 9 anos de idade. Vive comigo a 1 ano. É cego do olho direito, teve a orelha direita cortada e 70% da cauda foi removida cirurgicamente após ter sido intencionalmente incendiado. Não possui pelo em algumas regiões do corpo, decorrente das queimaduras. Como se não fosse suficiente, essas feridas foram causadas pelo antigo dono dele. Por sofrer tantos maus-tratos isso o tornou arisco, mesmo com aqueles que tentavam o ajudar.

Quem no mundo tortura outro ser vivo por puro entretenimento? É de uma crueldade inacreditável fazer isso. E a cereja do bolo é: o miserável que fez isso com o pobre gatinho não sofreu nenhum tipo de consequência ou represália por ter feito isso e pôde continuar vivendo livre por aí.

...Não é como se eu pudesse esperar alguma coisa da justiça desse país fudido...

Levou tempo e muito trabalho duro recuperar a confiança perdida do bixano, mas pouco a pouco ele voltou a brincar e ser ativo como todo gato. Hoje ele é um baiano que só come ração cara e só dorme quando faço cafuné nele. Mas é bom ver que ele se recuperou dos problemas do passado.

Zeca: um papagaio comum, tem 22 anos de idade, coincidentemente, a mesma idade que a minha. Vive comigo a 1 ano e 7 meses. Nasceu com um problema nas asas que o impede de voar adequadamente. Foi deixado na clínica após sua antiga dona, uma senhora idosa, morrer de velhice. Ao que parece, a família não suportava ver o Zeca chamar pela senhora todos os dias após a morte dela. Era doloroso para eles ver algo daquele tipo.

Nunca o adotaram por ele já ter pertencido a outra família e por achá-lo uma ave velha. Mal sabem eles que papagaios podem viver até os 75 anos se forem bem tratados. Desde que o adotei ele não chamou o nome de sua antiga dona, acho que ele percebeu ao longos dos 6 anos que passou na clínica, ela não voltaria nunca mais.

Normalmente vive solto pela casa

Grammy: um peixe Oscar, tem 6 anos e meio. Vive comigo a 6 meses. Não vou mentir, ele não foi adotado por ser meio feinho mesmo. Mas tirando isso, ele é bem...? peixoso?

Fica em seu aquário espaçoso na bancada da cozinha, tive que deixá-lo lá pois era o único lugar da casa que tinha espaço suficiente pro aquário (medidas do aquário: 1,5 metros de comprimento, 50 centímetros de altura e 40 centímetros de largura). O preço do aquário foi salgado, quase vendo a outra perna pra poder pagar.

(Ordem de adoção: Pitú, Bixano, Zeca e Grammy).

Está claro o que tenho que fazer agora, eu preciso levar todos lá pra fora em segurança.

Com Pitú no colo, uso meu braço direito para segurá-lo e manter o braço esquerdo livre. Indo até a cozinha, que fica a longínquos 12 passos da onde eu estava, noto as chamas se espalharem principalmente pelas estruturas de madeiras que sustentam o telhado e pelos fios elétricos.

Tch... Será que foi um incêndio elétrico? Provavelmente não, se fosse isso a eletricidade da casa deveria ter acabado, ou talvez não, nunca fiz SENAI pra saber disso.

"Cof cof cof... Cof cof"

Essa desgraça de fumaça que não me deixa respirar direito. Se eu não sair logo, eu vou sufocar antes de tirá-los daqui.

Chegando na cozinha pude ver as reais proporções da situação. O fogo havia se espalhado por quase toda a cozinha, não que a cozinha fosse muito grande, mas ainda sim era meio amedrontador ver isso. O armário onde ficava a comida, não dispunha mais de sua cor metálica brilhante, agora era opaco e com diversos borrões, por causa do calor intenso.

Nem preciso dizer que os eletrodomésticos plugados na tomada foram de Americanas. Comprar tudo de novo vai ser caro demais.

Ter que voltar a viver de miojo com salsicha e suco Tang vai ser uma maravilha (–_–).

"Blub..."

"Aah!" voltando o olhar a causa da minha parada cardíaca momentânea, encaro o filtro de água, pegando a chave da porta que deixei em cima dele. Certo. Agora é só abrir a porta e tirar todos daqui.

A passos apressados vou até a porta. Agora mais calmo, Pitú parece gostar do balanço da minha marcha. Ele parece ter gostado tanto que continuou pulando e se balançando no meu braço, enquanto eu tentava encaixar a chave na fechadura.

"Consegui!" o som da tranca da porta abrindo soou como música para meus ouvidos.

Por minha casa não ser murada, era mais fácil sair rapidamente dela.

Sem perder tempo, vou até o outro lado da rua e deixo o animado Pitú lá. "Fica aí." ordeno, apontando o dedo para ele. Não sei se ele entendeu, já que não consigo entender a cara de pateta que ele tinha.

Olhando ao redor, noto que a rua está deserta, ouvindo ao longe algum tipo de música tocando. "Puts... Tá tendo festa de São João." bato com a mão na testa, compreendendo o motivo de ninguém ter ligado para os bombeiros. Não tinha ninguém para ligar. A maioria deles estava na festa que a cidade estava fazendo ou estavam dormindo.

Sem prestar atenção em mais nada ao meu redor, me volto a casa em chamas, reafirmando minha determinação.

Corro o mais rápido que a prótese permite, adentrando novamente o fogaréu. Por minha casa ser pequena, o incêndio está se espalhando mais rápido do que eu pensava. Mesmo assim, eu sei para onde ir. Grammy sempre está no aquário, então é fácil localizá-lo. Também tenho uma idéia de onde o Zeca possa estar. O maior problema agora é encontrar o Bixano.

Contornando a mesa de jantar, agarro o pote de sorvete vazio que estava secando no escorredor em cima da pia. Vou pegar o Grammy com ele e levá-lo lá pra fora, aonde o... "Au!" Antes mesmo de chegar até o aquário, sou interrompido por um latido familiar. Minha preces obviamente não foram atendidas e esse cachorro abestalhado me seguiu até aqui novamente.

"Vá lá pra fora agora!" levanto a voz, tentando assustá-lo. Abaixando as orelhas, ele dá meia volta, dirigindo-se a entrada. Acho que essa reação é esperada, já que essa foi uma das raríssimas vezes em que gritei com ele. Agora sem intromissões, faço meu caminho até o aquário e mergulho o pote na água, recolhendo calmamente o Grammy.

"Biscoito, biscoito." uma voz grasnada, vindo de trás da porta do banheiro, comprovou meu pensamento anterior. Como eu havia imaginado, Zeca está no banheiro. Não sei o porquê dele gostar tanto de ficar no banheiro, mas isso facilita meu trabalho. Sempre tive minhas reclamações a cerca do tamanho da casa. Mas seu tamanho veio bem a calhar nessa situação.

Abrindo a porta entreaberta, uma pequena ave com penas verdes e bico amarelo, sai por ela. Sem hesitação, agarro-o com minha mão livre. "Ei!" ele grasna, bicando as costas da minha mão.

"Pare com isso antes que eu te jogue no fogo e você vire frango à passarinho." Gorjiei às suas bicadas. Pelo amor de Deus, essa fumaça deve estar me deixando maluco, achando que um animal vá entender o que eu digo. "Aah..." Ao que parece ele me entendeu, julgando pela sua expressão.

"Certo." Com um peixe em uma mão e um pássaro na outra, saio apressadamente dalí.

Correndo até o outro lado da rua, sinto meu corpo estremecer. Deixando Grammy e Zeca na calçada, subitamente caio de joelhos, sentindo minha visão turva e meu corpo tremer. Os poucos metros que percorri estão pesando em meu corpo quase como se tivesse corrido através de um campo de futebol. O suor escorre cai do meu rosto como um rio e minha respiração está pesada demais. Meu coração parece que vai explodir de tão rápido que está batendo. O cansaço intenso do meu corpo, acompanhado de um calor anormal, suplica ao meu corpo que pare e se deite no cinzento e frio chão sob as palmas das minhas mãos.

Cerrando os dentes, buscando o resquício de força que possa haver em mim, apoio as mãos na parede em frente a mim. "Por favor... Só dessa vez... Eu nunca te pedi nada... Só até que todos eles estejam seguros." uma prece desesperada escorre pelos meus lábios trêmulos.

Cambaleando em direção a pequena casa que meus avós me deram de herança, lugar onde vive toda minha vida até esse dia. Vivenciando parte das minhas memórias, pude ver o vô jogando dominó com os outros velhos da rua e a vovó fumando seu Derby, enquanto assistia novela em sua velha televisão de tubo.

Mesmo em um momento inadequado, eu me senti feliz sabendo que todas as reformas feitas nessa casa não apagaram as histórias vivenciadas nela.

Com o braço esquerdo apoiado no batente da porta, ouvindo o crepitar do fogo nos caibros do telhado, presencio algo inacreditável; Pitú carregando o Bixano pelo pescoço, assim como as mamães gatas fazem com seus filhotes. A cara dele estava repleta de arranhões, feitos pelo Bixano apavorado.

Enquanto ele saía pela porta do meu quarto, pude notar que não o havia visto no lado de fora agora a pouco. Ele me olhava parado com um olhar... inocente, como se dissesse: "Viu? Eu também posso ajudar."

Bixano estava completamente petrificado com tudo aquilo.

"Vem aqui." chamei Pitú, mas sem resposta. Vendo com mais atenção, percebo um grande corte na parte superior de sua pata esquerda anterior. Com seu corpo enfraquecido após inalar tanta fumaça, juntamente a dor de seus machucados, devem estar causando dificuldade para andar.

"Você não se cansa de me causar problemas?" dou um sorriso fraco. "Tá bom. Eu te carrego lá para fora." indo em sua direção e o levantando pela barriga. Puta merda... Que cachorro pesado. A tremedeira nos meus braços se intensificou enquanto o segurava.

"Crack, crack."

Barulhos de algo quebrando espalhavam-se pelo telhado, até que uma telha cai a poucos centímetros de mim. Meu corpo trava, todo o sangue do meu rosto foge, o ar escapa dos meus pulmões. O... O telhado vai desabar.

Respiro profundamente. Com um último impulso, disparo em direção a saída.

Entretanto, como uma piada de mal gosto, minha prótese, que suportou todo o esforço anterior, decide me deixar na mão nesse momento. Enquanto ia ao encontro do chão e da minha provável morte certa, apoio firmemente a caixa torácica do Pitú com a mão esquerda, seguido por forte impulso na base da sua calda.

Lançados para frente, em uma trajetória clara.

"Craaaak"

"BAAAAM"

*Tela preta*