Ser mordido por uma pessoa era a coisa mais estranha do mundo.
Desde a sua infância Milles fora ensinado e aconselhado a ser cuidadoso com a mordida, pois, deveria fazer quando amasse muito a pessoa. Admitia, pelo menos, que focaria nisso só quando fosse adulto e responsável. Até chegar lá, se permitiria se divertir com as garotas para ter mais experiência e não ter um casamento meramente chato.
Pelo menos na cama.
No entanto, jamais imaginaria que o momento em que morderia alguém acabaria daquela maneira.
Com ele sendo mordido.
Por um ômega gay.
Alguém que ele detestava.
E, para melhorar a sua auto flagelação, o sujeito que parecia ser sua alma gêmea.
Era o combo perfeito para a ruína de Milles Mckenzie.
Seu ombro doera a noite toda desde que fora mordido. Apenas uma compressa com água quente aliviava a dor, e ainda assim se sentia incomodado. Desde aquela fatídica noite Milles tivera de ser extremamente discreto em casa. Ao invés de usar a porta da frente, tivera de escalar uma árvore para chegar até sua varanda, caso contrário sentiriam o cheiro de Nicolas impregnado em si.
Evitara comer na mesa junto com seus familiares, afirmando precisar de concentração para estudar para o vestibular. O que era uma grande mentira da qual todos sabiam, mas pais sempre mantinham uma esperança para se agarrarem.
Na escola, tentara ficar o mais longe possível do capitão, o que fora uma tarefa difícil. O cheiro dele parecia sobressair entre os demais, garantindo que fosse a primeira pessoa a saber de sua chegada. Seus olhos buscavam a figura baixinha, para se manter por perto.
Só que, puta merda, a pessoa que o mordera fora justamente Nicolas. O baixinho de paciência curta que parecia se divertir em infernizar a vida das pessoas.
Logo ele.
Para a sua onda de reclamações, Nicolas parecia não fazer ideia do que fizera naquela noite. Agira como sempre fazia, ignorando sua existência quando em público e o provocando quando sozinhos. Era como se nada tivesse acontecido, agindo plenamente enquanto o próprio Milles tinha de lidar com o intenso desejo de ficar perto dele.
Pois era isso que seus instintos e a maldita mordida queriam que ele fizesse. Ficasse perto. O dominasse.
Mas o orgulho berrava. Ele era quem estava sendo dominado.
O conflito interno de Milles era tão atordoante, que mau dormira nas noites seguintes. Revirava-se na cama pensando em alguma saída para aquela situação tão deplorável. Pesquisara na internet, lera revistas, tentara buscar ajuda em livros, mas nada parecia dizer o contrário de "se conecte ao seu par".
Não queria.
Não queria se conectar a Nicolas.
Nem fodendo.
Quando aquele maldito baixinho começara uma briga com os meninos do time de vôlei, Milles fora incapaz de agir de imediato. Sentia o prazer que o ômega estava tendo. Era o nível da ligação que eles tinham a partir de agora. O alfa sentiria tudo. Até mesmo o seu corpo reagira instintivamente para protegê-lo, como se absolutamente ninguém pudesse tocar o seu ômega.
Naquela quinta-feira de tarde, Milles estava completamente cansado. Seu treino estava ridiculamente horrível, não conseguindo se concentrar de tão sonolento que se encontrava. O técnico já havia lhe dado várias broncas, mas nem dera ouvidos.
Só pensava em matar um certo ômega baixinho que destruíra a sua vida.
— Você está doente por acaso? — Perguntava Gabriel enquanto eles descansavam do treino.
Milles suspirou pesado ao se jogar no chão e encostar-se na parede do ginásio enxugando o suor com uma toalha.
— Lutar contra isso aqui — Sussurrava apontando para o curativo em seu ombro — É mais complicado do que você acha.
— Eu queria te perguntar sobre isso, mas não parece muito confortável em falar.
— Não é questão de estar confortável. Eu também não entendo. — Fazendo uma careta, Milles bagunçava os cabelos irritado, virando-se para o seu melhor amigo — É uma coisa doida.
— Sou todo ouvidos.
Fora a brecha que Milles necessitava para disparar o seu desabafo.
— Apesar de eu não querer, e não quero mesmo, ficar colado no rabo desse infeliz, isso aqui não deixa. Se ele fica irritado, eu sinto. Se ele fica feliz, eu sinto. Se ele quer ser fodido, provavelmente vou sentir e irei me candidatar pra foder ele.
Gabriel arregalava os olhos para o amigo, reprimindo o riso com uma tosse discreta.
— Ok... Então a mordida faz com que você queira fazer coisas que geralmente não gostaria.
— Se fosse apenas a nossa disputa seriam outros quinhentos. Isso é golpe baixo. E ele ainda tem a cara de pau de fingir que não lembra de nada.
— Theo disse que ele realmente não lembra.
— Meu rabo! — Gritara o alfa, chamando a atenção dos demais. Gabriel fizera um gesto para não se preocuparem, e logo Milles continuara, dessa vez mais brando — Eu estou desejando ele desde que fui mordido, Biel. Eu quero aquele maldito ômega de quatro pra mim numa cama. Estou enlouquecendo porque tento reprimir isso.
— Já que você disse que não ficaria de quatro por ele. — Lembrara Gabriel.
— Exato!
Gabriel concordara com a cabeça entregando uma barra de cereal para Milles, que aceitara a abrindo ruidosamente e a mordendo com raiva.
— Ficar indo contra teus instintos, então, está te deixando nesse estado?
— Não só isso. Quando estou jogando, se foco na bola é como se meus instintos me driblassem pra proteger ele. — Milles suspirava enquanto mastigava, observando a confusão nos olhos do amigo. — Quando percebo, estou protegendo ele com o meu cheiro.
— Tá zoando?
— Queria. Isso gasta minhas energias, porque ele não para quieto na quadra. Sempre pulando e sendo feroz... Argh!
— Por que raios os seus instintos iriam proteger ele? Digo... Nicolas sempre usa aqueles adesivos, pelo que entendi.
— Ele não tem usado desde que me mordeu. Eu sinto o cheiro dele de longe, sei quando está por perto. É isso que faz uma ligação, apesar de ser incompleta. — Terminando de comer a barrinha, Milles estendera a mão para Gabriel. O moreno arqueara a sobrancelha como se incompreendesse, mas o seu melhor amigo parecia saber que tinha outra em sua mochila. Revirando os olhos, Gabriel entregara a outra barrinha para Milles. — Não quero que ninguém sinta o cheiro dele. É bom demais, atrativo demais. Só de pensar que outros alfas podem sentir seu cheiro e vir pra cima do capitão... Eu fico louco. É como se ninguém pudesse tocá-lo. Só eu.
— Mas nem você quer tocar nele.
— Agora sabe porque estou nesse estado lindo e maravilhoso. Mas chega de falar de mim, quero saber de tu. Como foi a foda ontem à noite?
Imediatamente os olhos de Gabriel esbugalharam e ele ainda cuspira a água que bebia, engasgando-se tendo um acesso de tosse logo em seguida. Milles abrira um sorriso ladino ao perceber ter acertado um ponto.
— Como sabe disso?
— O cheiro dele tá impregnado em você.
— Os outros podem sentir isso?
— Estou sensível, graças ao peido do capeta. Então, o que rolou?
Gabriel abraçou os joelhos encarando Theodore conversando com Nicolas e o treinador. Suspirou brevemente antes de confidenciar o que teria acontecido na noite anterior após conversar com o ficante, não escondendo sobre o assunto de Sadie.
Milles nem se surpreendia que sua irmã mais nova se intrometera no assunto, apesar de ter sido aconselhada a não fazê-lo. Sua teimosia era impressionante, se não fosse lerda. Era tão claro quanto dia que Gabriel gostava de Theodore.
Bem, até ele fora cego se não fosse sua própria confusão com o capitão. Desde aquele domingo as coisas ficaram cristalinas como água.
— E o que tu achou? Curtiu? Queria fazer mais alguma coisa ele?
— Seria mentira dizer que não. Eu meio que perdi o controle, sabe? Aquilo que você falou sobre o cheiro do capitão... Eu te entendo, porque na hora Theodore liberou um cheiro que.. Caralho, como era bom.
— Dá vontade de foder ali mesmo, não é?
— É, apesar de eu não dizer essas palavras. — Ria Gabriel. — É simplesmente incontrolável. A voz dele me chamando, cada reação parece acrescentar pra tudo ficar mais intenso ainda. Mas não queria que tudo terminasse ali mesmo. Ele merece algo mais... Apropriado.
— Ele não é virgem, Biel.
Um rosnado escapara dos lábios do moreno.
— Apagarei qualquer lembrança que ele tenha com o teu primo. E pare de mencionar ele. Theodore está comigo agora.
Milles erguera as mãos em rendição, ainda mastigando a barra de cereal.
— Mas as coisas não estão fáceis agora, pelo que me falou. Parece que o Theozinho está esperando uma atitude sua.
— Eu já disse pra tua irmã que não to afim dela. O que mais posso fazer?
Gabriel parecia estar em algum dilema desconhecido por Milles. E tudo o que podia fazer era lhe dar algum conselho misterioso, já que haviam limites. Afagando seus ombros, o alfa sorria para o amigo.
— Theodore está ficando popular, e a galera sabe que ele é ômega. Se tu ficar enrolando, independente do quanto ele goste de você, poderá se cansar e escolher outra pessoa. Alguém que queira segurar a mão dele e ir contra a maré. Se quiser ficar com Theodore, segura na mão dele e assuma.
— Você está realmente me dando esse conselho?
— Faça isso antes que algum imbecil morda ele. Esse é meu conselho.
Dando tapinhas nas costas de Gabriel, Milles se levantara para voltar ao treino. Era muito mais fácil escutar os problemas dos outros para dar conselhos, do que receber conselhos e tentar enfrentar os próprios problemas.