Na terça-feira Milles estava ansioso para ir à escola. Geralmente não se sentia daquela maneira, mas haviam duas coisas das quais precisava averiguar.
Primeiramente, seu amigo. Se Sadie ficara irritada com a maldita história sendo publicada na comunidade do orkut, quem dirá o que os demais estudantes pensariam de Gabriel. Cochichos, rumores infundados, brincadeiras das quais Milles já havia feito com Theodore poderiam ser feitas com o aluno novo. Gabriel provavelmente não estaria preparado para lidar com tamanha atenção.
Seguidamente, queria ver Nicolas. O capitão havia desmaiado no dia anterior sabe-se lá o porquê. Estava febril e parecia cansado. Apesar de toda fragilidade o baixinho ainda fizera questão de beijá-lo daquela forma na enfermaria. Só pra mostrar ao alfa que aquele ômega não seria domado com tanta facilidade. Ainda assim, Milles estava preocupado.
Descendo do skate assim que chegara nos portões da escola para passar pelos inspetores, Milles procurava em volta uma figura conhecida. Até subira no skate novamente para deslizar pelo pátio escolar a procura do sujeito que era capaz de intermediar as duas pessoas. Dera várias voltas pelo pátio, cumprimentara alguns conhecidos sem dar muita atenção a eles, e nada de encontrar o dito cujo.
Passando por frente de uma janela, pudera ver a cabeleira loira seguindo o corredor. Imediatamente Milles saltara do skate e correra para dentro do prédio escolar, alcançando Theodore até segurá-lo pelo ombro.
— Milles? — Theodore arregalava os olhos diante do alfa ofegante.
Segurando o pulso do ômega, o puxara para fora onde pudessem ter privacidade para conversarem. Certamente se alguém o visse conversando com o garoto, provavelmente pensariam que estava o azucrinando como sempre. Seu objetivo era ter uma conversa clara e particular.
Theodore não rebatia o alfa, o seguindo silenciosamente até atrás da escola. Depois de verificar que mais ninguém estaria por perto, Milles voltara a encarar o ômega loiro percebendo seus ombros levemente encolhidos. Ele sempre ficava curvado quando estava sozinho com Milles, como tentasse se proteger. Mas dessa vez o alfa não tinha nenhuma intenção de fazer alguma maldade.
Talvez fosse o seu nervosismo aparente que fizera Theodore relaxar sutilmente os ombros.
— O que quer comigo?
— Uma conversa franca. Vamos nos resolver aqui e agora.
Theodore se encostou na parede parecendo aliviado. Milles continuou parado na sua frente, atento para o caso do ômega tentar fugir de si. Tentara organizar seus pensamentos, precisava ser claro com Theodore.
— Não sou bom de briga...
— Relaxa. Quero pedir desculpas.
Os olhos claros do ômega se arregalavam em surpresa. O alfa estava diante de si com a cabeça baixa sem transparecer toda sua aura carismática que era rotineira. Um tanto quanto inédita aquela visão.
Milles havia sido claro com sua irmã na noite anterior sobre apoiar o amigo. Gabriel gostava de Theodore, então o mínimo que poderia fazer era levantar uma bandeira branca. No entanto, apenas cessar fogo não seria o suficiente para Milles.
— Você... Me pedindo desculpas?
— Sei que fui um grande filho da puta nos últimos tempos. — O nervosismo agora crescia no peito de Milles. Não era capaz de encarar Theodore nos olhos, e buscando um refúgio seus dedos se enroscavam nos próprios cabelos apertando os fios. — Te culpei por ter destruído a vida do Jake, por ter afastado um cara que eu amo pra caralho. Provavelmente eu estava apenas te usando pra cuspir essa... Coisa... Sei lá como posso chamar esse sentimento. Se é que seria um sentimento. É tão...
— Frustrante. — O sussurro de Theodore soava como uma brisa gentil e quente de primavera. Milles erguera os olhos para encará-lo surpreso, encontrando um singelo sorriso gentil naquele ômega. — É frustrante quando queremos ajudar alguém que nos é importante, mas nos deparamos com a própria impotência.
Que sensação era aquela?
Tão quente e acolhedora.
Ah... Milles era capaz de compreender o motivo de Gabriel ter se afeiçoado a Theodore.
— É... É uma bosta me sentir assim. Queria ter feito mais por Jake.
— Não consigo imaginar como Jake deve ter lidado com sua família depois daquele dia. Mas ficou bem claro que você e sua irmã não gostaram de ele ter se mudado pra capital.
— Fomos proibidos de conversar com ele. Então...
— Entendo. Mesmo que não tenha sido a minha intenção machucar os Mckenzie, minhas atitudes trouxeram consequências mesmo assim. Nesse caso, também devo pedir desculpas para você, Milles.
Theodore abaixara a cabeça levemente pra frente, levando a destra ao peito. Milles percebera a honestidade em seu gesto, chegando a se sentir levemente emocionado. No final das contas, aquele ômega era bem diferente do que imaginara.
Aquele ômega era completamente diferente do que achava. Parecia tão óbvio o motivo de seu amigo ter se encantado por Theodore. Havia uma aura nele que reluzia como um sol da manhã, simples e fraco, mas quentinho. Como o acalento amável.
— Considero Gabriel o meu melhor amigo, e por ver que ele realmente ta afim de você, estou disposto a assumir os meus erros. Porque eu sei que agora iremos ter essa ligação por causa dele.
Quando Theodore erguera a cabeça novamente, Milles já estava mais confortável em conversar consigo. Até mesmo sorria, mesmo que tivesse um leve rubor em suas bochechas.
— Algo me diz que não é só por Gabriel. — O sorriso gentil de Theodore pegara Milles desprevenido. O alfa tentara desviar os olhos, mas o ômega rira baixo sabendo muito bem o motivo de sua vergonha.
— O que vocês estão fazendo aí?
A figura do alfa moreno aparecendo naquele lado afastado da escola assustara os dois loiros. Estavam tão imersos na própria conversa, que mal teriam notado a presença de Gabriel. Desconfiado, o moreno aproximou dos dois.
— Bom dia Gabriel.
— Bom dia Theo! — Sorria o alfa, afagando os cabelos do ômega loiro. — Estou atrapalhando?
— Estamos pondo os pingos nos "is".
Gabriel arqueara a sobrancelha olhando de canto pro ômega, que concordara com a cabeça. Milles até revirava os olhos diante de tamanha desconfiança do seu melhor amigo. Apesar de não culpá-lo.
— Isso significa que vocês estão de bem agora?
Milles e Theodore se olharam e sorriam concordando. Gabriel parecera feliz com aquilo, dando um ligeiro tapinha no ombro de seu melhor amigo. Bem, seria a primeira vez que Milles passava por cima de seu orgulho pra assumir seus erros. Ainda mais por um amigo.
— Estou feliz por vocês. Meu amigo e o meu cara se dando bem.
Gabriel segurara a mão de Theodore o deixando envergonhado. Milles percebera o rubor no rosto do ômega, e o quanto Gabriel parecia se divertir em deixá-lo daquele jeito. Suspirando, o alfa cruzava os braços.
— Não to aqui pra ficar de vela pra vocês não.
— Se o capitão estivesse aqui, não ficaria de vela.
Pela primeira vez Milles sentira vontade de apertar o pescoço de Gabriel só pra fazê-lo calar a boca. Theodore piscara algumas vezes olhando de canto para o alfa, sendo que Milles não tinha coragem de encará-lo. Não fazia a menor ideia de até que ponto da história ele saberia.
Será que Nicolas teria comentado alguma coisa?
Duvidava muito.
Seu capitão era orgulhoso pra caramba. Não contaria para Theodore que fora surpreendido por Milles no vestiário no domingo. Ou que eles teriam se beijado na enfermaria na segunda.
Milles deixara a mão no ombro de Gabriel, abrindo um sorriso engessado enquanto rosnava entredentes.
— Biel, cala a boquinha hm?
— Nico não vai vir por alguns dias. — Respondia Theodore olhando a mão de Gabriel que ainda estava sobre a sua. Passando a ponta do indicador sobre a pele do atleta, o ômega parecia falar ocasionalmente uma informação preciosa. — Ele está com febre por causa dos adesivos.
— Pensei que o soro que ele tomou ontem fosse o suficiente.
— Nunca é o suficiente. — Suspirava Theodore encarando os dois rapazes alfas. — Nas partidas ele geralmente usa um monte de adesivos ao mesmo tempo, e isso meio que o deixa nesse estado depois. Nico deve dormir por um bom tempo enquanto estiver com febre.
— É perigoso usar tanto assim. Mas ele deve estar sendo bem cuidado, não?
— Na verdade Nico deve estar sozinho agora. Só mora com a mãe dele, e ela trabalha o dia todo. Então ele meio que aprendeu a se virar.
Na cabeça de Milles só conseguia imaginar o seu capitão de olhos fechados deitado e um ladrão entrando na casa. Se estava com febre, provavelmente não seria capaz de lutar pra se defender. Na verdade, sua guarda estaria completamente baixa.
Era o momento oportuno para se atacar.
Um sorriso malicioso surgia em seu rosto, na medida em que mais e mais ideias ridiculamente infantis serpenteavam seus pensamentos.
— Podemos ir visitar o capitão depois da escola, então.
Theodore olhara de canto para o atleta que estava calado. Estranhara o sorriso em seu rosto, porém os dedos do alfa estavam apertados em punho. Comprimindo os lábios tentando encontrar uma saída, o rapaz rolara os olhos fingindo ocasionalidade.
— Ah, seria bom que alguém de confiança ficasse com ele até a gente chegar. Ficar sozinho pode ser muito perigoso, e Nico não teria força alguma pra se virar...
Milles era incapaz de opinar alguma coisa naquela conversa, sua mente estava ocupada demais trabalhando arduamente para torturá-lo. E se alguém do time resolvesse visitá-lo e percebesse o charme que era aquele ômega? E se sentisse seu cheiro, que deveria estar forte por causa da febre, e tentasse algo com o capitão?
De maneira alguma isso deveria acontecer. Absolutamente ninguém poderia participar daquela deliciosa e excitante batalha que ele e o capitão travavam em segredo. Somente ele poderia tirar vantagens de Nicolas Howard.
Se outra pessoa tentasse... Bem, Milles saberia esconder um corpo se necessário.
— Vou matar o treino hoje, me dê cobertura!
Arrumando a mochila nas costas ao subir no skate, Milles já deixava para trás o casal para fugir da escola. Ainda assim fora capaz de ouvir o grito de Theodore mais atrás.
— Gabriel vai mandar o endereço por mensagem!