- Para onde está olhando? - Ela pergunta, com uma voz confusa, mas ainda sim, doce.
- Para os meus erros. É estranho como eles se embolam, às vezes não consigo entender a direção deles, ou se são mesmo erros. - Eu a respondo, com um tom monótono.
- Talvez não sejam erros. Podem ser só fragmentos de quem você é. - Ela pausa, põe a mão no queixo, pensativa, e continua. - E se vêm de dentro de você, talvez não deveria os encarar com tanta raiva nos seus pobres olhos. Eles podem acabar explodindo.
- É difícil não olhar com maldade. Eu detesto essas coisas. Mesmo se não forem erros, e sim fragmentos de quem eu sou, não consigo ter apreço por isso. - Eu digo, entonando nojo.
- Não seja tão duro consigo mesmo. Por quê você não pula? Pode gostar do que ver dentro desse emaranhado de coisa. Pode ser mais bonito por dentro. - Ela diz.
- Será que eu devo? - Eu a pergunto, hesitante.
- Por quê não? - Ela pergunta.
Eu penso por alguns segundos. Ainda hesito, mas mesmo detestando esse emaranhado de informação, girando na minha frente, como cobras se enroscando em novelos de lã, parece que algo lá dentro clama por mim.
- Você vem comigo? - eu a pergunto, com medo.
- Não posso. Se quiser mesmo desenrolar essa bagunça, você tem que fazer sozinho. - Ela responde, um pouco triste, mas com um tom de esperança direcionado a mim.
- Mas… Eu não consigo fazer isso sozinho.
- Você têm que conseguir. São o seu emaranhado. Não posso te guiar aí dentro. Se você não sabe como andar por aí, como eu saberia? Eu poderia me perder aí dentro, e talvez me enroscar nessa bagunça, aí sim, talvez fosse um problema. - Ela responde, racionalmente.
- Mas você já não está aqui dentro?
- Estou, mas não posso passar daqui.
- Não pode, ou não quer? - Eu pergunto, levemente irritado.
- Um pouco de ambos, ora. Você já vê esses traços como problemas antes mesmo de saber sobre o que isso se trata. Se eu me embolar, talvez você me veja como parte do problema. Não quero que você me veja assim. Não quero isso para mim.
Eu penso por alguns instantes. Ela está certa. Não quero deixá-la, mas, talvez eu precise. Ela não pode fazer parte dos meus problemas. Talvez os fios desse emaranhado precisem ser, de fato, organizados. E seria irresponsável da minha parte deixá-la fazer isso. Alguns fios são finos, e podem acabar por cortar ela. Eu posso suportar a dor, porque de certa forma, eu conheço o material. Mas ela não. Ela não conhece tudo. E acho que alguns fios já a feriram o suficiente.
- Ta bem. Eu vou entrar, mas não agora. - Eu digo depois de pensar.
- Não agora? Quando então? - ela questiona, com o tom autoritário de sempre.
- Não sei. Em outro momento. - Eu respondo, enquanto me sento ao lado dessa bagunça.
- Não posso esperar pra sempre. Sabe-se lá quando que essa bagunça vai aumentar e te enrolar nisso. Ou me enrolar nisso. - Ela diz.
- Talvez seja melhor você sair daqui então… Não quero te expor a isso. - Eu digo, tristemente.
- Eu vim até aqui porque eu quis. Mas você está certo. Não consigo mesmo passar daqui, e isso também é escolha minha. Talvez eu deva sair daqui. - Ela responde, quase que hesitante, mas certa do que diz.
- Mesmo quando você sair, você sempre vai pertencer a esse lugar. Seu cheiro, sua voz, seu toque. Vai tudo sempre ser parte daqui. Saiba disso. - Eu digo, antes que ela se vire para ir embora. Ela pausa.
- Eu sei. - Ela diz – Eu pertenço a onde eu quiser. E eu gosto de pertencer aqui. Só não acho que seja uma boa hora pra eu ficar, mesmo que isso signifique que eu não possa voltar. - Ela diz.
O silêncio toma conta do lugar por um tempo. Ela, virada de costas pra mim, em direção a saída, permanece parada.
- Cuidado com os nós duplos. Pode acabar tropeçando. - Ela diz, ainda de costas para mim.
- Eu sei. Obrigado. - a última coisa que digo para ela enquanto pertencente desse mar de bagunça, dentro da balbúrdia, da desarrumação, que fede a fumaça, e choro matinal. Mas o cheiro dela ofusca todo o resto.