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Chapter 7 - O Gosto da Liberdade

Acordei me sentindo estranhamente bem demais. Estava descansada. Sentia-me com as energias fortalecidas. Pronta para encarar qualquer obstáculo e até enfrentar as grosserias e implicâncias de Gabriel. Olhei em volta e tudo estava em ordem. Então porque aquela sensação que algo havia mudado? Fui tomar banho, mas ao contrário das outras vezes, não senti vontade de voltar para a cama. Troquei de roupa, tomei o suco que estava na bandeja e arrumei a cama.

Duas coisas me deixaram perplexa; primeira, era que não me lembrava de ter posto a camisola que acabei de trocar.... Senti que meu rosto queimava ao imaginar que, Gabriel podia ter me trocado enquanto dormia. E a segunda; as roupas de cama também foram trocadas... Devia ter tido um sono muito pesado, para não perceber as duas trocas. O que me levou a outra pergunta; por quanto tempo dormi?

Alguém mexeu na porta e fiquei paralisada com a perspectiva de ver Gabriel. Nem entendi o porquê da apreensão, já que havia o visto poucas horas antes.

Ele entrou e parou ao me ver de pé. Parecia cansado. Seus olhos estavam fundos e apresentavam olheiras.

Alguma coisa no jeito dele me chamou a atenção quando ele me fitou... Era como se não me visse há muito tempo, como se estivesse... saudoso e até... Feliz! Os trajes também não eram mais os mesmos. Não usava a roupa branca. Estava de jeans e camiseta azul.

_ Vejo que a bela adormecida resolveu acordar! – Ele disse abrindo um sorriso que iluminou o ambiente.

Apesar de minha vontade de correr e abraçá-lo, me aconchegando em seus braços, não me deixei enganar por seus truques e reprimindo meus impulsos, agi ironicamente;

_ Não devo ter dormido o suficiente, pois acordei de mau humor e sem nenhuma vontade de aturar seu sarcasmo. – Eu disse para não o desapontar. Sabia que ele sempre esperava algum comentário áspero com sabor de humor.

Ele riu.

_ Então que tal sair desse quarto para tomar um pouco de ar livre? Podemos até fazer um piquenique se quiser...

Aquela atitude me surpreendeu. Essa súbita mudança era no mínimo estranha... Há poucas horas atrás, ele estava dizendo que me destruiria e agora propunha um passeio? Sabia que ele via a desconfiança em meus olhos, enquanto o fitava boquiaberta.

_ A que devo tamanha gentileza? Bateu com a cabeça ou trama algo?

Ele me fitou tentando demonstrar tranquilidade, mas senti que estava tenso.

_ Tudo bem. Se não quer ir, não vamos. Foi só uma sugestão, mas se não foi bem recebida...

_ Não! Espere! É claro que quero! Aliás, amaria. – Não podia perder a oportunidade de sair daquele quarto e talvez até de fugir dele. Os motivos dele era o que menos importava naquele momento.

_ Assim é que se fala!

_ Me trocarei em um minuto... – Disse me dirigindo ao armário, ia abri-lo quando um punho de aço segurou meu pulso inibindo minha intenção.

_ Sua roupa já está no banheiro...

Fiquei impaciente e me soltando de suas garras, coloquei as mãos na cintura.

_ E quem as tirou daqui? Por acaso é também dever do médico, escolher as roupas de seu paciente?

_ Sua estúpida! As separei porque as outras foram para a lavanderia pois estavam com cheiro de mofo! – Disse irado e entre dentes.

_ Mas agora a pouco, me troquei e estavam todas aí.

_ Pedi para que tirassem enquanto estava no banho.

_ Porque não disse logo? – Disse indo para o banheiro. Aquela desculpa dele não me convenceu, mas diante do que me esperava, preferi deixar que ele pensasse que eu acreditava nas mentiras dele.

_ Volto assim que estiver pronta. – O ouvi dizendo e logo depois o barulho da porta se fechando. Vesti o jeans e a camiseta que encontrei no banheiro, estranhando não as ter notado antes. Voltei para o quarto, onde Gabriel já esperava.

_ Pronta? – Ele perguntou com uma nota de impaciência.

_ Pronta e ansiosa! Podemos ir quando quiser.

_ Então vamos.

Quando já ia sair do quarto, recuei ao lembrar do buraco negro. Olhei para Gabriel, que ao entender o motivo de minha hesitação, sorriu tranquilizador.

_ Não precisa ter medo. Agora é com minha aprovação.

Venci o medo e passei, uma força maior me fez olhar para trás e me surpreendi ao perceber que meu nome fora apagado da plaqueta. Ia perguntar para Gabriel, mas mudei de ideia ao pensar no quanto àquilo era insignificante e Gabriel tinha pouca paciência para responder perguntas. E naquele dia em especial, estava se esforçando mais que o normal para ser indelicado e grosseiro.

Passamos por inúmeras portas e saímos na de número quatro. Então me veio à memória uma de minhas conversas com Gabriel, onde descobri que quatro era o tanto de vidas pelas quais passei. Mal sabia o quanto estava enganada.

Caminhamos por corredores, portas, elevadores, até chegarmos à recepção. Quando vi Marco, minha vontade foi de correr e abraçá-lo, mas refreei meus impulsos, por desconhecer os costumes daquele lugar e temer ser mal interpretada. Só então compreendi que não havia nada de estranho com aquele lugar e aquelas pessoas. Era apenas como se eu tivesse ido para outro país com costumes diferentes. Assim que nos aproximamos do balcão da recepção, Gabriel entregou as chaves para Marco e esse lhe passou uma cesta.

_ Oi Marco.

_ Oi menina. Como está se sentindo?

_ Bem. Estou bem, agora.

_ Gostou muito de nossas instalações, não?

_ Não é nada mal, mas porque diz isso?

_ Oras, nunca vi ninguém demorar tanto tempo internado aqui... E olha que estou aqui há muito tempo...

_ O que...

Nesse momento Gabriel me agarrou pelo braço e saiu me arrastando sem cerimônias, como se eu fosse propriedade dele e interrompendo bruscamente a conversa. Ainda assim, dei um tchauzinho tímido para Marco, que retribuiu com um sorriso maroto e incrivelmente encantador. Afinal podíamos vir a ser grandes amigos...

Gabriel continuou me arrastando pela estrada estreita e ladeada de arvores e flores, que sempre me surpreendiam pela perfeita disposição e harmonia.

Ele andava a passos largos. E tinha que correr para conseguir acompanhá-lo. Soltei-me de suas garras bruscamente ao perceber os olhares curiosos das pessoas que caminhavam por ali. E olhei severa para Gabriel.

_ O que pensa que está fazendo?!

_ Desculpe...

Aquele pedido de desculpas fora tão inesperado que me desarmou completamente. Olhei a minha volta e sorri.

_ Tudo bem... Sinto como se estivesse presa em uma prisão e finalmente pudesse sentir o gosto da liberdade...

Gabriel não fez nenhum comentário e seguimos em silencio, de mãos dadas. Andamos por muito tempo admirando a paisagem que se desprendia a nossa frente. Acabamos por sentar para fazer o piquenique. Dentro da cesta havia sucos e sanduíches.

_ Qual a média de tempo que uma pessoa fica naquele hospital? – Perguntei entre uma mordida e outra.

Gabriel parou de comer e fitou-me como se quisesse sondar minha alma.

_ Porque pergunta?

_ Curiosidade...

_ Umas quatro semanas, no máximo. Todos os pacientes ficam aflitos para sair dali, depois que entendem sua nova realidade e o que pode fazer com a recém descoberta da imortalidade...

_ Curioso... – Comentei deixando o sanduíche de lado.

_ O quê?

_ Marco insinuou qualquer coisa sobre ter ficado tempo demais lá dentro... Claro que ele se enganou, só estou lá a pouco mais de uma semana... – Eu disse confusa, com algo perturbando e apertando meu peito.

Gabriel ficou tenso e logo vi que havia mesmo algo errado algo errado.

_ O que houve Gabriel? – Perguntei, quando vi que ele não estava disposto a falar, se não fosse indagado diretamente.

Ele fitou o vazio e foi com essa expressão que respondeu;

_ Não está lá só esse tempo que mencionou, mas a mais de seis longos e intermináveis meses.

_ Só pode estar brincando! Ontem mesmo Geisa esteve comigo e comentou que estava lá há apenas uma semana. Como pode ser isso? Por acaso o tempo aqui corre mais rápido?

_ Não. O que aconteceu foi que dormiu nesse período.

_ Ah meu Deus! Toda vez que dormir agora será por todo esse tempo?

Ele me fitou impaciente e irado.

_ Só quando desejar! – Foi a resposta crua dele. Ele pegou um sanduiche e começou a come-lo com fúria. Sorri em meu intimo por saber que ele fazia aquilo para não ter que conversar comigo e acabar admitindo que sentiu minha falta... Por isso a surpresa em seus olhos quando me viu acordada e de pé...

Então me lembrei do último pensamento que tive antes de adormecer, e foi realmente o que desejei. Resolvi que não daria mais tanta importância ao comportamento de Gabriel, pois isso não me traria nada de bom. Por causa dele, dormi meses... Mesmo com o pensamento que o tempo ali era um marco insignificante, eu não queria mais perder tanto tempo dormindo.

Depois de terminado o piquenique, saímos a passear e conheci muitas pessoas. Cada uma falou de sua dificuldade inicial de se adaptar aquele lugar, dos seus medos, dos anseios, das saudades... Cada um de forma diferente, mas todos assim como eu, sentiram-se perdidos quando ali chegaram. Estranho, mas saber aquilo me fortaleceu. Não mais me sentia sozinha. Poderia ainda ser feliz. Como disse papai uma vez, há formas de encontrar compensações e decidi que a buscaria, não mais me entregando a alto-piedade.

Depois de muito caminhar, resolvemos de comum acordo que era hora de ir embora. Não sabia, nem conhecia, qual era o caminho de volta para o hospital, mas com certeza aquele por qual seguíamos era totalmente diferente do qual havíamos passado. Não havia as arvores, com exceção de algumas aqui e ali. No lugar delas havia muitas casas. Umas maiores, outras menores, mas todas no mesmo estilo. Podia ser que estávamos pegando um atalho, mas havia algo diferente e não consegui me calar.

_ Para onde estamos indo? Pensei que tínhamos decidido encerrar o passeio de hoje...

_ Encerramos. Estamos indo para casa.

_ Mas esse não é o caminho certo para o hospital.

Gabriel parou e virando-se segurou firme em meu ombro, me encarando em meus olhos, com uma espécie de resignação e alma torturada.

_ Pare de fazer tantas perguntas!

_ Mas...

_ Sem, mas! Estamos indo para casa. Não voltará mais para o hospital. Portanto fique quieta e não me faça arrepender por ter lhe dado alta.

_ Quer dizer que... Estou livre de verdade! – Não conseguia conter minha alegria. Me deu vontade de dançar e sair fazendo estrelas por onde passava, mas me contive, pois Gabriel não ia ver com bons olhos e até podia se sentir ofendido.

_ É. Se é assim que se sente... –Ele disse seco e me soltando prosseguiu. Caminhamos até chegar a uma casinha pequena. Tinha uma janela na frente, junto da porta que dava para a varanda, toda enfeitada com vasos caprichosos de rosas e orquídeas. Gostei muito da aparência exterior da casa e fiquei ansiosa por conhecê-la por dentro. Gabriel abriu a porta e deu caminho para que entrasse. Entrei seguida por ele. A sala era pequena, mas muito aconchegante. Havia uma mesa de centro ornada por um vaso com violetas e quatro assentos de um lugar. Seguimos por um corredor onde havia duas portas, uma de cada lado. Abri a da direita. Era um quarto. Também muito aconchegante. Abri o guarda-roupa e ali estavam todas as minhas roupas. Ali seria o meu quarto. Olhei para Gabriel que me observava calado, encostado na soleira da porta e sai sem nada dizer sabendo que ele me seguia em silencio, observando atento minhas reações. Abri a outra porta e descobri que se tratava de outro quarto. Era maior que o meu e o guarda-roupa e a cama eram enormes. Havia também uma penteadeira. No final do corredor, ficavam o banheiro e a cozinha. Fomos para a cozinha e sentei na cadeira enquanto Gabriel se adiantava, me servindo suco e sentando-se também.

_ É aqui que vou morar...

_ É.

_ Quem mais mora aqui?

_ Apenas nós.

_ Nós?

_ Eu e você.

_ Porque a cama de casal?

_ Sou muito espaçoso... E quem sabe para o dia em que se sentir muito só...

_ Não diga bobagens!

_ Nunca digo bobagens.

Fitei-o. Será que ele sabia o quanto aquele convite era tentador?

_ Está bem... E aquela penteadeira? Ao que me consta àquele móvel é totalmente feminino. Me serviria melhor do que a você...

_ Mandei vir para você mesmo, e não deu tempo para ajeitá-lo em seu quarto, mas agora que está aqui, poderá cuidar disso.

_ Quanto tempo terei que ficar aqui?

_ Pelo tempo que quiser.

_ Então posso ir embora agora mesmo?

_ Pode! Mas é melhor que saiba que a única casa onde pode ficar é essa. Não terá outro teto. Mas, não se preocupe, não temos bandidos por aqui e as noites não são frias.

_ Resumindo; é aqui ou na rua.

_ Isso mesmo, mas não se iniba a essa realidade. Muitas pessoas aqui preferem a vida lá fora, sem se incomodarem com a opinião da sociedade, pois não temos o peso dessa crítica. Somos todos iguais e podemos fazer nossas escolhas. Se você achar que viver sob o céu de estrelas é melhor que dormir em uma cama, ninguém vai lhe apontar o dedo por isso.

_ Mesmo assim, prefiro ter um teto... Só espero não incomodar e tirar sua privacidade.

_ Claro que não. Porque tiraria minha privacidade? – Ele perguntou curioso.

_ Não sei... Talvez tenha uma amante.

_ Amante? Mas que absurdo! De onde tirou essa ideia? – Ele disse começando a se divertir. Eu podia ver nos olhos dele. Ele estava também um pouco... Empolgado, desde que chegamos. Sei que ele reprimia suas reações, mas conhecia ele de uma forma muito especial.

_ Disse que tinha encontrado sua alma-gêmea, então pensei que talvez devessem quere viver sozinhos, e aquela cama de casal...

_ Acha mesmo que minha alma gêmea seria considerada vulgarmente uma amante? – Ele perguntou pensativo, mas ainda com ar divertido. – Você ainda guarda consigo muito de quando era humana, e me passa a impressão que vai demorar séculos até que finalmente se desprenda desses preconceitos.

_ Se vocês não se casam, são amantes. Isso é assim em toda cultura. Vocês se casaram por acaso?

_ E o que é o casamento para você, exatamente? Entrar em uma igreja vestida de branco? São invenções totalmente humanas. Não foi Deus quem escolheu assim. Os casamentos eram feitos pela união de duas carnes. E é isso que é importante. Respeitar a escolha que fizer...

_ Você então respeita sua metade? Me beijar e... São coisas naturais aqui? É assim o casamento de vocês?

_ Faz muitas suposições Elisabete! Pare com isso ou me levará a loucura! Porque não toma um banho enquanto preparo o jantar? – Gabriel disse com ar cansado e impaciente. Mas eu sabia que estava se divertindo. Algo mais do que eu estava o divertindo, era uma piada que só ele conhecia.

_ Boa ideia. – Levantei-me decidida, antes que Gabriel me ofendesse com suas grosserias e retirei-me.

Tomei um banho rápido e fui me trocar. Escolhi uma camisola azul, com rendas no formato de rosas na altura dos seios. No hospital, morreria de vergonha de andar com vestes intimas, mas ali me sentia livre, à vontade... Sem o peso da timidez. Voltei para cozinha e a mesa já estava posta. Sentei e Gabriel que ainda estava de pé, preparando os últimos detalhes, olhou-me por sobre os ombros e lançou um sorriso amistoso. Não notei nenhum sinal de surpresa ou desagrado por ter me apresentado de forma tão descontraída. Agora que já estava sentado, parecia que queria que tivéssemos um bom relacionamento. Pelo menos foi o que pensei naquele momento. Mais tarde, viria a descobrir que aquela hipótese nem passou por sua cabeça. Mas, naquele momento estava me sentindo muito bem com aquela trégua inesperada. Comemos em silêncio e depois ele nos serviu de café. E então não consegui tirar os olhos dele, que por sua vez, também me observava. Com um brilho diferente no olhar. Era como se tramasse algo... Senti-me pouco à vontade com esse pensamento, principalmente por que sabia que dele podia esperar qualquer coisa e que minha intuição estava ampliada.

Havia uma dúvida martelando em minha cabeça desde que entrei naquela casa e acreditando que aquele era um bom momento, para quebrar o silencio e aproveitando o bom humor de Gabriel, entendi que era o momento de esclarecer aquela dúvida.

_ Gabriel... Preciso lhe perguntar algo, mas não quero que se aborreça...

_ Desde que não seja pessoal...

_ Porque aqui, e não na casa de meu pai?

_ Não está satisfeita aqui? Está lhe faltando algo?

_ Não! Não é isso... Por favor, não quero que se ofenda, tem sido um excelente anfitrião, é só que... Pensei que as famílias ficassem juntas.

Ele me olhou friamente.

_ Na verdade há vários motivos, mas lhe darei somente um; seu pai não mora sozinho, ele tem Alexia e Geisa.

_ Mas assim como Geisa, também sou filha dele.

_ Geisa está somente esperando sua alma-gêmea, para poder mudar para sua própria casa. Ou seguir com seu destino... Seu pai pediu para ela que ficasse com ele quando ainda não sabia o que o ligava a Alexia. Acho que ele não queria ficar sozinho. Parece que esse é um medo de todos... Uma tolice, claro.

_ Mas ela é apenas uma criança!

_ Geisa? Acha mesmo isso? Gabriel disse e sorriu. Ele realmente estava se divertindo.

Então me lembrei que idade ali era apenas um detalhe insignificante. Mas não deixaria esse assunto morrer assim. Mesmo que idade não fosse importante, era inconcebível pensar em uma criança ir viver com um homem.

_ Mesmo que você me ache uma tola cheia de tradições que não servem de nada, não há lugar no mundo em que uma criança como Geisa seria vista com bons olhos morando sozinha com um homem. Afinal, pelo que percebi aqui, a alma gêmea dela pode ter idade para ser meu avô.

Gabriel abriu um sorriso, claramente se divertindo.

_ Você só pode estar brincando. – Ele disse divertido. – Acha mesmo que Geisa vai permanecer com o corpo de uma criança quando a alma gêmea dela chegar? Nem ela é tão tola de pensar que um homem olharia para ela naquele corpo e a desejaria, como uma mulher deve ser desejada por seu companheiro. Abra sua mente.

_ Então... Ela só está como criança para que nossa família a reconheça?

_ Para que sua mãe a reconheça. Ela não tem mais nenhum parente que a reconheceria assim que a visse.

Senti que fiquei vermelha. Gabriel tinha razão. Eu mesma não a reconheci quando a vi. Porque por mais que fosse dolorosa a realidade, Geisa já não fazia mais falta após o passar dos anos. Somente mamãe, as vezes falava dela, mas nós não lhe dávamos ouvidos, preferindo deixa-la no esquecimento e também para não termos que ver a dor nos olhos de mamãe toda vez que falava de Geisa.

_ Também não encontrei minha alma-gêmea e não estou morando com papai, porque? – Não pude deixar de indagar.

_ É como disse; há vários motivos. Além do mais Geisa já é um espírito independente, já tem maturidade para cuidar de si própria e de suas tarefas nesse mundo. Você ainda precisa de um guia, ou seja, eu. Seu pai e Alexia têm suas funções, e não podem ficar de babá o dia inteiro para você. Em outras palavras, você seria uma pedra no sapato na vida deles.

Como o odiei naquele momento.

_ E quanto a você? Também tem sua alma-gêmea e seus afazeres.

_ E daí?

_ Daí que ela pode querer ter privacidade, e vai abandonar sua tarefa?

_ Minha tarefa no momento é prepará-la para sua vida aqui. Bem que gostaria de abandonar, mas não posso.

_ Claro! Mas e quanto à outra?

_ O que quer dizer exatamente? Pode ser mais clara?

_ O que vai acontecer comigo se ela quiser me expulsar?

_ Jamais acontecerá isso.

_ Como pode ter tanta certeza?

_ Porque ela nem sabe quem sou!

Aquela informação me pegou de surpresa.

_ Porque não?

_ Se está tão preocupada, por que não esquenta o lugar dela enquanto ela não chega?

_ Você é mesmo um canalha! – Eu disse bebendo do meu suco. Nem foi com intenção de ofende-lo que o chamei de canalha, porque começava a perceber que palavras não o atingiam. Pelo menos não, quando não estava tentando descobrir sobre o passado dele. Isso o irritava muito.

_ Não precisa ser tão agradecida... – Ele disse debochado.

_ Quero rever papai e as pessoas que conheci. – Disse tentando ignorar a raiva que me crescia por dentro. E também me segurando para não entrar em assuntos que eu sabia que o provocaria demasiadamente.

_ Amanhã, se quiser, poderemos ir visitá-los.

_ Quero sim.

_ Então está combinado.