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Chapter 3 - Outsider

Tons suaves da cor rosa começavam a preencher a cidade. As flores de cerejeira estavam indicando que a minha estação do ano preferida se aproximava.

Era a primeira primavera sem ela e a lembrança de nós duas juntas no Jeju Hueree Apricot Flower Festival do ano passado embrulhou meu estômago. Ele estava vazio já fazia um tempo, não por falta de dinheiro, mas porque eu sentia que ao comer estaria cometendo algum tipo de pecado contra os deuses.

Não fazia muitas horas desde que havia desembarcado no terminal rodoviário de Busan, meus braços já estavam começando a ficar doloridos e eu não pretendia parar de caminhar sem roteiro por agora.

Não fazia muitas horas desde que havia desembarcado no terminal rodoviário de Busan, meus braços já estavam começando a ficar doloridos e eu não pretendia parar de caminhar sem roteiro por agora.

A longa calçada se estendia a minha frente e eu mal conseguia enxergar o rosto de todas aquelas pessoas que passeavam ao meu redor. Minha visão começou a ficar turva e minhas bochechas molhadas de lágrimas.

Ela teria amado estar caminhando comigo em Busan?

O aperto em meu peito foi tão forte que precisei parar e tentar recuperar o ar dando batidas em meu peito. Eu não conseguia parar de pensar naquilo e por todos esses dias eu fiquei desejando ser uma pessoa que demora a cair na realidade.

O doce e confortável sorriso de Park Eun-seo parecia inalcançável, mesmo que eu tentasse perseguir, uma sombra escura impedia meus passos.

Como eu não pude perceber que ela estava passando por tanto?

― Vamos, Su-mi! – Falei para mim enquanto enxugava minhas lágrimas.

Forcei a continuar andando e cada passo parecia que partes de mim eram deixadas para trás.

Decidi encerrar a caminhada debaixo daquelas cerejeiras e ao lado de meninas que pareciam ter a minha idade aguardei o semáforo permitir a nossa travessia.

― Omo! Lee Ji-tae atualizou seu Instagram – A garota de cabelo castanho avermelhado a minha frente exclamou de surpresa.

― Meu Deus, como assim? – Sua amiga olhou para a tela do celular colando seu rosto ao dela – Eu daria tudo para namorar com ele.

― Não, nós duas prometemos que não ficaríamos com alguém que gostamos juntas – Respondeu.

Aquilo me fez revirar os olhos de imediato e agradecer pela cor verde no semáforo. Rapidamente passei por elas e segui em frente. A estupidez poderia ser contagiosa.

Não entendia porque estava com tanta pressa, não tinha para onde ir e mesmo assim continuei a andar apressada entre as pessoas. A raiva e a tristeza se mesclavam e faziam o meu corpo reagir de modo inesperado.

Um forte vento cortou a minha visão, fazendo-me fechar os olhos, um papel colou no meu rosto e o susto foi tamanho que me fez deixar cair minhas bagagens. Com força exagerada segurei aquele folheto e olhei para trás a tempo de ver a moto que causou aquilo descer a avenida.

Expressei minha indignação com um palavrão direcionado aquela pessoa, agachei para pegar minhas bagagens e ao levantar um tom avermelhado no papel chamou a minha atenção.

Procura-se trabalhador de meio período, essa frase foi o suficiente para que eu seguisse o endereço indicado pelo Google Maps.

Ao dar de cara com uma estreita rua e não muito bem iluminada, precisei conferir no meu celular se estava no lugar certo. Andei por mais alguns metros até me encontrar parada de frente para uma porta de madeira cercada por tumbérgias que cobriam todo o muro. Duas lâmpadas decoradas davam destaque para placa com o nome do restaurante.

― You can enter? – Meus olhos se arregalaram ao ler sem acreditar que aquilo realmente era o nome do restaurante.

Um grupo de pessoas passou por mim entrando rapidamente no restaurante enquanto davam risadas. Esse barulho se misturou ao de um sino que parecia indicar a chegada de novos clientes.

― É, parece que estou no lugar certo – Disse.

Segurei a maçaneta gelada ao toque com convicção e ajeitei a minha postura antes de ser sugada por aquele quente ambiente.

Um pequeno lance de escadas dava acesso aquele lugar subterrâneo que se abria para um espaço amplo, com cores vivas e de cheiro convidativo.

Mesas para quatro pessoas estavam dispostas por todo o salão. Os quatro cantos daquele lugar estavam decorados de modos diferentes. A confusão de cores parecia ainda mais atrativos.

A direita, recortes de mangás e pôsteres de animes recheavam a parede. Já na esquerda, uma singela cascata entre pedras e plantas desconhecidas para mim me remeteram ao universo criado por J. R. R. Tolkien. Ao olhar para trás, lâmpadas de filamento de carbono iluminavam as mesas individualmente e detalhes retrô completavam a cena. Sentia a referência de Itaewon em cada canto daquele lugar e no mesmo instante lembrei da minha primeira experiência da vida noturna.

― Posso ajudar? – Um garçom me abordou de testa franzida – Gostaria de uma mesa? – Ele parecia agitado.

― Eu vim pela vaga – Amostrei o papel que estive segurando por todo o tempo – Vocês ainda estão contratando?

― Cheogi! Vai até o balcão – Ele apontou com o polegar para uma senhora que estava atrás do caixa – É com ela que você precisa conversar.

Me embrenhei entre as mesas até chegar à senhora cujos cabelos começavam a ficar grisalhos. As linhas de expressão na região dos olhos não eram suficientes para suprimir a jovialidade que aquela mulher transmitia. Agilmente ela terminou o atendimento de um cliente e em seguida olhou para mim como quem dissesse "próximo, por favor!"

― Olá – Cumprimentei em uma simples reverência – Eu vim a procura dessa vaga de emprego – Coloquei sobre o balcão o papel um pouco amassado e manchado pelo suor das minhas mãos – Vocês ainda estão contratando?

Fui atravessada por um olhar desconfiado e analisada dos pés a cabeça. Aquela senhora olhou para as bagagens que carregava até que finalmente meus olhos receberam sua atenção.

― Você não é daqui – Ela disse – De onde você vem?

― Seul, senhora.

― Sou a senhora desse lugar – Disse – Pode me chamar de Lee Ye-won – Ela saiu detrás do balcão e ao chegar perto de mim percebi que ela era menor do que eu imaginava – Uma menina como você não deveria estar em alguma dessas agências famosas? – Tocou meu rosto rapidamente com a ponta dos dedos.

Por instinto, dei um passo para trás e logo me arrependi. Talvez tenha soado grosseira demais.

― Desculpe – Abaixei a cabeça – Eu não levo muito jeito para essas coisas de idol.

― Tudo bem – Ela apoiou as mãos na bancada – Você já trabalhou em algum outro lugar? Sabe como funciona?

― Não tenho experiência – Disse – Ainda estou terminando os estudos e preciso me estabelecer na cidade o quanto antes.

― Seus pais deveriam cuidar de você para que não se enfiasse em um lugar como esses sozinha.

Sua intenção com aquelas palavras eram verdadeiramente consideráveis caso eu não tivesse sido deixada a sorte pelo meu pai e recentemente perdido a minha mãe.

― Eu não tenho quem cuide de mim – Minha voz vacilou.

Respirei fundo para que a minha fraqueza interior não transparecesse. Não queria desperdiçar o tempo dessa pessoa.

― Não posso te oferecer um bom salário...

Antes que ela continuasse a frase, meu peito borbulhou de alegria e comemorei alto o suficiente para que chamasse atenção das pessoas que estavam nas mesas ao lado.

― Calma – A senhora Lee chamou minha atenção – A casa está cheia – Apontou com os olhos – Eu preciso ver como você se sai com todo esse movimento. Como se chama mesmo?

― Park... – Mais uma vez minha voz deixou a desejar, então respirei fundo – Park Su-mi.

― Hm... – Analisou – Ok, Park Su-mi, vou te passar as orientações de como fazer o atendimento aos clientes e entregar os pedidos na cozinha, ao final do expediente eu vou te pagar e dar o meu veredito. Temos um acordo? – Estendeu sua mão.

― Obrigada, senhora Lee, prometo não te decepcionar – Apertei sua mão enquanto fazia sequências de reverências.

Eu não tinha nada a perder muito menos a ganhar. A essa altura, o campeonato da vida que eu estive jogando por todo esse tempo não fazia mais o menor dos sentidos.

Deixei minhas bagagens no local indicado pela senhora Lee, troquei minhas roupas pelo uniforme do restaurante, recebi as coordenadas e segui para o salão. Fiquei responsável por atender as mesas que ficavam no meu lado preferido. Nunca pensei que Tolkien e o Senhor dos Anéis pudessem ser alguma referencial para o meu primeiro quase emprego.

Independente do quanto fossem me pagar, sabia que não conseguiria manter os gastos somente com aquele trabalho de meio período. Principalmente por não ser todos os dias da semana. Precisaria de arrumar mais alguma ocupação ou chegaria ao final do mês sem ter o que comer e onde dormir.

O sorriso falso é uma técnica que comecei a aprimorar recentemente. Não importava o que estava sentindo ou o peso dos meus problemas, precisaria sorrir por longas horas para sobreviver nessa selva.

Limpar e servir mesas pareceu uma tarefa mais difícil do que esperava, me adaptar as tarefas exigiu mais do que a minha coordenação motora exigia e me vi atrapalhada em alguns momentos na hora de carregar bandejas.

Depois que o último cliente deixou o restaurante, fui chamada pela senhora Lee no canto do restaurante. Ela estendeu algumas notas de dinheiro e então peguei. Não fiz questão de contar, queria mesmo saber se estava ou não contratada.

― Foi um prazer ter você aqui conosco, Su-mi – Ela disse.

"Ela não vai me contratar" minha voz interior gritou tão alto que um som que partiu de dentro de mim assustou a nós duas.

Meu estômago vazio estava roncando e implorando por qualquer alimento.

― Aigoo! – A mão quente de Lee Ye-won tocou meus ombros e seu rosto se aproximou do meu – Você está fazendo alguma dieta por acaso? Depois diz que não gosta dessas coisas de idol – Seu rosto franzido logo abriu espaço para um largo sorriso e uma sutil gargalhada – Vamos ver se tem algo para a nossa pequena Su-mi comer.

Fui levada para a cozinha daquele lugar e enquanto estive sentada num banco de madeira ouvi Lee Ye-won cantarolar enquanto cozinhava. Por um breve instante aquela cena se transformou e eu me vi num ambiente mais familiar ainda para mim: o meu antigo lar. Parecia tudo tão real e eu pude sentir o cheiro do lámen picante que mamãe preparava para mim nas noites de quinta feira depois do colégio.

Abruptamente precisei abandonar aqueles pensamentos e precisei me ater a realidade. O lámen não era como aquele que costumava a comer e mesmo tomada pelo sentimento de culpa, não deixaria de comer aquilo que Ye-won preparou com tanto cuidado para mim. Misturei um pouco do kimchi ao lámen e mesmo quente levei uma porção a minha boca.

O sabor maternal explodiu na minha boca e quando olhei para cima, os olhos da senhora Ye-won brilhavam e um caridoso sorriso sem mostrar os dentes indicavam que eu era bem vinda a entrar naquele lugar.

― Su-mi, vamos precisar de você aqui depois da escola nas quintas, sextas e finais de semana. Pagarei logo ao final do expediente, tudo bem para você?

― Obrigada, muito obrigada por isso – Agradeci com a voz trêmula de tão emocionada por saber que pelo menos teria como me manter por algum tempo.

Dos funcionários, fui a última a deixar o trabalho. Despedi-me da senhora Lee e busquei no meu celular alguma casa de banho pública que pudesse passar a noite.

Distraída com o que estava fazendo, não percebi no momento que uma moto entrou na rua e veio direto na minha direção. O brilho do farol me cegou por completo e não tive como pensar por muito tempo.

Com medo de ser atingida, coloquei meus braços na frente e segurei a minha respiração enquanto mantinha meus olhos fechados com força.

O som do escapamento da moto pareceu distante, quando abri meus olhos olhei para cada parte do meu corpo para ver se estava inteira.

― Como pode o inferno ser Busan? – Olhei para os lados e quando virei para trás o cara da moto estava parado ao lado da senhora Lee.

― Quantas vezes vou precisar pedir para que não ande em cima desse treco? – A voz daquela pequena mulher se tornou mais ardida do que parecia ser – Você quer me matar? É isso que você quer?

― Ommŏni, sobrou alguma coisa para comer?

― Você só vai comer a partir de agora depois que se livrar dessa moto.

― Devo então ir morar com a Jin?

― Aigoo! – Ela deu batidas no peito e fechou os olhos fingindo tristeza – Eu vou morrer antes do tempo. Nenhum dos meus filhos em valorizam.

Ri com aquela encenação enquanto pegava minhas coisas. A baixa iluminação da rua não me permitiu ver o rosto do filho da senhora Lee. Percebendo que não tinha muito ali para assistir, segui o meu destino, amanhã precisaria me apresentar ao novo colégio.

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Glossário

¹ Jeju Hueree Apricot Flower Festival é um festival que anualmente acontece entre o final de fevereiro e o início do mês de março na Ilha Jeju que celebra o desabrochar das flores marcando o início da Primavera. Neste festival acontecem inúmeras atividades, como concursos de fotografia e jogos tradicionais sul coreanos.

² Omo é uma expressão coreana equivalente a "nossa" ou "uau".

³ Cheogi significa "lá" em português.

⁴ Na Coréia do Sul, o nome das pessoas se apresenta na seguinte ordem: sobrenome e prenome. Por exemplo, Park (sobrenome) Su-mi (prenome).

⁵ Aigoo é uma expressão utilizada tanto para momentos de surpresa quanto de incredulidade

⁶ Ommŏni significa mãe