De braços cruzados e um olhar entediado sobre os jogos que aconteciam em quadra, Nicolas não conseguia se concentrar totalmente nos seus possíveis adversários.
Algo o incomodava.
E isso o irritava.
Batucando os dedos em seu braço esquerdo, o ômega rosnava com a leve pontada na cabeça que surgia repentinamente. Ignorava tal incômodo, ou melhor tentava, no entanto a imagem de um certo alfa loiro sempre surgia em sua mente.
Estaria ficando maluco?
Tocando os próprios lábios, Nicolas suspirava pesado pela milésima vez. Aquela brincadeira estava indo longe demais. Seus pensamentos foram invadidos por desejos cada vez mais incontroláveis. E no final, tivera de admitir. Estava desejando beijar Milles mais e mais, porque.. Que os céus tivessem bondade por si... Porque ele gostava.
Não conseguira tirar da mente aquela raiva estampada nos olhos castanhos do alfa quando ele o confrontara na quinta de noite. Parecia sofrer com algo que o próprio Nicolas havia causado, mesmo sem saber exatamente o quê poderia ser.
Dissera assumir a responsabilidade, mas o que poderia fazer por ele? Nicolas apenas o beijara porque sentira a necessidade, porque algo dentro dele pedia que se o fizesse aquele olhar desapareceria.
Que a dor de Milles sumiria.
Não tinha tanta certeza agora.
Tendo sua visão embaçada, Nicolas fechava os olhos e os apertavam com as pontas dos dedos. Suspirou pesado quando a dor de cabeça começara a surgir como uma bomba lançada a todo vapor. Retrocedera alguns passos encostando-se na parede, fugindo dos aromas que o cercava. Nenhum deles era o aroma certo para lhe acalmar.
O que estava acontecendo?
O que era aquilo?
Que sensação sufocante...
— Nico! — Theodore aparecera ao seu lado, segurando seus ombros parecendo que seu corpo estava prestes a cair sem que notasse. — O que foi? Aconteceu algo?
As mãos de Nicolas tremiam ao segurar a blusa de Theodore, fechando os punhos.
— Não é nada. Uma dor de cabeça, só isso.
— Está sentindo mais alguma coisa? Devo ir falar com o professor e pedir pra te levar até a enfermaria?
Rapidamente o baixinho negara com a cabeça, escorregando pela parede até se sentar no chão ainda se agarrando ao melhor amigo.
— Não precisa. Logo passa. Estou precisando tirar um cochilo, só isso...
— O teu cheiro — Interrompia Theodore o olhando amedrontado. Nicolas arregalava os olhos tão surpreso quanto ao farejar o ar e sentir o próprio aroma adocicado. — Tá muito forte...
— Os adesivos, Theo. Rápido!
Theodore soltou Nicolas para ir até a sua bolsa onde pegara a caixa de adesivos, escondendo no bolso da blusa. Não tardara em voltar para perto do amigo e puxá-lo pelo braço o deixando em pé. O segurando firmemente, Theodore respirava fundo buscando o banheiro mais próximo quando Gabriel aproximou-se também parecendo preocupado.
— O que foi Theo? Aconteceu alguma coisa?
Olhando para os lados averiguando se alguém poderia ouvi-los, o ômega logo sussurrara ao ficante.
— O cheiro do Nico está voltando, eu vou no banheiro com ele pra colocar os adesivos. Pode me dar cobertura?
— Mas é claro. Eu te ajudo.
E fora assim que Nicolas acabara dentro de uma cabine de banheiro junto de Theodore, sem camisa e com dez adesivos espalhados por seu corpo. Na porta da cabine Gabriel aguardava disfarçando o forte cheiro dos ômegas com o seu próprio, o que certamente arrancava olhares curiosos dos demais jogadores que entravam no banheiro.
— Por que tão de repente? Você estava bem até agora.
— Eu deveria desconfiar que essa paz não duraria muito. Vou pedir pra minha mãe marcar uma consulta pra mim. Devo estar doente.
Theodore engolira em seco e concordara com a cabeça ao terminar de colar o décimo primeiro adesivo nas costas de Nicolas. Seis na frente e cinco atrás, era a visão mais triste para aquele ômega.
— Pronto. Você vai sentir sono já que é uma grande quantidade de adesivos. Acho melhor dormir antes da partida. Posso te acordar uns vinte minutos antes de começarmos e dar uma orientação rápida.
— Tudo bem.
Abrindo a porta da cabine, Nicolas fora até a pia lavar o rosto com água gelada. Sua visão continuava embaçada e sua cabeça doía como um inferno. Balançando a cabeça para os lados, tentava voltar os seus sentidos, não tendo sucesso.
Theodore colocara o boné em sua cabeça e o ajudara com a blusa antes que pegasse friagem. A última coisa que precisavam era que o capitão ficasse febril.
— Você ainda sente o cheiro dele?
— Está um pouco mais fraco, mas ainda é presente — Afirmava Gabriel preocupado. — Cheiro típico de ômega.
— Vou tentar fazer ele dormir para que os supressores tenham um efeito mais rápido.
— Fico contigo, posso acobertar o cheiro dele se precisar.
Theodore segurou a mão de Gabriel lhe dirigindo um sorriso amigável.
— Obrigado, Gabriel.
O alfa inclinou-se para selar a bochecha do ômega e então o ajudara a levar Nicolas para fora do banheiro retornando ao local onde o seu time estaria perto. Ficando no corredor encostado na parede, Theodore zelava o sono de Nicolas com esmero sobre seu colo. Não demorara em o capitão cair no sono, apesar de suar frio e ficar cada vez mais pálido.
Vez em quando Theodore colocava a mão na testa de Nicolas averiguando sua temperatura. Para a sorte, e alívio, sua temperatura não parecia aumentar.
— O que pode ter acontecido? — Questionava pensativo Theodore, olhando para Nicolas já em sono profundo.
— É o Milles. — Admitia Gabriel ao seu lado, em um sussurro para que o capitão não o escutasse. Virando-se para o alfa, Theodore arqueava a sobrancelha. — Eu ouvi o Thunder comentar sobre uma garota ter pedido pra ficar com Milles, e ele aceitou.
— Ele... Ficou com outra pessoa? — Gabriel concordara com a cabeça — Mas... A mordida...
— Tentei alertar e dizer que não seria uma boa ideia. Mas ele não quis saber.
— Se isso for por causa da mordida, eu não tenho muito o que fazer. — Suspirava Theodore acariciando a própria testa em pura preocupação. — Os adesivos não vão dar conta.
Gabriel passara o braço em volta dos ombros de Theodore, depositando um beijo topo de sua cabeça.
— Vai dar tudo certo. Encontraremos uma saída.
Os dois garotos olhavam para o colo de Theodore onde Nicolas dormia pesado encolhido em seu moletom. Por que aquele ômega tinha de passar por aquela situação? Nicolas jamais merecera algo do tipo. Sempre fora honesto e protetor com seus amigos, apesar da boca suja e suas brigas. Mas era um bom garoto.
Por que ele tinha que passar por aquilo?
Theodore se sentia completamente incapaz de ajudar seu melhor amigo. Não havia plano algum para ele ajudar Nicolas a ficar melhor e jogar bem dali algumas horas.
Tudo o que pode fazer foi zelar seu sono até mesmo quando os jogadores foram chamados pelo treinador para se reunirem. Theodore fizera um sinal pedindo para que fossem na frente, pois queria que Nicolas dormisse por mais alguns minutos.
Quando faltara meia hora para a partida começar, Nicolas despertara sozinho.
Zonzo e sonolento, como de costume. O cheiro já havia diminuído graças aos adesivos colados, mas em compensação ele parecia um zumbi.
— Como está se sentindo?
— Uma bosta. — Reclamava rouco, olhando para Theodore em seguida. — Mas consigo jogar.
O loiro mordia os lábios com força enquanto observava o amigo tirar a blusa e a calça para ficar apenas com o uniforme do time que usava por baixo.
Deveria contar a verdade? Nicolas poderia encontrar uma saída também. Ao mesmo tempo, Theodore acreditava ser responsabilidade de Milles em dizer a verdade. Só que agora tudo havia virado uma verdadeira bagunça.
Antes de Nicolas se levantar, Theodore segurou o seu pulso até ter os olhos escuros e sonolentos sobre si.
— Eu preciso te contar uma coisa. E já peço seu perdão por te esconder isso, mas não imaginei que as coisas terminariam assim.
— O que foi, Theo? Não pode esperar o fim da partida?
— Acho melhor você saber agora. — Nicolas relaxara os ombros e assentira para o amigo, sendo possível sentir o seu nervosismo quando os dedos quentes de Theodore ficaram, repentinamente, gelados. — Quando você ficou doente essa semana, antes de eu ir te visitar... Pedi pro Milles ir na sua casa para que não ficasse sozinho.
— O quê?
— Eu sei que não tenho direito algum de pedir isso pra alguém que você odeia. Mas ele parecia preocupado e eu achei que tava rolando alguma coisa entre vocês. Mas o problema mesmo foi quando eu e o Gabriel chegamos na sua casa.
De repente Theodore parara de falar, erguendo os olhos azulados para o melhor amigo. Nicolas sentira uma sensação engraçada em seu estômago, um nervosismo que o deixava enjoado. Sem saber o que estava por vir, só podia esperar por um grande problema.
E ele viera.
— Enquanto estava doente, você mordeu o Milles, Nico.
A dor de cabeça voltara.
Um ruído ecoava em seu ouvido.
Mas Nicolas não se incomodara com isso.
Somente fitava o seu melhor amigo atônito sem compreender ao certo o significado de suas palavras. O que ele havia acabado de falar? Era verdade? Não... Era alguma brincadeira para irritá-lo? Será que o técnico teria pedido para deixá-lo bravo e jogar com vontade a sua partida?
Só poderia ser brincadeira.
Um sorriso despontara dos lábios de Nicolas.
— Tá me zoando, não é?
Theodore negara com a cabeça.
— Acredite em mim.
— Tá me dizendo pra acreditar numa bosta dessas? Que eu mordi aquele cara?
— No ombro direito.
A lembrança de Milles usando curativo no ombro direito quando treinavam na escola vieram de imediato. Acompanhadas das lembranças daquele alfa brigando consigo o culpando por alguma coisa.
Que vontade de vomitar.
Nicolas empalidecera tanto que Theodore se adiantou em segurá-lo para o caso de desmaiar.
Tudo parecia fazer sentido.
— Quer dizer... Eu tenho uma ligação com ele? — Sussurrava Nicolas com os olhos marejados para Theodore, que concordava com a cabeça. — Por quê? Por que deixou eu fazer uma merda dessas, Theo?
— Eu não imaginava que daria isso! Eu juro! Só pensei que vocês tavam... Se entendendo, então pedi pra que fosse na sua casa ficar de olho até eu chegar.
A confusão só crescia. Nicolas conseguia compreender muitos dos sentimentos que tivera ao longo da semana. Da sensação estranha de sempre ter Milles por perto, de sentir seu cheiro e procurá-lo em todos os lugares. Preferia pensar que eram seus instintos buscando o alfa ideal... Não que fosse consequência de um ato insano.
Logo ele. Milles Mckenzie.
A pessoa que mais odiava no mundo.
— Por que ele, Theodore? De todas as pessoas, por que tem que ser ele? Não poderia ter me protegido uma única vez?
As palavras foram espinhos cravados no coração de Theodore. Suas mãos vacilaram o aperto caindo sobre seu colo. Nicolas respirou fundo passando as mãos sobre o rosto incobrindo o rastro de lágrimas que insistiam em escorrer.
— Eu juro que posso te explicar melhor mais tarde, Nico. E irei implorar o seu perdão se for necessário. — Murmurava Theodore sem ter coragem de olhá-lo nos olhos.
— Tem mais alguma coisa que eu precise saber? Não quero mentiras.
O ômega umedecera os lábios e assentia.
— Gabriel me disse agora a pouco que o Milles ficou com uma menina. Provavelmente o seu cheiro foi uma reação da mordida...
Um soco na parede interrompera Theodore, que erguera os olhos assustado para o melhor amigo. Nicolas rosnava socando a parede diversas vezes, sendo segurado pelo loiro ao ver pequenos machucados formarem em suas mãos.
Mas Theodore sentira a mão dele tremer.
Tremer na mais pura raiva.
— Nico..
— Ei, Moss! Vinte minutos pra entrarmos. Se prepara aí! — Gritava o técnico.
— Tudo bem, já estamos indo.
Desajeitado e trêmulo, Theodore segurava a mão do amigo o impedindo de socar a parede. Puxando sua bolsa retirou uma atadura gaze branca que usara para enfaixar a mão de Nicolas apressadamente.
— Por favor Nico, seja racional. Eu sei que estou pedindo muito agora, mas é preciso. Estamos em público e o seu cheiro quase escapou. Fique perto do Gabriel e ele vai te encobrir, eu já organizei o jogo com ele para que isso fosse possível. — Tagarelava Theodore tendo os próprios olhos marejados, suas mãos tremendo junto das de Nicolas que rosnava em constante raiva. — Foca no jogo só dessa vez. E eu prometo que até a próxima partida eu te ajudarei no que for preciso. Só não... Se machuque.
O enfaixe fora feito às pressas e quando terminado Nicolas se levantou bruscamente rumando para junto do time. Theodore suspirava apoiando os braços nos joelhos baixando a cabeça diante da tempestade que fora criada.
Não imaginava que as coisas sairiam do controle daquela maneira.