A pegadora se estendeu desde o antebraço de Mirra e se agarrou ao batente de uma grande porta de madeira antes de se contrair e lançar a garota voando para dentro de um salão espaçoso.
Mirra amorteceu sua queda com suas saltadoras, mas cerrou os dentes e grunhiu, clicando com os pés e voltando a saltar para trás, para onde a figura parruda de Tékio se escondia, logo ao lado da porta de onde ela havia acabado de atravessar.
O garoto, que a um segundo estava flutuando ao lado da porta, agora já havia acionado suas próprias pernas de metal, se atirando para o outro cômodo e escapando de Mirra pela milésima vez antes de sumir atrás da parede branca.
Em pleno ar, Mirra estendeu a pegadora e agarrou o batente outra vez, direcionando seu salto para o mesmo cômodo que o menino havia entrado.
Mas logo que ela passou pela abertura, o garoto desceu de seu lugar acima do batente e se enfiou no salão outra vez.
Mirra não hesitou. Ainda com o braço estendido e com a mão feita de ligas de metal e ouro segurando a porta, ela deu um puxão, transformando seu avanço para frente no impulso necessário para se lançar ainda mais rápido para trás.
"Ei!" Gritou Tékio ao vê-la se aproximar feito uma bala de canhão.
As saltadoras do garoto chutaram o chão e por pouco Mirra não o agarrou, passando debaixo de suas pernas antes de cair rolando no piso lustroso.
"Oi! Garota. Você está bem?"
Mirra olhou para cima, ofegante e descabelada.
Tékio planava, parado no ar enquanto fios de uma fumaça transparente faziam círculos no ar, saindo de suas costas, e suas saltadoras voltavam a se encaixar nas solas de suas botas. A expressão preocupada do menino se desfez num sorriso complacente depois de ver que Mirra não havia se machucado. Ele jogou algo para cima antes de pegar o objeto de volta e começar a descer para perto de Mirra, lentamente.
"Essa foi boa. Você quase me pegou." Ele disse ao pisar no chão ao lado da menina, um tanto cambaleante. "Isso que você faz com a pegadora… usar ela como um estilingue…" Tékio esticou a mão, ajudando Mirra a ficar de pé. "Está ficando melhor nisso. Mas eu ainda acho que não é o jeito certo de usá-la."
"Não é justo." Disse Mirra, olhando para o objeto na mão do garoto Treinador. Era um tipo de disco de metal plano, sem inscrições ou fendas. "Como eu vou pegar isso se você pode simplesmente voar?"
Tékio sorriu, sem demonstrar um pingo de vergonha, então tocou em algum ponto perto de seu próprio pescoço no alto de suas costas com uma mão antes de puxar um tipo de mochila pequena de metal e colocá-la aos seus pés.
"Uma mojara não é algo fácil de se controlar." Ele disse. "Eu não sou tão proficiente com uma dessas quanto com polaquinas terrestres, então o nível de dificuldade é menor pra você. Além do mais, estamos num lugar fechado." Ele abriu os braços, indicando a sala branca e vazia. "Então é mais difícil ainda ficar longe do chão. E…" Ele apontou para o braço de Mirra. "Eu não tenho uma pegadora, então tenho que deixar as coisas justas."
"Justas?" Mirra franziu, se sentindo um pouco indignada. Tékio era um Treinador em Metrópole à quanto tempo? Ele vivia testando e ensinando como usar polaquinas, mas queria que Mirra, alguém que mal tinha começado a praticar com suas próprias polaquinas o alcançasse. E mais, a missão dada a ela era especificamente: Pegar um objeto das mãos de Tékio enquanto ele usava saltadoras e um dispositivo de voo a curta distância.
A menina nem conseguia dizer o quão injusto tudo aquilo parecia, mas Tékio aparentemente não ligava, sorrindo zombeteiramente da expressão desconsolada da menina.
"Você não disse que precisa desvendar a pegadora totalmente?" Tékio disse, agora usando aquela sua expressão séria de professor. "A melhor escolha que tem é tentar usá-la para fazer o que você acha que não conseguiria."
Mirra suspirou, olhando para o bracelete dourado.
"O que você sabe sobre a escavadora?" Ela perguntou, mas Tékio apenas balançou a cabeça antes de olhar para o braço de Mirra.
"Sei tanto sobre as polaquinas feitas pelos irmãos prodígio quanto você, garota. São caras, raras e bonitas."
"Se eu tivesse a escavadora, ela e a pegadora se… juntariam?"
"Eu não sei. O que dizem é que se alguém tivesse todas as peças elas poderiam se juntar pra construir alguma coisa, mas sobre juntar duas peças… nunca escutei nada sobre isso."
Mirra assentiu, pensativa. Mesmo que a pegadora e escavadora não pudessem ser assimiladas, apenas ter as duas provavelmente já ajudaria Mirra a se mover ainda mais rápido e precisamente.
A menina ainda não entendia tanto assim sobre polaquinas, mas o que ela sabia era que aquelas máquinas permitiam que ela fizesse coisas que antes seriam inimagináveis. Era como ter asas nos pés, ou, mais literalmente, molas.
"Vamos." Disse Tékio ao pegar a mochila de metal e começar a caminhar em direção a um corredor no fim do salão. "Vamos tentar novamente em outro lugar."
Mirra apertou os punhos e o seguiu.
Havia sido difícil encontrar um lugar amplo o bastante para treinar, mas Cadente havia dito que ela poderia fazer como quisesse na Casa dos Faladores, desde que não destruísse o prédio. Por isso, Mirra estava mais do que contente de fazer algum exercício e tentar completar a missão dada a ela por Maísa.
Mas de novo e de novo, Mirra acabava se frustrando ao terminar falhando em alcançar o treinador debochado.
Ela caiu, rolando antes de se colocar sobre um joelha outra vez.
"Nossa… isso foi… impressionante." Veio uma voz da entrada do salão onde Mirra e Tékio treinavam.
Um garoto trajado em roupas finas e com um chapéu militar observava do corredor.
"Posso ajudar?" Perguntou Mirra.
"Ah…" O garoto parecia constrangido, mas deu alguns passos para dentro do salão. "Não é possível que já tenha esquecido de mim…"
O menino tirou o chapéu e revelou um cabelo bagunçado inconfundível, fazendo as sobrancelhas de Mirra saltarem.
"Vespa."
"O que…" Vespa olhou para o chapéu. "Por acaso essa coisa camufla o meu rosto ou algo assim?" Ele perguntou, rindo.
"Não." Mirra riu também. "É só que, você…"
"Estou bonito, não estou?" O menino deu uma volta, exibindo a roupa. "Aviadores são galantes assim mesmo."
Mirra balançou a cabeça, sorrindo. Sem sombra de dúvidas não podia ser ninguém além de Vespa.
"E então, já ganhou um avião?" Ela perguntou, o que fez o sorriso de Vespa virar uma careta constrangida.
"Não é assim que funciona." Ele disse. "Eu tenho que fazer algumas missões e subir de posição antes de ter um monomotor próprio."
"Oh."
"Mas eu ainda posso pilotar quando sigo ordens, o que provavelmente vai acontecer várias vezes."
Mirra riu, notando que Vespa parecia mais sincero e animado que nunca.
"Isso é bom." Disse Tékio, se aproximando. "Essa garota pode precisar da ajuda de um Viajante daqui a um tempo, e não acho que tenha muitas pessoas no seu grupo dispostas a fazer qualquer coisa por ela nesse instante."
Mirra sorriu tristemente, mas Vespa balançou a cabeça.
"Aquele dia na Arena, você escolheu o que queria." Ele disse, olhando Mirra nos olhos. "Se alguém for ficar zangado por isso, não é problema seu. Assim que eu tiver meu próprio monomotor, você vai poder ir aonde quiser. É só me chamar."
Mirra levantou uma sobrancelha, sinceramente surpresa e sem palavras por um momento.
Seria aquele realmente o mesmo garoto esnobe que vivia rebaixando os grupos de terceira classe a cada oportunidade que tinha?
"Obrigada." Disse Mirra, mas Vespa apenas balançou a cabeça.
"Não precisa se preocupar com os Viajantes." Ele disse. "Desde o Teste, eu não escutei uma só queixa de qualquer dos meus superiores. Nem Gavir veio me pedir explicações de nada." Vespa suspirou, olhando para as próprias roupas. "Acho que ser um aviador faz mais diferença do que eu imaginava. Talvez fosse por isso que me desencorajaram tanto."
"Eu estou feliz por você."
"Eu também estou feliz por mim." Vespa gargalhou.
"Você sabe se Tânia está bem?"
"Bom, até o momento em que eu a deixei em sua fazendo, ela estava.
"Oh." Mirra sorriu.
Aquela garota não consegue ficar longe do mato por muito tempo, é assim desde sempre. Ele estremeceu, esfregando a costela como se não percebesse o que fazia.
Mirra ainda se lembrava do soco que Tânia havia dado em Vespa no dia em que eles haviam conhecido e levado ela para um passeio no mercado vertical. 'Talvez aquela não tenha sido a primeira vez que Tânia socou ele', pensou Mirra por algum motivo, então sorriu.
"Achei que Tânia iria ficar na cidade." Ela disse. "Não tinha uma tempestade chegando ou algo assim?"
"A temporada de tempestade está se aproximando, realmente." Disse uma voz, vindo do mesmo lugar de onde Vespa havia saído.
Dessa vez, ao olhar naquela direção, Mirra não apenas reconheceu imediatamente quem havia chegado, mas ela também sentiu seu estômago revirar sem controle.
Era Susana, a primeira inimiga que Mirra havia feito em Polegarândia.