Chapter 13 - 9 - A Bruxa Mãe

Na última noite, começou a se sentir aliviada de que sua alergia havia passado.

Quando acordou podendo respirar melhor, ela viu a figura de uma mulher que não conhecia.

A mulher que Amanda identificou como uma salvadora, parecia ter uns trinta anos. Era jovem, com aspectos delgado e de busto farto, um corpo bonito. Por outra parte, caminhava tranquilamente ao redor de Amanda, sempre cantarolando para demonstrar que era inofensiva.

Era uma humana. Desde que caiu naquele mundo, Amanda pensou que estivesse em Marte, já que viu um ou duas pessoas normais. Sentiu-se aliviada.

Cuidou dos ferimentos dela, naquela manhã e nas outras que seguiram, também oferecia conforto embora não tiveram muitas conversas.

Amanda não conseguiu sair da cama. Tanto pela dor das feridas e dos traumas adquiridos naquela floresta, quanto pelo coração enegrecido pela ideia de que jamais poderia voltar para casa. Ou dormia, ou queimava de febre.

Antes de resolver abandonar sua vida do passado para não cair em um poço sem fundo, Amanda se mexeu na cama recordando-se da figura de Rafael, o homem que jamais iria conhecer outra vez. Eles se encontrariam pela primeira vez no dia em que foi parar naquele inferno.

Sonhou acordada com as bodas de um casamento; e também com a lua-de-mel: os dois se amarariam após algumas conversas, vinho, queijos, frutas e muito amor. Rafael seria carinhoso, amoroso, terno e muito romântico?

Mas assim que abriu os olhos, pensou que um homem carinhoso, amoroso e terno era tudo que qualquer mulher saudável e tradicional desejava. Não o conhecia, mas não deixaria de desejar o que poderia ter sido a sua vida com aquele rapaz.

Também, por essa expectativa frustrada, não desistiria de tentar encontrar um meio de voltar para casa.

Ela suspirou, sentando-se na borda da cama. Amanda passou a mão na nuca, sentindo a textura horrível de seus cabelos. Tomou banho dos córregos que encontrou, mas não se lembrava de ter tomando um banho real. Seu estômago também reclamou que não comia nada além das papinhas que a mulher que a salvou oferecia.

Esforçando-se, percebeu que os ferimentos em seus pés não doíam tanto quanto antes. Pôde se erguer, apesar de que, por ficar muitos dias de cama, sentiu as costas travarem um pouco. Se escorou em uma cadeira que estava por perto, esforçando-se para ficar de pé e pronta para fugir — se necessário.

Amanda rodou o olhar na cabana, percebendo que era um lugar pequeno. Lembrava-lhe de um conto de fadas, embora um pouco sombrio.

O chão era de madeira limpa e encerada, enfeitado por lindos tapetes com artes que lembravam egípcia. Seguindo por um arco, Amanda viu uma grande lareira acesa com um fogão muito antigo. Ela sentiu um cheiro diferente vindo de lá misturado ao perfume de biscoito assando.

Sem querer, enxergou a figura da dona da cabana através das janelas. Era dia, talvez manhã, a mulher se levantava em seguida estar abaixada sobre um canteiro de horta. Ela cantarolava, Amanda conseguia escutá-la pela porta aberta.

A garota resolveu ir até lá. Precisava também de um pouco de ar fresco. Embora, caminhar até a porta foi um pouco tortuoso. Teve as duas pernas feridas, apesar de não doer tanto, alguns movimentos bruscos incomodavam.

Bateu no batente da porta, escorando-se para não cair. O movimento chamou a atenção da mulher, que correu os olhos com pasmo até a moça.

— Oh, garota! — ela exclamou com uma voz doce, apesar do susto. — Está de pé!

Ela se esticou de onde estava, para ajudar Amanda sentar em uma cadeira que ficava no seu quintal.

— Vem, ainda não está recuperada — falou brandamente.

Amanda assentiu, olhando à volta. O quintal, se pudesse assim chamar, era como um bosque encantado de um conto de fadas. Um jardim lindo com grama verde-esmeralda, flores explodindo coloridas por todos os lados... orbes de luzes que se recusava a crer que eram... fadas.

Girou o rosto para o lado, percebeu que a própria cabana não era normal. Era... uma enorme árvore. Cheia de lamparina redondas que brilhavam amareladas, como frutos que cintilavam feito estrelas.

— Onde estou agora? — Amanda questionou, enrugando a testa.

— Bem, essa é minha casa — a mulher sorriu, passando a mão em seus cabelos desgrenhados. — É um lugar bonito, não acha?

Inclinando a cabeça, Amanda achou verdade.

— Não é encantado, se é o que está pensando — riu a mulher. — Isso tudo é tecnologia. Um pouco biológica, um pouco computacional. Antes de ser abduzida, trabalhava como botânica. Entendo bastante sobre biohacking [1], então, poderia fazer uma planta brilhar como uma lanterna.

Colocou a mão na cintura.

— Levei alguns anos para deixar esse aspecto encantador — riu. — E isso me dá o título de "bruxa".

— Bruxa...?

— A tecnologia desse planeta é vista como bruxaria — a mulher colocou a mão com um sorriso travesso — Na verdade, com a ascensão de nossa governante atual, a ignorância se tornou um mal banal.

Amanda olhou ao redor novamente. Passou a mão no braço, se perguntando como ela conseguia fazer um fruto brilhar.

— Deve ser confuso um amanhecer em outro planeta, e ouvir que você morreu — a mulher disse, se abaixando novamente para mexer no seu canteiro de plantas. — Não acredite nos Pais Divinos, você não morreu. Sem dúvidas é uma pessoa inteligente, então, com certeza sabe disso. Os religiosos desse país e outros, usam a crença de que quando as pessoas são abduzidas, elas morreram em seu planeta natal, e vieram para este mundo viver uma segunda vida para então alcançarem o Paraíso. Como uma reencarnação ou algo parecido. Isso é mentira.

— Foi o que me explicaram... — Amanda relembrou.

— Dizem isso para todos os novos habitantes de Tammera — bufou a mulher. — Certamente, é apenas uma justificativa para o fato de que abduzem pessoas de outros planetas sem o seu consentimento, assim fazem com que aceitem a vida nesse país sem muitos questionamentos.

Dominada pela emoção e pelo cansaço, Amanda não estava ponderando mais nada. Aceitava qualquer explicação um pouco plausível.

— Pensei que era um sonho, ou um delírio — murmurou, suspirando cansada. — Talvez um mecanismo de defesa, como se estivesse projetando irrealidade para não encarar uma verdade pior.

Os olhos amendoados de cores amarelas curvaram-se, assim que um sorriso caloroso e agradável cobriu a boca da mulher.

— Uma pessoa lógica procuraria uma resposta científica — disse, cortando a haste de uma planta com uma tesoura de poda. — Mas temo dizer, querida, que este mundo é cheio de mistérios que ainda não foram desvendados pela ciência.

Separou um vegetal roxo e formato oval, jogando em um cesto.

— Heka, por exemplo, por mais que tente entender, jamais consegui. E nenhum cientista conseguiu — ela suspirou. — Por isso, é uma energia considerada e usada pelos religiosos desse mundo como uma entidade sensível, dotada de pensamento inteligente. Até mesmo eu acredito que seja algum organismo presente na atmosfera, uma energia inteligente que rege esse planeta com regras que mantém o equilíbrio do que é o bem e o mau.

— Como Deus? — Amanda enrugou a testa.

— Não como Deus — a mulher sacudiu a cabeça. — Algo inferior a Deus, porém, mais poderoso do que nós. Mas os religiosos a usam como uma entidade sagrada para controlar as pessoas.

— Ah, entendo — a garota suspirou. — Eu acho...

Espiou a mulher, notando como sua voz era tranquila. Sentia-se segura como não sentia há dias. Amava estudar um rosto humano que não a assombrava, apenas a aliviava.

— Desculpe-me — ela tentou ser educada. — Obrigada por sua hospitalidade e por me salvar.

A mulher fechou um olho ao fitar para a moça e um raio de sol bater em seu rosto. Em seguida, balançou a cabeça.

— Disponha, menina — respondeu, ainda mais tranquila. — Hum, devo dizer que é um tabu, e ninguém jamais irá perguntar o seu nome. Mas gostaria de ouvi-lo.

Amanda se lembrou do homem-lagarto advertindo sobre não dizer o nome a ninguém. Porém, ela não teve aquela sensação de mandar a mulher ir tomar em qualquer lugar como teve quando ele a perguntou.

— Amanda — falou.

Por um segundo, Amanda pensou que dissera alguma coisa baixo como "então foi esse nome que lhe de...". Mas o olhar dela era tão doce, que por um segundo ela acreditou que estava na segurança de seu lar comum.

— Protegi o lugar, então, é seguro dizer o meu nome — ela falou, enfim. — Eu sou...

Fez uma pausa, como se esperasse um trovão cair do céu, mas permaneceu em silêncio sem dizer o que ia falando.

— Bem, acredito que estou mais acostumada com meu apelido — sorriu, algum tempo depois. — Todos me chamam de Bruxa Mãe.

Amanda arqueou as sobrancelhas.

— Eu não poderia chamar ninguém de "Bruxa" — riu, de leve.

— Então, me chame de "mãe".

Passou os olhos de cima a baixo na aparência da mulher. Ela certamente parecia ter seis ou sete anos há mais que Amanda. Era estranho; mas foi como se o nome combinasse muito bem com ela.

— No entanto — a mãe atropelou a quase negativa da menina —, devo adverti-la que se alguém perguntar o seu nome, jamais o dê. As pessoas neste lugar, geralmente, usam seu nome verdadeiro para acessar sua energia interior com a maldição do nome. Dessa forma, podem te controlar como se você fosse um boneco de vodu.

Ela abaixou-se novamente, cortando outro talo dos vegetais de sua horta.

— E — acrescentou com um tom de assombração — os demônios são energias parasitas que vagam pelo planeta e usam o conceito da maldição do nome para roubar corpos. Não diga seu nome a ninguém que não confia; e o diga apenas quando estiver em um lugar protegido pelo sangue de um animal inocente.

Amanda sabia sobre aquilo, é claro, mas não parecia tão terrível vindo da boca da Bruxa.

— Agora — mãe se levantou com um esforço de sua voz, apanhando um cesto cheio dos vegetais que colhia. — Devo ouvir a sua história. Entendi um pouco, mas ainda não compreendo completamente. A encontrei machucada, ferida, aquecida pela figura de um gato-esfinge velho prestes a se transformar em besta.

Era óbvio que gostaria de fazer perguntas, qualquer um faria em face ao estado em que Amanda fora encontrada. Porém, ao invés de pressionar por respostas, a mãe sorriu um lindo sorriso gentil e paciente.

— Bem, conte-me enquanto tomamos o café da manhã — ela sugeriu. — Está muito magra. Deve ter passado momentos terríveis na Floresta do Abismo. Esse lugar é horrível, muitos não conseguem sobreviver mais do que três dias. Os demônios vagam pela floresta, se disfarçam da figura de pessoas como fantasmas e fingem que desejam ajudar, mas só querem ou roubar seu corpo, ou ver sua agonia. No Abismo, não se deve conversar com fantasmas.

— Isso explica Egbe [2] — Amanda murmurou.

Sem entender, a mãe enrugou a boca.

— Há também as feras — ela acrescentou, olhando com curiosidade para a menina. — Já encontrei incontáveis cadáveres, atacados por bestas-esfinges que metamorfosearam.

Amanda procurou em volta, lembrando-se do gato que viu sentado em uma cadeira ao lado da mãe.

— Ah, e aquele gatinho, onde está? — ela perguntou, tentando se levantar e seguir a mulher.

— É um gato-esfinge, menina, um bichano selvagem, que voltou para a floresta — respondeu, fazendo uma careta. — Essas criaturas são abandonadas na floresta quando suas caldas não foram cortadas quando bebês. As pessoas cortam a calda de esfinges quando são bebês, porque quando ficam velhos, podem se tornar um grande monstro.

A moça enrugou a testa. Aquela criatura a lembrava de seu gato de estimação, Leão. Gostaria de vê-lo mais uma vez, ele a aqueceu quando sentia o frio de uma febre delirante. Além disso, seria uma boa lembrança do mundo que jamais voltaria.

— Bem — sussurrou, se arrastando atrás da mãe. — Vou contar minha história, mas também tenho uma infinidade de perguntas a fazer.

— Tenho certeza que teremos muito tempo para nos questionar — assentiu a mulher, com um sorriso enviesado. — Sei que acabou de me conhecer, mas não sou nenhum perigo, querida. E ficaria feliz em poder te ajudar no tempo que for preciso. Se quiser partir após se recuperar, não vou te impedir. Posso até mesmo te levar a Sarco, poderá se estabelecer na cidade. Não é muito longe daqui.

— Hã — Amanda bufou um risinho. — Parece que não vou poder ir a lugar algum. Além disso, não conheço ninguém e não tenho para aonde ir.

— Perfeito — a mãe soltou um gritinho de exultante excitação. — Ficarei feliz se puder ficar. É um pouco solitário viver nesse bosque sozinha por tantos e tantos anos. Também me encantaria ajudar a você entender o que é e o que pode fazer.

As rugas nos cantos de sua boca se aprofundaram, suas sobrancelhas estavam franzidas e seu rosto estava intrigado.

— Realmente, preciso de uma ajudante — ela assentiu. — Quanto a você, precisará de lugar para viver e trabalhar. Assim são os seus novos amanheceres nas estrelas, querida.

Amanda engoliu em seco, tratando daquele fato como um lembrete sinistro de uma situação ilógica e confusa para ela, mas estava cansada demais para se importar.

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[1] Biohacking poderia significar algo como tentar mexer com a biologia dos organismos biológicos, para torná-lo melhor ou modificá-lo.

[2] Egbe - o personagem foi inspirado em Dom Quixote, só que um fantasma fanfarrão.