Chereads / When The Weather Is Fine / Chapter 1 - 秋 (Aki) - Cidade Natal

When The Weather Is Fine

🇧🇷Seokyyo
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Synopsis

Chapter 1 - 秋 (Aki) - Cidade Natal

Mal posso recordar à última vez em que estive neste lugar. Há dois, talvez três anos, no fim não me recordo por nada. Mas após tanto tempo ainda sinto que não pertenço a este lugar distante do que um dia já foi imaginário comum.

Caminho em direção à imagem inquebrável da eterna chama solar, avermelhado o seu brilho se encontra em um dos poentes mais marcantes que já presenciei. Sem dúvidas a magnitude deste lugar consegue permear as barreiras em meu peito.

Talvez seja pela época, mas não me lembro dessa margem arenosa tão movimentada, fora as emoções translúcidas que esboçam diante a visão do poente. Alguns sorrindo, outros em lágrimas, mãos dadas e os solitários, abrangente de fato.

"Pensar termos de vir aqui para se encontrar, traz aperto e solidão ao meu peito."

Essa água turva… sempre disse o quanto ela parecia comigo e pensar que no final eu lhe daria razão para tal argumento. Sobre o solo coloco a flor de tonalidade rubra, uma memória a qual sempre compartilharemos.

O assobio oculto percorre a minha audição, instigada busco a sua direção e pelo vento revolto sou surpreendida, alçada aos céus percorre os seus caminhos. A persigo com o olhar e a vejo cair nas águas, a mão mais ágil agarra o objeto evitando a sua partida súbita. Os lábios mais carnudos abrem um sorriso que logo some perante o brilho do poente.

"Tão escura quanto à própria noite que te consola", sua fala me atrai a atenção, e com um sorriso sua figura surge. Como podemos sempre passar por isso, é quase um mistério. "A marca, pelo visto, não é... você."

E no dia em que voltei a sua imagem se apresenta, o olhar cintilante e a clara ingenuidade no sorriso… este homem não mudou nada, mas diferente dele mudei e muito com o tempo.

"Bem-vinda de volta a Shirawaka, Naomi.", a sua voz, este timbre neutro é o mesmo de sempre. "É estranho pensar… jamais pensei que iríamos ter esse momento de novo."

"A singularidade é algo indispensável quando se trata de nós. Acho que posso acreditar nisso agora."

Não sei se estou mal arrumada ou encantadora, porém esses olhos não deixam de fitar-me. De cima a baixo seus olhos castanhos consomem a minha aparência, esse sorriso de canto, parece que o seu instinto primitivo fala mais alto como nos velhos tempos.

"Pela expressão.", o homem gesticula a passar por sua face à palma. "Percebo que pensa em algo indevido, não mudou nada."

A imagem deste homem na minha frente enquanto estamos cercados por esses sons, pelo fluxo da água e por esse vento sibilante. Ele parece diferente do mesmo homem de anos atrás, mas o anel ao redor do seu dedo indica o contrário daquilo que um dia foi.

"Faz tanto tempo, anos passaram-se e parece que parou no seu ciclo, não mudou em nada. Continua bela como sempre foi.", esse sorriso, ele está feliz mesmo ou apenas curioso… eis a questão. "Fico feliz em ver que está bem."

Lentos são os passos dados na minha direção, é como se desfilasse fora dos palcos, a proximidade gera o seu toque trivial e com a boina prende os revoltos fios vermelhos abaixo do tecido.

Do seu bolso puxa um pequeno caderno, anotações creio eu, esse homem fortificou os seus hábitos curiosos.

"Eu sempre soube que seria assim, num poente magistral as nossas memórias seriam o marco do nosso reencontro". Após o ler fecha novamente o caderno. "Esse trecho faz-me acreditar que tudo tem um motivo."

"Hanzo." fito as folhas douradas dançarem no ar. "Realmente não perdeu o seu hábito."

"Difícil perder.", sem graça, demonstra um sorriso contido. "Bonito o cabelo… ouvi dizer que mudou o visual. Não pensei em vermelho."

"Obrigada, é uma cor única, mas sua era em breve irá sumir."

Breve fora o silêncio marcante, os seus olhos reclusos agora repousam sobre mim com o clássico olhar de quem deseja dizer algo que não deve.

"Eu não sei como dizer, mas espero que a sua mãe melhore. Nori informou-me que o seu quadro é grave."

"Não sabia que outros além da minha família estavam cientes disto. Aquela enfermeira não pode se conter por algum tempo."

"Takayama e Shirawaka são cidades pequenas e todos uma hora ou outra descobrem às coisas."

"Hanzo, se já acabou de falar, eu preciso ir."

"Ficará aqui por muito tempo?"

"O necessário apenas."

"Certo, se precisar de algo pode contar comigo."

"Sei. Agradeço a cortesia."

"Pode ligar para o meu celular também, o número é o mesmo desde sempre… eu não mudei desde aquela época"

"Entendo."

"Se cuida, Naomi."

Dou as costas e sigo dando ao homem um último vislumbre de minha face, Hanzo, vê-lo me faz pensar em como nada mais importa agora que tudo passou. Aquele tempo passou e jamais deve voltar, que suas memórias e lembranças fiquem para sempre presas no deserto de areia e que permaneçam sendo apenas um pequeno grão, ao menos assim não teremos mais aqueles problemas.

Adentro meu veículo deixando para trás a paisagem e tudo que a rodeia, estrada acima percorro meu trajeto cruzando a pista envolvida pelo mar de árvores douradas. Distante da civilização como costumava dizer no passo enfim chego ao meu destino, está casa isolada de tudo e todos neste lugar. O alto da colina me agracia com a vista da cidade, mas mesmo daqui percebo o quanto sua mesmice permanece. 

Cruzo o grande portão estacionando diante da casa que mostra pelo menos um melhor reparo, o dinheiro para manutenção de fato foi bem gasto ao longo dos anos.

Desço e pelo olhos a qual tanto evito sou recebida, não sei, mas apenas de olhar para ela, sinto como se fosse morrer. A enfermeira de quinta presente como nunca.

"Nori."

"Chegou mais cedo que nosso pai, bem, de qualquer forma terminei o que vim fazer."

"Então era você quem estava realizando os preparativos? Nori Minamoto, a bastarda."

"Sim, fui eu" seu olhar… não esboça expressão alguma. "Algum problema com isto Naomi Minamoto, a filha problemática."

"Pensei que evitaria vir aqui." como ela pode ousar me encarar quando somos tão diferentes uma da outra… "Costumava odiar a esse lugar."

"Acredito que já saiba o motivo de estarem aqui, portanto não irei me prolongar." o verde tão escuro de seus olhos… como pode ser semelhante. "Aproveite sua estadia e sem arrumar problemas."

"Claro, e que bom você já estar de saída, todo o mísero segundo que compartilhamos no mesmo ambiente gera revolta em ambas." 

"Encerremos por aqui. Somos adultas o suficiente para deixarmos esses problemas no passado, ao menos uma de nós tem que ser."

"Espera!" seguro a manga de seu casaco antes que pudesse passar por mim. "Como ela está?" sou calada por seu olhar frio.

"Não, não termine a frase, pois sei onde vai chegar, vá ao hospital e veja com seus próprios olhos."

"Rude."

"Não, coerência. Ruge que ela não é minha mãe, porém, demonstro ser uma filha melhor do que você foi."

"Tanto faz."

Nós três sempre fomos assim ou só passamos a se repelir agora que tudo mudou? Nori, Nana e eu, todas no fundo… tanto faz, talvez eu esteja pensando demais em coisas indevidas. Rompendo meus pensamentos, seu veículo percorre o lugar e antes até estacionar ao lado do meu.

"Não pensei que levaria uma hora para chegar aqui."

Ao lado de Nori observo seu descer do veículo, com o apoio de seu motorista que se apresenta a nossos olhos. E com um típico sorriso de pai surpreso se aproxima, mais rápida toma partindo indo de encontro a ele o abraçando como se nunca tivesse o visto que irritante.

"Não gosto de pensar, mas usar essa cadeira realça meu medo."

"A idade atinge chega para todos os seres pai" a filha perfeita, quem dera tivesse sido assim antes. "Mas aqui terá nosso apoio."

"Nori não está errada desta vez. Fiquei e descanse, posso assumir sozinha."

"Sei do seu potencial, mas também está doente, talvez tanto quanto eu." aponta para meu peito, meu coração não está doente. "Talvez precise estar aqui tanto quanto eu, Naomi."

"Ainda é o mais debilitado pai, deixe que nossa rebelde mirim tome conta. Fará bem a cabeça dela, ficará ocupada, e se acontecer algo, tenho certeza de que aprenderá."

Esse olhar ele faz-me calar, Nori sua cobra, espero que nossos encontros sejam mínimos… soa graciosa diante dele, mas fora isso é este ser.

"Pai, desculpe não poder ficar, tenho trabalho."

"Entendo Nori, pode descansar por aqui e aproveitar que possuí seu quarto. Este é seu lar também." seguro sua mão, no fundo, somos iguais não é, irmãs apesar de sua progenitora diferente. "Amanhã irei até o hospital, talvez possa auxiliar você. Como está sua mãe?"

"Ela está com o mesmo quadro de sempre, não alterou, de qualquer forma será bom para ela ver sua filha." os olhos escuros recaem sobre mim, é quase como se estivesse pronta para me humilhar… "Espero que em breve possa realizar tal vontade."

"Sim, se ela não me expulsar primeiro."

"Disse ser a filha preferida, certeza que possuí um plano para contornar essa situação."

"Tenho, e se chama não ir, fui a filha mais próxima e a que mais se tornou rejeitada por conta de uma…" vê-la assim faz meu peito arder. "Você não estava lá, não entende e tão pouco sabe de algo."

"Como você disse, eu estava longe e diferente de você, eu nunca fui a favorita por meus transtornos familiares. Agora, se terminou de cuspir fatos que julga importantes, irei embora."

"Parem às duas, deixem de briga, este momento preza pela união e não separação de vocês."

"Estou partindo pai, aproveite que está aqui e ligue para Nana, tenho certeza de que ela irá se alegrar de ver o senhor. Ao menos ela se importa com o elo de nossa família."

"Irei minha filha. Tome cuidado na volta a Takayama."

Não entendo como pode ignorar o que nossa mãe fez, como você e Nana podem, ela destruiu nossa família e vocês ainda assim permanecem ao lado dela como se fosse nada. Amando suas imperfeições e ignorando o fato de quase ter… o toque sobre minha mão dispersa meus pensamentos.

"Calma, não precisa brigar com sua irmã, ainda acredito que consigam voltar ao que eram antes de minha morte."

"Isso parece impossível, algo distante da nossa atual realidade."

"Sei que vão conseguir resolver tais problemas, são minhas filhas em primeiro lugar e sabem o quanto prezamos pela disciplina."

Deixo sua cadeira para trás, a gentil e risonha se aproxima com essa expressão de amor, esse "casamento" mais dificulta que ajuda.

"Precisa ser mais branda com suas palavras, criar um estresse por pequenos atritos como esse não resolverá nada, entende o que quero dizer certo?"

"Sim. Duvido que funcione, mas é sua ordem."

"Será por pouco tempo, no máximo até o final de janeiro."

"Entendi… não me resta opção pelo visto."

O risonho toma sua cadeira… posso sobreviver… pouco mais de dois meses.

"Tenho certeza de que Naomi fará, é sua mãe, claro que irá ao seu encontro."

Seu sorriso é tudo que vejo antes de entrarem na casa, logo atrás sigo ignorando tudo e todos subindo para o único lugar que de fato me pertence neste lugar. Meu bastião imortal, o quarto no final do corredor no quarto andar da casa, inóspito, entro e por suas cores sombrias meus olhos são alvejados.

Deixo minhas malas frente ao armário e sobre o colchão repouso meu corpo que afunda em sua macies perfeita… talvez eu deva comprar uma casa em Takayama, ou um apartamento, não sei se aguento viver neste lugar por muito tempo.

Agora que percebo tudo parece tão calmo, sinto o pesar de minhas pálpebras e no lapso de fecham à luz do mundo. Esse som distante do tocar de sino, soa como aquele dia onde meu mundo ganhou um tom de cor novo.

Passado — (27/08/2004 — verão)

O brilho solar ilumina minha face, cortês o Bento suave sopra cada centímetro de meu rosto refrescando-me. Pela azaração graciosa tenho os fios escuros alçados ao céu, esse comprimento, preciso cortar ele para evitar essas situações. 

Pelo ar sinto a fragrância de cada jasmim depositada nos vasos de porcelana, é impossível não se sentir no paraíso diante de tantos eventos naturais.

Esse tempo de verão, apesar de não ser meu favorito, é sem dúvidas um dos mais belos, fora a beleza dos campos de pessegueiros recém-desabrochados. É tão lindo!

"Porque nunca fica assim, tudo tão calmo."

O som agressivo, acabou, viro-me em sua direção e de novo esses três, se não fosse por eles nossa sala seria mais tranquila. Risonho o morango entre eles se aproxima de minha mesa, sem um pingo de educação senta-se sobre ela espalhando meus cadernos. Se não fosse proibido, eu derrubaria ele agora. O fito, esses olhos castanhos parecem sempre assim, tão raivosos e ignóbeis, talvez ele não seja um ser humano, mas sim um animal.

"Naomi. Sei o que está pensando e sim, aceito, nossas famílias vão se dar muito bem com uma aproximação dessa." cachorro… lidar com esse ser cansa. "Sou o mais interessante dessa escola e."

"Pode ficar quieto? Sério, estou com dor de cabeça e sua voz me irrita."

"O que disse?" se inclina, consigo sentir o cheiro de suor… ergo meu braço diante de seus olhos. "Uma pulseira, também possuo uma."

"Inferior à minha, felizmente, afinal alguém tão irritante precisa saber seu devido lugar e esse abaixo do meu, é claro, como um cachorro."

Sua voz se cala e o olhar parece que explodirá de tão vermelho. Um morango raivoso, é tão fácil provocar a raiva, inferior até mesmo nisso. Parece que chamamos a atenção de todos deste corredor, entre risos e cochichos estão, nada diferente do comum.

"Como bem sabe, não sou nenhuma louca que sairia com você, diferente das outras garotas, tenho cérebro." o vejo abaixar sua cabeça, aceitou a realidade. Abro um sorriso diante sua fraqueza. "Sou filha do diretor e da maior empresária desse país, acredito que esses olhos tão sedentos já tenham percebido nossa grande distância de poderes."

Raiva… agarra meu punho puxando-me de encontro a seu rosto, esse olhar fumegante, se não fosse pela ordem faria questão de mudar essa expressão com um movimento.

"Se garante muito com essa casta toda. Não é porque usa isso que se tornou melhor do que nós."

"Tem razão, não me tornei melhor, eu sempre fui melhor que vocês. Sempre estive acima de você desde que era apenas um embrião em sua mãe."

O badalar desperta minha mente deste encontro fútil de olhares, a mão vira-o para trás cortando nosso contato e o punho veloz golpeia a face… por essa eu não esperava, porém, admito, ver sua queda é satisfatório. Sorrio apesar do espanto em meus olhos, essa figura nova, Hanzo?

Seu olhar de surpresa, perdeu a raiva e agora está diante do medo de ser atingido por um desconhecido… o rosto que tanto se orgulha em humilhantes brincadeiras que deixam desconfortáveis as estudantes do primeiro ano agora esbanja um roxo tão impecável.

" Que merda!" seu grito cessa no segundo em que ambos se encontram com os olhos. "Hanzo."

" Eu disse que se fosse pego importunando alguém não iria na direção. Tome como minha resposta para sua pergunta."

Seus punhos cerrados e essa vontade… ele não era ninguém tão importante na ficha, porém ainda assim não teve medo de enfrentar, interessante, essa pessoa que aqui se apresenta. Se antes falavam de nós, agora tenho certeza, esses cochichos vão me gerar problemas grandes.

Seus amigos surgem dentre o coletivo de pessoas e em covardia seguram Hanzo pelos braços, debatendo-se busca fuga, mas em vão, fugaz, o audacioso se levanta e o golpeia no rosto.

"Ei!"

Deslizo minha mão sobre seu ombro, raivoso se volta para minha presença como um cão prestes a morder. Esse ser não sabe quando parar, antes que pudesse ter como foco Hanzo acerto sua face, seu corpo balbucia para trás caindo sobre as mesas derrubando algumas em seu caminho ao chão.

"Garoto." me aproximo ignorando os dois inúteis que logo o soltam sob o piso. "Está bem?"

O pigarro desperta minha atenção… agora o problema realmente começa, para a sala do diretor mais uma vez nessa semana.

Presente (30/11/2020 — outono)

O esfriar percorre minha pele e perante seu iminente toque sou obrigada a despertar. De vestimentas troco vestindo algo mais quente.

Deixo o cômodo e sigo pelo corredor descendo os andares deste lugar, como nos velhos tempos, eu e minha solidão numa caminhada noturna por esta vila pequenina.

Apagado pelas sombras e marcado por sua elegância, este primeiro andar, sigo em direção à saída. Como uma mariposa, sou alçada pela curiosidade oriunda de um pequeno lampejo de luz ao final do corredor que leva a biblioteca.

Vou de encontro a porta e pela brecha deixada observo seu empenho entre os livros e escrituras empoeiradas. A brisa mais forte em um golpe desleal revela minha presença com o súbito escancarar da porta.

"Pensei que estivesse dormindo, não é como se fosse bom o senhor estar acordado." adentro a sala com um fraco sorriso em face.

"Preparando às provas finais, serão em pouco tempo, após a reunião com as novidades para o planejamento anual."

"Deve parar pai, está velho demais para isso."

"Não, essa é uma responsabilidade a qual não posso fugir enquanto viver. Por arriscar fugir pagou o preço em meu lugar."

"Um casamento não foi tão ruim, e logo estarei livre de qualquer forma… no máximo serei uma noiva violenta a qual essa sociedade não estava preparada."

"Esqueça isto, irei parar quando ver que está pronta. Por hora foque no que devemos fazer aqui. Sua mãe, amanhã cogito ir vê-la."

"Fiquei com Tamayo, ela disse que cuidará de você por gratidão e goste eu ou não Nori também pode… esqueça de vez minha mãe e viva sua vida."

"Por favor Naomi, não seja tão dura, fora que está história é algo nosso que devemos resolver."

"Pai, não vou perdoar ela, sua fraqueza causou todo o problema que nos rodeia" tomo a cadeira em sua frente. " Ela cravou cicatrizes em mim que não posso desfazer."

"Precisa ser mais branda com a vida caso deseje assumir meu posto em sucessão direta."

"Apenas não quero que sejamos massacrados de novo, meu avô, não posso negar seu poder na família. E se ele intervier e colocar algum outro neto que apenas usufrui de seu dinheiro em outro país? Não posso perder a cadeira."

"Esqueça seu avô e pense se é realmente isto que deseja. Não terá vida, não uma como espera aí dentro."

"Eu me casei com aquele homem e aceitei tudo de bom grado, sem reagir, agora quero os frutos amargos dessa escolha… pai não me impeça, isso é tudo que peço. Já me tiraram tudo que eu tinha uma vez, não façam de novo."

" Não irei se está for sua decisão pessoal e não algo que fez pelo calor do momento."

"Preciso assumir quanto antes, não tenho tempo a perder."

"Quase morreu. Escute o que diz."

"Pai, foi pelo bem do senhor e isso não dói mais como imagina, agora precisamos focar no futuro e não nesse passado tortuoso."

"Esqueça esse assunto, apenas me prometa que irá amanhã comigo."

"Eu não tenho opções, estou aqui, então terei de ir vê-la quanto antes para enfim acabar com essa ideia de mãe perfeita."

" Não volte tão tarde para casa jovem, lembre-se que amanhã terá um dia cheio."

"Não irei voltar tarde. E você descanse pai, não está mais tão jovem quanto pensa estar."

Deixar tudo para trás e enfim seguir, essa deve ser minha primeira opção. Sigo caminho andando pelas curvas mais distantes da cidade, minutos, talvez uma hora, não sei ao certo, apenas percebo que andei ao me deparar com a visão do lago sombrio em minha frente. Caminho em direção à margem, sinto a areia se prender nas solas de ambos os pares de tênis.

Me lembro das noites em que vivíamos aqui, pareciam ser eu e você contra o mundo. Pegar-me pensando às vezes sobre isso, me faz ver como ainda sou incapaz de compreender o motivo que trouxe nossa separação, mesmo após tantos anos tendo se passado.

Tomo na areia meu lugar sentando-me diante da paisagem que me remete o passado entre nós. Pessoas ingênuas de fato, quem sabe um dia possamos perdoar aquele incidente e seguir.

Eu não gosto deste lugar e tão pouco sinto empatia por todas as pessoas que aqui residem, entretanto, não nego que estar diante dele, desse lago sombrio que apenas reluz vazio me transporta ao semelhante que carrego aqui dentro… um inexplicável e semelhante vazio.

"Não digo que voltaria ao passado, porém não nego desejo em alterá-lo por você."

Fecho um punhado de areia em minha mão e o despejo ao vento assistindo seu partir. Droga, sinto a luz atingir meus olhos, quem… merda. O brilho se apaga, quem foi o infeliz que fez isso ah! Você, de todas as pessoas justamente você e sua incrível curiosidade.

"Desculpe quase te cegar, Naomi" estende a mão, um lenço? Tanto faz. "Pegue, pode usar para limpar as lágrimas."

"Obrigada, o que faz aqui nesta hora tão incomum? Arrumando alguma vítima para matar?"

"Mato apenas personagens e não pessoas, mas não, estou aqui de passagem como costumo fazer em noites que penso mais do que deveria." vejo o sorriso se formar em seus lábios. "Você, não deveria estar aqui, está um pouco distante de casa."

"Minutos de distância apenas, agora eu não esperava encontrar você aqui. Que me lembre mora do outro lado da colina, você, sim, leva mais tempo. Afinal, Takayama não fica tão próxima."

"Me pegou." Ergue seus braços em rendição, tão engraçado… fito o lago. "Assim como você vim prestigiar a imagem deste lago. Ele acalma os pensamentos. Me faz lembrar do passado."

Noto o suave balançar da brisa nas águas, movendo lentamente a mesma em suaves ondas tão pequeninas que em choque a margem se quebram como vidro. Ao redor do lago o suave desabrochar as pétalas roxas que junto do vento dançam revelando um pouco de seu interior.

"Logo mais será inverno, na noite de transição teremos o festival purpuro. Espero que a neve não atrapalhe."

"Festival purpuro." o sorriso suave, os lábios bordados e olhar tomado por lágrimas… essas imagens me lembram você.

"Ficará para ele?" Sua fala quebra meus pensamentos. Sou recebida de volta por seu sorriso. " Neste ano minha família em comum acordo com o prefeito decidiu armar decorações por todo o parque. Takayama ficará linda, encerraremos despejando as lanternas sob as águas mais próximas à colina."

" Sua família? Pelo visto aceitou que mudou de vida."

" Precisava, meu mundo mudou bastante após aqueles dias de inverno."

"Aqueles dias de inverno, meu mundo muito ali."

O vejo sacar um maço do bolso, o objeto branco vai aos lábios e com a proteção de sua mão o isqueiro emite as chamas vermelhas queimando em segundos o objeto. A tragada suave é seguida pelo baforar da fumaça ao ar que dança como névoa pela manhã.

"Costumo arejar os pensamentos aqui, nesse vasto e sombrio lugar, cheio de beleza e tristeza como toda vida." esse sorriso, ele mudou, parece que até mesmo o imutável se rende ao tempo que percorre uma vida. Tomo ar e digo. "Não vivo mais aqui, estou vivendo em Tóquio agora. Estou de passagem por Shirakawa, visitar a família. Ao menos é agradável."

"Agradável?" Continua estranho. "Este lugar pode ser tudo, agora agradável não faz muito sentido."

"Não está fazendo o mesmo aqui? Afinal, o que motivaria alguém a vir até aqui se não fosse por isso?"

"Sendo sincera, nem mesmo eu sei o que estou fazendo aqui."

"Viu, é um lugar estranho que te atrai através da mórbida beleza que possui."

"No fundo, tem razão."

"Naomi, quer tomar um café?" seus olhos castanhos me fitam, não é um olhar claro ou ao menos limpo. É seu velho olhar de dúvida e receio. Não mudou muito. "Aqui perto existe uma ótima loja de conveniência, apesar do horário ela se encontra aberta."

"Quem beberia café a essa hora?"

"Pessoas como nós que não conseguem dormir em paz."

"Não tiro sua razão, tem, sim, seu sentido."

"Podemos ir então? Prometo não te conduzir nessa bicicleta" a vermelha e mortal bicicleta. "Isso não é uma bicicleta e sim uma armadilha sob duas rodas."

"Hoje não Hanzo, agradeço o convite, mas ficará para outro momento mais oportuno do que está madrugada."

Se eu conseguisse dizer "sim" isso não acabaria bem, a palavra de três letras seria a ruína que falta aplicar em minha vida. Não que tenha sobrado muita coisa que reste para destruir.

"Amanhã terei afazeres no centro da cidade, Takayama me reserva algo de novo. Talvez possamos nos esbarrar por lá."

"Tem razão, nunca se sabe o que pode acontecer."

"Até mais, Hanzo." deixo para seus olhos atentos uma última imagem de meus lábios risonhos. "Até um próximo momento."

Fez-me lembrar daquele sonho, ou melhor, o final daquele fatídico dia de outono onde pela primeira vez em anos trocamos palavras e não apenas olhares perdidos na multidão.

Passado (27/08/2004 — verão)

A palma afaga o queixo marcado pela vermelhidão, um bom soco, mas pelo menos não é ele o derrubado na sala. As veias de seu braço saltam para fora, suor percorre sua testa e eu não duvido nada de sua mão estar coberta de suor.

Os dedos se pressionam e logo o estalar ecoa pela sala, tudo vale quando se está assustado, não julgo, entendo seu lugar melhor do que ninguém.

"Parabéns pela loucura segundo ano." seu olhar perdido vai de encontro a minha face. "Hanzo Tokito, parabéns pela entrada surpresa e o soco bem colocado." replico seu movimento.

"Seria errado ignorar." poderia já que no final eu teria derrubado ele de qualquer jeito.

Calando o assunto entre nós dois apenas com sua presença, o diretor, armado de sua elegância e força, se apresenta. Na poltrona se senta tomando nossa atenção.

"Não existe necessidade disto, diretor Minamoto, eu assumo total responsabilidade sobre o ato deste jovem." aponto para Hanzo, não posso deixar ele levar a culpa, já basta Murano no dia anterior. "A agressão dele foi para minha defesa, não passou disso."

"De novo?"

"Sim, de novo." não queria fazer isso, mas, curvo-me diante de seus olhos. "Peço desculpas por minhas repetidas ações falhas."

"Levante-se, por favor, vocês dois, irei ignorar punições agora, mas não esquecerei do que fizeram hoje e jovem Hanzo, troque de vestimentas, estão sujas demais para ir à aula."

"Pegarei outra camisa."

"Diretor, se me permite quero acompanhar Hanzo, devo-lhe uma camisa." dessa vez não ficarei aqui por muito tempo. "Por sua atitude em prol de me auxiliar que ele terminou neste estado, o correto seria eu o acompanhar como um pedido de desculpas pela minha atitude."

"Esta dispensando Hanzo, agora você" seu olhar recai sobre mim. " Ficará depois da aula e fechará a escola como punição. Será uma grande auxiliar dos professores na organização das avaliações Naomi Minamoto, presidente do conselho estudantil."

"Obrigado diretor." Hanzo também se curvou, uau, isso é novo para mim. "Jamais esquecerei de sua bondade."

"Não se preocupe, garoto, agora vão, tenho outros assuntos importantes."

O corredor vazio agora se torna nosso caminho, nunca pensei que este silêncio fosse ser tão tortuoso… que tédio. Sem dizer uma palavra, adentra o banheiro ignorando minha presença por completo, que audácia!

Abro a porta e adentro o lugar, não é ruim como pensava, vejo o audacioso limpar a camisa na pia do banheiro. Seu corpo ausente da peça revela a beleza natural de sua pele e na altura do ombro uma cicatriz… o que será que houve com ele.

"Por que está aqui dentro?" vejo rubor tomar conta de sua face.

"Primeiro, por que, quem diz sou eu! Você não cobrou uma camisa, dinheiro ou algo de valor para repor. Por que só não faz isso?"

"Por que faria isso? Não tenho necessidade disso, me viro com o que possuo." apesar da situação o vejo abrir um sorriso.

"Espere aí."

Veloz deixei o banheiro, de relance percebo as sombras, parece que fui pega… tanto faz, não sei o motivo ou a causa, mas essa situação me deixa alegre e descontraída. O armazém, abro sua porta e lá dentro recolho uma camisa, esse parece ser seu número.

Deixo o lugar e corro de volta para o banheiro, pelos corredores curiosos me fitam, certeza que questionam o motivo pelo qual estou assim. Não julgo, também estaria curiosa, deixar a elegância desta forma não é comum.

Paro e respiro diante da porta do banheiro, mas por sua mão sou interrompida e silenciada. Ela tem razão, quero dizer, seu olhar, essa íris púrpura sabe como convencer sem que uma palavra seja dita. Juntas seguimos para a sala do conselho, mas não posso deixar de questionar como ela sabia que estaria aqui e se ele continua sozinho lá dentro.

"Espero encontrá-lo em outra oportunidade."

"Aquele garoto, não é para você."

"Murano, ninguém além de você é ideal, a única que suporta meus devaneios é você." pego sua mão. "Nós somos o casal perfeito e você sabe disso." esboço um sorriso ao vê-la sorrir. Os tons rosados que suas maças ganham, perturbá-la é sempre divertido.

Entrelaço nossas mãos, boba, vejo seu iminente corar. Como pode ser tão fofa? Na sala de aula apenas me sento ao seu lado e sigo com a palpitação inquietante em meu peito. O badalar do sino interrompe meus pensamentos, que aula tediosa, ser filha do diretor tem seus pontos ruins. História pode ser minha favorita, porém nada além dele desperta meu interesse nesse momento.

"Eu vou para a reunião do conselho, pode ficar e descansar." seu sorriso claro, ela é tão linda que parece injustiça. Às vezes me pergunto como será minha vida quando ela decidir me abandonar.

"Claro, rainha, obrigado e prometo te cobrir da próxima vez."

A vejo deixar a sala, abaixo minha cabeça e o pesar das pálpebras me conduz ao breu que pelo badalar do sino se desfaz. Observo o relógio, cinco horas? Estou há quarenta minutos dormindo, Murano vai me matar. Recolho meu material, o vento sopra ditando as leias naturais pela sala e o arrebitar de cortinas revela sua presença estagnada com um livro em mãos.

Os olhos castanhos parecem tão calmos e centrados, tão diferentes da expressão que presenciei do garoto que conheci mais cedo nesta mesma sala. A imagem que percorre o céu ilumina seu rosto, parece que tudo combina com este aluno do segundo ano.

"Me perguntou mais cedo o motivo de não pedir nada, fiquei com essa dúvida em mente e posso responder agora caso interesse." sua voz perdeu-se no mar da suavidade, nada semelhante ao Hanzo de antes.

"Eu até tentei entrar, mas fui impedida…" o olhar recai sobre mim, ele é diferente. " Continuo interessada."

"Não fez nada, apenas assumiu uma culpa que deveria ser minha. Sou grato pela sua atitude, não me deve nada. Na verdade, eu sinto que estou na obrigação de pagar algo a você." o fechar do livro, esse olhar difere dos quais me acostumei. "Me diga o que deseja e eu farei."

"Neste caso, tenho algo em mente." de minha bolsa, retiro a camisa levando-a rumo aos seus olhos. "Aceite isso como um pedido de desculpas por envolver você nessa briga minha."

Aproximo-me com um sorriso em lábios, ele não parece ter medo de minha presença ou recuar, Hanzo é no mínimo interessante, o mais próximo que alguém já chegou comparado a ele.

"Obrigado por me defender do Sora. Acredito que ele não irá mais incomodar, e agora quero me desculpar por fazer com que você se metesse nisso."

"Fiz porque desejei, não acho justo uma discussão como aquela."

"Aceite isso." coloco a camisa contra seu peito, obrigando-o a agarrar ela. "E a partir de hoje, caso não seja muita intromissão minha… quero conhecer você, foi o primeiro que fez o que jamais imaginei."

"O que eu fiz?"

"Não me pediu algo em troca, é algo novo para mim. Aguçou minha curiosidade com essa atitude… enfim, espero conseguir vê-lo com mais frequência Hanzo Tokito, aluno do segundo ano."

Presente (30/11/2020 — outono)

Diante deste espelho escovo meus fios, a escova dança pelos longos vermelhos. Está na hora de mudar e voltar ao original que sempre me pertenceu. Porém, agora que penso sobre isso, por que, justo hoje precisei encontrá-lo e justo agora essas memórias guardadas voltaram.

"Naomi… de tantas coisas no mundo que poderiam ter acontecido, justo ele." deixo de pentear meu cabelo. "Mesmo após tantos anos, após tanto silêncio, talvez devesse questionar ele sobre aquele dia, aquele fatídico dia onde retirou de mim. Onde retirou de minha vida a sua presença."