O celular apitava avisando a chegada de uma nova mensagem. Tirando o aparelho do bolso, Milles tomava cuidado em se manter equilibrado sobre o skate enquanto lia o endereço enviado por Gabriel. Do que sabia sobre as ruas daquela pequena cidade, o alfa já tinha noção de onde era.
E teria de voltar o caminho, pois Nicolas morava muito perto da escola.
Fazendo a volta na rua, o rapaz pegava impulso para deslizar o skate no asfalto, ansiando cada vez mais chegar em seu destino.
Como poderia aquele capitão marrento e mau-humorado ficar sozinho em casa e ainda mais doente? Um sorriso crescia debilmente em sua face, considerando aquela a chance perfeita para uma vingança.
Nicolas sempre pegara no seu pé durante os treinos, o obrigando a fazer mais exercícios que os demais. Principalmente castigá-lo quando as garotas invadiam o ginásio para assistir os treinos, o tornando responsável pela bagunça. Então, não seria direito seu aproveitar a guarda baixa do maldito baixinho para judiar um pouco dele?
Não pretendia judiar de Nicolas, não. Ele estava doente, ora essa. Só queria mostrar para ele que naquele momento estava fraco demais para tentar se defender. Não haveria força alguma para se desvencilhar de Milles.
Ah... Essa ideia era simplesmente fantástica.
Todo o corpo do alfa vibrava em ansiedade. Queria ver o seu capitão perder toda a marra que tinha.
Isso não lhe traria uma grande vantagem na disputa pessoal deles?
Quando descera do skate em frente a uma casa simples de muros baixos, Milles arqueava a sobrancelha duvidando do seu destino. Verificou o endereço na mensagem a comparando com o que tinha escrito na placa da esquina, assim como o número pregado na parede da tal casa.
Era feia demais!
Parecia uma casa abandonada. Tinha um quintal com o mato alto, passando o baixo muro. As paredes descascavam a tinta creme, e o telhado estava escuro tamanha a sujeira.
Franzindo o nariz, Milles se questionava o que raios se passava naquela família ao ponto de não serem capazes de cuidar da própria casa. Será que o quarto de Nicolas estaria tão bagunçado com restos de comidas e roupas espalhadas, que ele poderia já ter morrido e seu corpo apodrecendo no meio do lixo?
Milles balançava a cabeça para espantar o terror de sua mente.
Segurando o skate enquanto passava pelo pequeno portão enferrujado, Milles engolia em seco reunindo toda a coragem que podia. Deixara o skate ao lado da porta e erguera a mão para bater suavemente.
Agora que estava parado em frente a casa do seu capitão, o nervosismo parecia criar raízes em si. Sua mão suava, suas pernas pareciam pesadas. O coração acelerava estupidamente com receio de ver o que tinha por trás daquela porta.
Demorou alguns instantes até a porta escura ser aberta por uma linguiça gigante e branca. Milles piscara algumas vezes, inclinando a cabeça buscando o rosto escondido naquele amontoado de cobertas.
— Ca-Capitão?
Apesar de sua voz sair exitante, fora ela soar pela casa que finalmente pudera enxergar o rosto sonolento e pálido de Nicolas. Seus olhos escuros e opacos tinham olheiras, mas estavam caídos. Suas bochechas estavam levemente rosadas devido a febre, e os cabelos escuros escapavam do cobertor que cobria sua cabeça.
— Oh...— Nicolas olhara Milles de cima a baixo e então um sorriso manhoso surgia em seu rosto — Pedaço de fezes gigante!
Queria ir embora.
Seu capitão estava bem.
Queria dar as costas e fingir que não gastara seu tempo se preocupando com aquele baixinho maldito quando ele tinha energia o suficiente para xingá-lo. E estava prestes a fazê-lo quando Nicolas agarrara seu braço o puxando para dentro da casa sem qualquer cerimônia.
Quando o encarara, se arrependera de imediato.
Ele parecia feliz.
Nicolas Howard estava feliz abraçando seu braço.
Que merda era aquela?
— Finalmente veio, seu grandalhão! Waaah.
— Ca-Capitão...
O rapaz fora interrompido pelo indicador de Nicolas, que se encostara em seus lábios. Piscando aturdido, o alfa percebia que o seu capitão estava fazendo um bico... Fofo.
— Me chame pelo nome, seu imbecil.
— Quero te matar. — Rosnava o alfa.
— Isso, isso bom garoto. — Ria Nicolas, finalmente se soltando do braço de Milles, seguindo até a sala onde se jogara no sofá.
Estava delirando por acaso?
Aquele não era o Nicolas de sempre?
Ele estava enroscado nas cobertas e sorria para o nada. Além de ter abraçado o seu braço. ABRAÇADO! Pelos céus, nunca que o capitão faria algo assim, mesmo que desejasse vencer a disputa deles.
Olhando em volta tentando recuperar sua consciência, Milles percebia que o caos do lado de fora não se alastrara para dentro da casa. Haviam poucos móveis de aparência velha, mas bem cuidados. Não havia bagunça e o cheiro era gostoso. Bem... Isso se devia ao cheiro de Nicolas estar impregnado na casa.
Respirando fundo, Milles sentia todo o seu corpo regozijar com o aroma adocicado. Aquele era o cheiro de Nicolas. Estar doente o fizera exalar mais e mais, assim como pensara mais cedo. Nesse ponto fizera certo em visitá-lo.
— Veio me ver? Está preocupado comigo? Ou veio pra me beijar de novo?
Milles retirou a bolsa das costas e a deixou ao lado do sofá, escolhendo se sentar no outro estofado ficando de frente ao capitão.
— Não vou te beijar nesse estado.
— Mas queria, não é? — Murmurava Nicolas com um sorriso malicioso, que irritara ainda mais Milles. — Está escrito na sua testa que me deseja. Seu grandalhão tarado!
— Só vim fazer companhia até o Biel chegar.
Imediatamente Nicolas fizera uma carranca. Milles arqueava a sobrancelha sem saber o que esperar daquelas reações tão estranhas. O que havia com ele?
— Não preciso dele! Pega pra você, ó xô xô! — Resmungava o ômega, balançando a mão como se expulsasse um mini Gabriel da mesa de centro.
Milles percebia que abria um sorriso pequeno e afetado. Certo... Estava fazendo aquilo pelo seu melhor amigo que chegaria dali algumas horas. Só precisava manter os olhos no baixinho. Era tudo.
Missão cumprida.
— Até eles chegarem, por que não vai dormir?
— Perdi o sono. — Resmungava Nicolas se levantando do estofado dando a volta na mesa de centro, para chegar até o sofá onde Milles estava sentado. Jogou-se ao seu lado e encostara a cabeça em seu braço, já que a baixa estatura não lhe permitia alcançar o ombro do alfa. — Culpa sua.
— Que besteira, você sempre dorme só de encostar a cabeça no colo do teu amigo.
Então, Milles se arrependera de ter dito aquilo.
Arrependera-se no mesmo instante, pois, Nicolas virou os olhos escuros em sua direção. Como uma criança inocente que quer comer doce, mas tem medo de pedir, ele ousava lhe encarar com aquele brilho pueril.
— Você vai me dar colo?
O coração de Milles errara algumas batidas.
— Cala a boca! Deita aí e dorme de uma vez.
— Malvado.
Nicolas deitara no estofado, mesmo que o espaço disponível fosse pequeno ele conseguira curvar seu pequeno corpo ali. Claro que ele não perdera a oportunidade de empurrar Milles com os pés, só para irritá-lo. O alfa revirava os olhos dando tapinhas nos pés de Nicolas, que parecia se divertir com sua nova brincadeira.
Os dois se atazanaram por um bom tempo, até que Milles irritado se levantou do estofado e cruzara os braços ficando de frente para o capitão.
Pela segunda vez ele se arrependeu.
Nicolas estava todo bagunçado nas cobertas, mas estava adorável. Os cabelos bagunçados, até mesmo a regata que usava parecia grande demais tendo a alça caindo revelando seus ombros magros e branquinhos. Os braços dispostos na frente do corpo também eram tão finos, que Milles temia quebrá-lo com um toque.
Pela segunda vez seu coração errara uma batida.
Maldito fosse.
Nicolas estava adorável.
— O que foi, Milles?
Oh... Céus.
Pela terceira vez o seu coração errava uma batida.
Nicolas chamara o seu nome daquele jeito, manhoso, baixo...
O sangue pulsava por suas veias.
Que tivesse forças o suficiente para lidar com aqueles golpes baixos.
Um estômago roncando salvara Milles dos estímulos. Nicolas levantou-se do sofá se livrando das cobertas, andando para a cozinha não muito longe dali. Milles o observava cambalear de um lado para outro, parecendo cair a qualquer momento.
Até se mantivera próximo o suficiente para socorrê-lo caso necessário. Não fazia a menor ideia do que poderia fazer para ajudar Nicolas. Na verdade, nunca cuidara de uma pessoa doente em toda a sua vida. Isso o tornava uma pessoa mimada? Era tão desconfortável não saber o que fazer.
Nicolas pegara uma panela e dera dois passos para trás cambaleando. Apoiou-se de imediato na geladeira, girando pelos calcanhares para ir até o fogão deixar a panela ali. Revirou os armários tentando procurar algo pra comer, mas não alcançava as prateleiras mais altas.
Tentara ficar nas pontas dos pés, esticando seu corpo o tanto que podia, sem poder alcançar o que desejava. Então, ele virou a cabeça sobre o ombro, olhando pedinte tal como o Gato de Botas no segundo filme do Shrek.
Pela quarta vez o coração de Milles errava uma batida.
Suspirando derrotado, o alfa fora até ele silenciosamente onde pudera alcançar alguns pacotes de miojo. Ficava atrás dele, sentindo o corpo esguio do seu capitão encostar-se completamente ao seu. Um arrepio percorrera todo o seu corpo como uma corrente elétrica passasse.
Baixando a cabeça deparou-se com aqueles olhos escuros o observando atentamente. Mesmo com o rubor em suas bochechas e a respiração quente, levemente ofegante batendo em sua barriga, Milles sentia a intensidade daqueles olhos.
Um de seus braços se movera por conta própria, baixando-se para envolver a cintura fina do garoto e o abraçar. Fora um movimento estranho e desconhecido para Milles, como se o seu corpo ousasse fazer algo sem um comando consciente. Ainda assim, a sensação que tinha de ter aquele corpo encostado ao seu não fora tão estranha quanto imaginara.
— Por acaso você sabe fazer um miojo? — Questionava Milles rouco, tentando tornar aquele momento em algo normal.
— Não.
Mais uma vez o estômago de Nicolas roncara. Certo, ele estava com muita fome ao que parecia. Miojo não era saudável, mas quebraria o galho. Mandaria uma mensagem ao Gabriel para trazerem algo que preste quando viessem.
Soltando a cintura de Nicolas, o empurrara para longe do fogão. Alcançara a panela e enxera com água.
— Vaza daqui, eu faço.
Obedientemente Nicolas regressara para a sala. Vez ou outra Milles o observava por cima do ombro, percebendo que ele se esforçava para ficar acordado. Quão febril Nicolas estava? Precisava dar alguma coisa pra ele?
Enquanto aguardava a água ferver, Milles andara pela sala encontrando um termômetro dentro de um copo na cristaleira. Sem se importar com as regras de etiqueta que algum dia aprendera com sua família, ele abrira a cristaleira e retirou o termômetro verificando se ainda funcionava. Em seguida fora até Nicolas ajeitando o objeto debaixo de seu braço, ouvindo reclamar como um filhote de gato manhoso.
Enquanto segurava seu braço para ajeitar o termômetro, Milles notara a tentativa silenciosa, e talvez inconsciente, de Nicolas tentar esfregar sua bochecha na mão do alfa.
Estaria ele querendo... Carinho?
De Milles?
Aquele pensamento o assustara por um instante.
Garantindo que Nicolas não se moveria, o alfa afastou-se retornando para a cozinha buscando refúgio. Enquanto quebrava o miojo e tirava os temperos do pacote, tentava acalmar seu coração que batia desenfreado.
Quantas visões estava tendo naqueles quarenta minutos em que chegara na casa de Nicolas? Estaria ele tão doente a ponto de agir fora do normal?
Que merda.
Não conseguia não pensar que o maldito era adorável.
Estaria o próprio Milles ficando doente também?
Quando o termômetro apitara, Milles fora até Nicolas verificar a temperatura, que permanecia febril. Suspirando pesado, o rapaz retornara na sua missão de fazer um miojo quente. Tudo o que poderia, e saberia, fazer era colocar o capitão para dormir até que Theodore chegasse.
Esperava que o outro ômega fosse mais útil que ele.
Dali alguns minutos, o miojo quentinho estava pronto sendo servido em uma cumbuca de sopa. Milles tivera todo o cuidado de arrumar a mesa antes de chamar Nicolas, que acabara adormecendo sentado no sofá.
— Acorda... Ei! Capitão, acorda tá na hora de comer.
E nada.
Suspirando baixo, lembrou-se do pedido manhoso de outrora.
— Acorda Nicolas. — Falou rouco.
Os olhos se abriram em um estalo, Nicolas erguera a cabeça farejando o ar sentindo o cheiro do miojo. Pela terceira vez seu estômago roncava, e o rapaz já umedecia os lábios secos com a ponta da língua.
— Baixinho miserável... Venha comer.
Quando Milles dera as costas, sentira algo agarrar sua blusa do uniforme. Virando a cabeça sobre o ombro, percebia Nicolas se desenroscar da coberta o usando como apoio. E aquela visão fora linda para o alfa. Nicolas parecia uma criança tentando se virar para mostrar a independência, mesmo segurando algo para garantir ajuda caso não conseguisse.
No caso, ele esperaria a ajuda de Milles, certo?
Então ele fora andando lentamente pela casa até chegar na cozinha, sentindo aquela mão segurar sua blusa ser a única conexão com o corpo doente de seu capitão. Fora devagar para não cansá-lo, já que sua respiração estava no foco de atenção do alfa.
Sentado, Nicolas comera o miojo como se fosse um grande prato apresentado por um famoso chef de cozinha. Milles cruzava os braços o assistindo com um ligeiro sorriso no rosto, imaginando que o baixinho estaria realmente esfomeado a ponto de se digladiar com um miojo.
Terminado o prato, Nicolas tornava a lamber os lábios avermelhados. Milles entregara um copo de água para ele, já incomodado com sua boca seca. Por acaso ele teria pulado quantas refeições pra ficar naquele estado?
De toda forma, ao menos não estavam discutindo ferrenhamente como sempre faziam.
Até que era bom.
Seu plano fora um sucesso em partes. Nicolas era um ômega obediente quando doente.