A jovem saiu andando sem dizer mais nada até chegarmos em minha casa, a garota parecia familiarizada com o local como se de certa forma, já estivesse lá antes. Eu tinha a estranha sensação de já a conhecer também e algo me dizia para não confiar nela, essa sensação ficou mais forte depois que a garota caminhou rumo ao meu quarto, seus passos eram rápidos e certeiros como se não tivesse mais tempo para nada, os degraus da grande escada em espiral que enfeitava o fim do corredor escuro rangiam anunciando sua localização, ao terminar de subir a mesma me chama para seu encontro na porta do meu quarto.
— Vamos, eu não tenho o dia todo entre logo para que eu possa entrar também! — A garota diz enquanto batia freneticamente seus tênis vinho contra o chão.
— Tá bom, eu entro,mas depois quero que me diga quem você é — retruco entrando no quarto.
Ao entrar na minha caverna de ideias percebo que tudo está arrumado, as grandes pilhas de roupas que formavam um caminho até a porta, agora estão lavadas e penduradas nas araras presas a parede que foi pintada por lágrimas e desenhos que eu insistira em fazer por nenhum motivo absoluto, eram apenas linhas, que iam contornando toda a parede em espirais que sugam a melancolia humana junto ao cansaço do ser que ainda insiste em raciocinar o óbvio mesmo sabendo que a resposta é impossível. Os sapatos que antes quase se penduraram no teto, agora descansam milimetricamente alinhados a parede roxa fosca que abrigava uma estante de livros organizados em ordem alfabética e de tamanho, ao olhar para esta cena ficou clara minha insatisfação, toda a minha organização havia sido arruinada.
— Quem faria algo desse tipo? Eu não vou encontrar nada por aqui! — O meu desespero se tornava palpável de tão grande que estava.
— Eu tive muito trabalho para arrumar tudo isso,você é muito desorganizado e isso vai afetar o seu desempenho me ajudando — A garota misteriosa resolve falar interrompendo meu choque.
— E quem é você afinal? Você apareceu de repente e já foi entrando como se tivesse intimidade.
A minha pergunta causou um silêncio gritante no cômodo, que rapidamente foi quebrado por risadas vindas da dita cuja. A sua risada era de modo histérico como se ela soltasse toda a emoção reprimida dentro de si.
— Eu? Querido eu sou a Morte, eu sou a mosca que te persegue, sou sua sombra, não sou nada e sou tudo ao mesmo tempo — a mesma dá uma pequena pausa para recuperar seu fôlego que acabara de perder com as risadas — Eu sou, a que te espera em um sono eterno. — Ao proferir essas palavras a garota começa a mudar, seus olhos que antes eram claros agora assumem um tom tão negro quanto o vazio, seu corpo começa a crescer junto a roupas que apareciam em meio a uma névoa que a cobria por inteiro, em questão de segundos a morte assumia a forma que havia se apresentado a mim anteriormente.
— Bom, eu não vim para brincadeiras e você sabe muito bem disso, sabe o anel que você encontrou? O coloque, o seu trabalho começa agora.
— Tá bom,se você diz quem sou eu para discordar— Ao colocar o anel novamente o mesmo começa a brilhar e se prender no meu dedo causando uma leve queimação. — O que foi isso e por que queima tanto?
— Este anel será o responsável por capturar as almas e quanto a queimação já já vai passar, ele está apenas se adaptando ao seu corpo, e também é assim que ele avisa que a vítima está próxima de você. Agora vai, eu tenho férias para curtir e você almas para coletar — Ela diz desaparecendo novamente diante dos meus olhos.
A sensação de ter o poder da Morte em minhas mãos não era tão… Interessante quanto eu imaginava, era só um pequeno formigamento na palma da mão. Me arrumei rapidamente com roupas mais confortáveis e desci para a sala, chegando lá me deparo com a minha mãe cozinhando calmamente com uma aparência feliz, a aviso que irei sair e não saberia o horário certo para voltar e a mesma assente com a cabeça com um olhar de preocupação.
Saio de casa e ando pela cidade em busca da tal vítima que mal esperava pela visita da morte, o céu estava em tons de vermelho indicando o anoitecer, eu nunca havia visto o céu assim até por que não costumava abrir as cortinas do quarto em momento algum do dia. Ao andar mais um pouco sinto uma leve queimação no dedo indicando que a vítima estaria por perto, o que mais me chocava era o fato de ser justamente onde uma criança inocente brincava com suas bonecas, ao olhar para o garoto o meu coração aperta, ele era tão jovem para ter uma morte tão precoce, com muito receio me aproximo do garoto e lhe ofereço um pouco de pipoca que havia acabado de comprar. O garoto por sua vez me olha com uma alegria estampada no rosto aceitando e comendo a pipoca.
— Obrigado tio, o senhor é muito gentil, sabia?
— Muito obrigado querido, agora coma antes que ela fique esponjosa.
— Tá bom.
A criança com toda sua ingenuidade ingere aquele amontoado de gordura que envolvia um pequeno grão de milho fazendo com que um pedaço da película se prenda a sua garganta o sufocando.
— T-ti-o, m-me a-aju-da — O garoto me olhava na esperança de que eu fosse um tipo de salvador, mas tudo que eu fiz foi apenas olhar.
Olhar aquele garoto rolando no chão em busca de alguma coisa que o faça respirar novamente acaba me chocando fazendo com que eu volte a mim, ao me aproximar para ajudá-lo o mesmo já havia parado de se mover, ou melhor dizendo, de viver. Enquanto eu gritava desesperado por ajuda o corpo começou a tomar uma forma luminosa desaparecendo diante dos meus olhos enquanto ia em direção ao anel que havia mudado de forma para um pequeno dragão de olhos azuis celeste.
— Você foi muito bom para o seu primeiro dia, me arrepiei todinha olha — A Morte diz apontando para o próprio braço com um semblante orgulhoso — Agora vamos para a próxima vítima, você tem muito trabalho pela frente.
— Mas…
— Mas nada, tu vai e pronto.
—... Eu vou… desmaiar — De repente tudo ao meu redor começou a girar e a ficar cada vez mais turvo até o momento em que meu corpo é abraçado pela gravidade me levando ao chão com toda força.