Certo beco, sujo e destruído, abriga certa construção em mesma condição.
Um laboratório surrado e de andar único com paredes feitas de tijolos. Após uma curta escadaria de pedra está a porta de madeira que dá acesso ao interior do local.
Acima da porta está uma placa com algo escrito. "IPEG", revela a placa de cor branca com bordas esverdeadas. "Instituto de Pesquisa e Engenharia Genética", é o que está escrito em letras pequenas abaixo da sigla.
A quietude toma conta do lugar, mesmo sendo por volta das duas horas da tarde, e nem mesmo barulho de carro pode ser ouvido seja próximo ou distante.
Há musgo e vinhas crescendo por toda a parte, além de inúmeras janelas quebradas. Por algum motivo, toda a construção – Incluindo as escadas – Estão muito sujas e descuidadas, como se tivessem sido abandonadas há um bom tempo.
Se afastando um pouco dessa entrada, é possível perceber uma escadaria que desce ligando a porta da clínica à rua. Ao chão dos corrimões metálicos estão dois corpos jogados. Dois homens com roupas pretas que os fazem aparentar fazer parte de uma força-tarefa ou algo do tipo. Um jogado por cima do outro.
Ao lado deles, no chão, dois fuzis jogados. Banhados por uma poça de sangue que se forma sob os corpos dos "oficiais".
Pela posição do corpo dos dois, é possível assumir que haviam brigado entre si, por qualquer motivo que seja. Um caiu sobre o outro no chão, e o que estava por cima havia tomado um tiro na cabeça.
Um ambiente certamente estranho, mas não destoante. De algum modo, tudo ao redor traz uma estranha harmonia para toda a cena, como se fosse algo normal, corriqueiro, de alguma forma.
As casas da vizinhança que cobrem as laterais da rua estão tão quanto ou até mais destruídas que o instituto.
E então, em meio a todo o silêncio que tomava conta do lugar, a porta de madeira se abre para dentro num estrondo. Uma mulher passa por ela correndo, e então volta e a fecha, forçando seu corpo contra. Depois de um tempo de costas para a entrada, olhando para frente e com um olhar petrificado e expressão de horror, a jovem se deixa deslizar pela porta, se sentando no chão de pedra da base final da escadaria.
A moça tem pele branca, um rosto bonito com feições finas, porém fortes, e cabelo castanho escuro em um rabo de cavalo. Ela veste um jaleco branco marcado com a mesma sigla em cor verde que estava na placa do laboratório.
Ela coloca a mão na barriga com uma expressão de dor e então se torna possível perceber uma enorme mancha vermelha se espalhando naquela região. Logo, começa fungar e não demora muito para que lágrimas comecem a fluir em suas bochechas.
— Merda! Não era pra ter sido assim! — Ele reclama, apesar de estar chorando sua expressão é de revolta, e não tristeza.
Em meio ao choro, a moça puxa de dentro da camisa um colar relicário e o abre. Encarando uma foto de um rapaz irreconhecível devido a uma rachadura presente na lente de vidro do colar, a única coisa clara é que ele está sorrindo na foto.
Ela não se importa com a rachadura, e as lembranças felizes de certo tempo adentram sua mente, a fazendo chorar ainda mais. A moça franze os lábios tentando suprimir aquela sensação, mas não consegue.
Enquanto segura aquele colar, o pressionando contra o seio, a jovem relaxa as costas na porta, e nesse momento, um enorme impacto é jogado sobre ela. Grunhidos e gritos estridentes começam a ser ouvidos de dentro da construção. Um barulho animalesco e sobrenatural.
Os empurrões aumentam a cada segundo que passa. Estalos saem da porta, mostrando que ela está para se partir.
A garota estremece, pois sabe que mesmo que a porta abra para dentro é possível que ela se quebre com os impactos, e ela tem consciência que nesse momento ela não será capaz de fugir das coisas que estão lá dentro.
Seu choro começa a piorar, a revolta em seu rosto sendo transformada em desespero.
— Merda! Merda! Merda! — Ela repete para si mesma enquanto se força ainda mais contra a porta.
Logo, ela finalmente percebe os dois soldados caídos em frente às escadas e seu rosto desesperado se torna pensativo. Depois de um tempo ponderando, outra pancada a acorda e a lembra de que não possui tempo para entrar em pânico.
Ela funga, já que não consegue respirar fundo com seu nariz cheio de ranho, e então puxa todo o ar que consegue com a boca e logo em seguida o expira.
A mulher pula e desce as escadas correndo, sem pestanejar, pega um dos fuzis que estava largado no chão e corre para frente da porta. Uma saraivada de tiros foi disparada em direção à porta. Os gritos aumentavam, mas eram abafados pelo barulho dos disparos. No rosto dela, uma calma estranha.
Logo, os cliques produzidos pela arma confirmam para a garota a ausência de munição. A arma desliza de sua mão, caindo no chão enquanto seu cano esfumaçava constantemente. Respirando fundo, a moça recua um passo. Ela encara a porta com atenção e medo por meio minuto.
Nenhum barulho.
Sem tempo a perder, ela corre abaixo das escadas e alcança o segundo fuzil.
Voltando à frente da porta, ela põe a mão na maçaneta encarando-a enquanto sua frio e tenta construir alguma confiança para entrar no edifício. Depois de algum tempo ali, naquela posição, ela finalmente empurra a porta.
Pela abertura, é possível ver o chão do interior da construção. Um amontoado de corpos do que parecem ser humanos – já em estado de decomposição – com mutações aterradoras. Pessoas com olhos e membros a mais e diversas outras deformidades.
Ela caminha por cima dos corpos, os pisoteando como se não fossem nada além de parte do próprio chão, e então a porta se fecha sozinha atrás dela, encerrando a visão que se possuía do interior daquele lugar.
Passam-se alguns minutos em silêncio e de repente uma sequência de disparos é ouvida de dentro do local, junto a mais grasnados animalescos e estridentes. Mais alguns minutos e outra rajada é escutada. Mais gritos podiam ser ouvidos de dentro, alguns até mesmo sobressaindo o barulho dos disparos.
Após isso, tudo volta ao silêncio.
A paz retorna àquele local.
Passam-se segundos, minutos, horas.
Nada saiu por aquela porta.
...
Embaixo dos destroços de uma ponte qualquer, está um rapaz. Ele veste uma camiseta preta, uma calça do exército e um coturno preto. Em seu pescoço há um colar do exército(dog tag).
Sentado no chão recostado à pilastra da ponte ele escreve algo em uma pequena caderneta, pouco maior que sua mão. A cena exala um sentimento de solidão, mesmo sem que o rapaz diga ou expresse qualquer coisa.
O rapaz tem um rosto quadrado e jovem – Por volta dos vinte e poucos anos – um cabelo curto e preto ondulado, sobrancelhas grossas e uma barba em estilo Van Dyke. Seus olhos são castanhos escuros. A sujeira de seu rosto o escurece ao mesmo tempo em que reforça – de alguma forma – sua aparência máscula e também triste.
Ele termina de escrever e começa a olhar de maneira reflexiva para o rio à frente da pequena porção de terra em que ele se encontra de maneira pensativa, clicando repetidas vezes com o fundo da caneta contra o caderno.
Mesmo com pouca expressão sendo mostrada, é perceptível como ele está alheio naquele momento, relembrando memórias antigas. Como se a profundidade do rio que estava observando refletisse a profundidade daquilo que estava sentindo. Talvez... Dor?
Em letras cursivas, marcado no caderno:
"Para Léa...
Na vida, a luz que me afastava da morte. Na morte, a luz guia de minha vida..."
— Ghuaaarrr — Um bramido em tom baixo, rouco e gutural vindo do lado esquerdo do rapaz o acorda de sua melancolia e pensamentos profundos.
Ele se vira por reflexo e encontra a fonte do barulho. Uma visão horrível.
A parte superior do corpo de uma pessoa e que claramente está em decomposição. De alguma forma, essa coisa ainda se desloca, arrastando suas tripas e vísceras – já podres – pelo caminho. Um som estranho sai de sua boca, uma espécie de gemido misturando agonia e dor.
O rapaz encara e ergue as sobrancelhas em surpresa. Quando a coisa o percebe, abre a boca, metade carne pútrida, metade ossos quebrados. Ao fazer isso, aquilo estende um dos braços – totalmente desfiado em carne que estava roxa de podridão e ossos quase enegrecidos pelo mesmo motivo – mas não parecia que ele planejava pegá-lo. Era mais como se ele estivesse... Apontando.
— Hiiieeeeeeeeeeeeeeeeeee- — Um grito estridente sai daquela criatura deformada. Parecia um chamado vindo direto do inferno.
Com um rosto assustado, o rapaz puxa um facão que estava ao seu lado e acerta o pescoço daquela coisa, e a cabeça daquilo sai voando com o impacto daquele facão cego.
O grito da criatura cessa subitamente, e o rapaz o encara respirando um pouco profusamente com um olhar fixo e rangendo os dentes em sua boca fechada.
Ele reflete por um momento, antes de suspirar rispidamente olhando para aquela carcaça no chão e se levantar.
— É André, você tá enferrujando... — Ele reflete recolhendo suas coisas em uma mochila no chão.
Sua mochila é verde escura e possui um brasão na frente, com palavras marcadas em volta dele. 'EXÉRCITO BRASILEIRO', é o que está escrito .
O rapaz então pega seu facão e começa a retalhar o corpo no chão. Depois de repartir bastante daquele cadáver, ele começa a espalhar seu sangue podre sobre suas roupas. Em seguida, pega um punhado de poeira do chão e a espalha sobre seu rosto.
Sua inexpressão não treme sob nenhuma circunstância, como se estivesse acostumado a fazer isso. O ambiente sujo e nojento, agora parece ainda mais harmônico para com o garoto que mais parece parte dele que qualquer outra coisa.
Logo, o rapaz sai de baixo da ponte, deixando para trás nada além de um cadáver retalhado e uma poça de sangue podre e negro que fluía morro abaixo em direção ao rio. Acima do corpo, na parede do pilar de suporte da ponte está gravado com tinta branca:
"Mas aquele que perseverar até o fim, esse será salvo.
Mateus 24:13"
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