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Chapter 9 - Vidas passadas

Virando as costas, já ia sair quando esbarrei em um de meus marujos, Caco. Um homem mal, sem escrúpulos.

_ Tudo bem, capitã? – Ele sorriu irônico. Olhei enojada para ele. Não gostava de tomar banho. Sua barba crespa estava suja de alguma coisa que provavelmente, havia encontrado na cozinha do navio. Seu hálito se comparava ao de uma hiena que havia acabado de comer a carniça destinada aos urubus. Tinha uma grande barriga, a qual, segurava com suas mãos ásperas e de unhas sujas, toda vez que achava graça de algo. Poderia compará-lo a um porco, se não fosse uma grande ofensa à categoria suína. Diante de uma criatura tão execrável, uma idéia perversa tomou posse de minha mente. Virando e fitando Tiago, respondi a Caco.

_ Sim. Está tudo bem. Já terminaram de saquear o navio?

_ Falta só este camarote.

_ Ótimo. Deixaram alguém vivo?

_ Não.

_ Então termine seu serviço aqui.- Sorri. Divertia-me a antecipação da maldade que iria fazer... Tiago me observava com olhar distante. Talvez esperava encontrar algo daquela dama por quem se apaixonara, nessa mulher determinada que agora estava em sua frente.

Os outros me fitavam com medo.

Caco colocou a cabeça para dentro.

_ Devo matá-los?

_ Hum... Deixe me ver... Por enquanto não. Conserve-os vivos e leve-os acorrentados para nosso navio.

_ Quem levará esse navio?

_ Max.

_ Mas, Max é apenas uma criança! Ele tem apenas quinze anos, lembra?

_ Está contestando minhas ordens Caco?

Ele abaixou a cabeça.

_ Não.

_ Então cumpra minhas ordens!

Dizendo isso virei e sai. Sabia que não era fácil para Caco, obedecer a ordens de uma mulher, mas sua fidelidade ao meu pai era tão grande que ele fazia , por meu pai. Pois sabia o quanto eu era importante para ele. Assim se resignava.

Estava no meu gabinete, escrevendo no diário de bordo, quando Caco bateu e entrou.

_ Posso entrar capitã?

_ Já entrou.

_ Desculpe...

_ O que quer?

_ Já trouxemos os prisioneiros.

_ Onde estão?

_ No convés.

_ Traga o rapaz até aqui.

_ Hum...

_ Me respeite, Caco!- Disse sorrindo com sua insinuação.

_ Débora...

_ Já vi que quer alguma coisa. Quando me chama pele nome...

_ Sabe, aquela moça é uma formosura e...

_ Já entendi. Traga o rapaz aqui e depois decido.

_ Por favor, não esqueça que nós, os homens, estamos há muito tempo no mar, sem nenhuma... Distração.

_ Pode deixar. Levarei isso em conta e não me esquecerei.

Caco murmurou algum agradecimento e se retirou para cumprir a ordem. Após alguns minutos ele entrou, trazendo Tiago, que entrou com ar frio e indiferente, mas não me intimidei. Assim que Caco nos deixou a sós, me aproximei e o abracei. No entanto, permaneceu impassível, mas senti ao tocá-lo que aquela era uma falsa indiferença, ele ainda me amava.

_ Porque não relaxa? Sua princesinha não está aqui.

Ele me olhou como se estivesse diante do ser mais asqueroso da terra.

_ Mentiu para mim! Não disse de sua atividade... Extracurricular.

_ Não menti. Omiti.

_ Pois sua "omissão" me fez procurá-la nos lugares errados.

_ Me procurou?

_ Sim. Como quem buscasse o próprio ar que respira. Mas vejo que perdi meu tempo. Não valeria a pena encontrá-la.

_ Porque diz isso?

_ Porque mentiu. Iludiu-me. Me fez acreditar que era única, que seu caráter era tão belo quanto seu exterior. Tudo uma grande mentira! Não passa de uma assassina, que mata com o mesmo sangue frio com que troca de roupa.

_ Eu menti e você traiu. Não tem o direito de julgar. Estamos quites... Mas agora que nos reencontramos, porque não começamos tudo de novo?

_ Sou um homem casado agora, Débora. Não há como voltar atrás.

Larguei-o e voltei a sentar na minha cadeira.

_ E se lhe deixar viúvo?

_ Guardaria luto por toda a vida.

_ Então será fiel a ela... Sempre?

_ Serei.

_ Tu a ama?

_ Gosto dela sim.

_ Não foi o que perguntei.

_ Apesar de tudo... Amo você.

Meu coração se enterneceu, diante daquela declaração tão sincera e espontânea.

_ Então, porque não fica comigo? Jurou amor e lealdade a mim primeiro! E lhe desejo tanto...

_ Também lhe desejo, mas não posso trair a confiança de Lúcia e nossos pais.

_ Daqui á algumas horas eles não farão mais parte do mundo dos vivos.

_ Vai matá-los?

_ Acha que os deixaria ir para que me denunciassem?

_ Você é pior do que imaginava....

_ Terá que ficar comigo. Não tem escolha.

_ Não pode me obrigar.

_ Nem quero lhe forçar a nada. Quero que se case comigo de livre e espontânea vontade.

_ Já sou casado.

Peguei alguns papéis em cima da mesa e os levei até ele.

_ Sabe o que é isso?

_ Como saberia?

_ É seu registro de casamento. O padre que o casou foi morto na batalha, junto com todas as outras testemunhas, sendo assim, é só rasgar a última prova que existe desse lamentável episódio e estaria livre para se casar comigo.

_ Débora, não está entendendo. Casei. Não importa os papéis, pretendo cumprir a promessa que fiz diante de Deus e dos homens. Nada vai mudar isso.

Joguei os papéis em Tiago. Minha calma esgotou. A raiva tomou conta de meu coração e a impulsividade de meus atos gritava por liberdade.

_ É um estúpido, Tiago! Não reconhece quando lhe dão uma chance? Teimoso estúpido! Vai se arrepender! Juro que vai! Caco!

Caco abriu a porta com violência e espada em punho.

_ Algum problema?- Perguntou já buscando em cada canto um perigo qualquer.

_ Leve-o daqui e depois volte que precisamos conversar.

Ele o levou e logo estava de volta.

_ O que quer comigo capitã?

_ Sobre seu pedido... Resolvi que está certo. Pensei muito e resolvi atendê-lo... Fará o que quiser, mas antes precisamos acertar alguns detalhes da nossa viajem.

_ Como quiser.

Conversamos e nos entendemos sobre a rota que expus para o futuro. Enquanto conversávamos, fiquei observando-o. Como era asqueroso! E por ser o mais asqueroso de todos, seria o primeiro a se servir da dama. Disso não abria mão. Era, para uma mulher, a maior das humilhações. Ser desvirginada por um ser tão... Nojento! Talvez, não existissem mais como ele... Esperava que não. Era uma vergonha para a humanidade.

Depois, subimos ao convés, onde os prisioneiros me fitavam temerosos, e pedi a atenção de todos os marujos e logo fui atendida por aqueles olhares selvagens e curiosos.

_ Hoje, apesar de termos tido muito lucro, não é um dia muito feliz para mim. Reencontrei depois de anos de procura, aquele cujo pertence o meu coração. Muitos daqui presentes, são testemunhas dessa procura. É. Encontrei aquele por quem me guardei e desejei, aquele por quem dediquei anos de busca infrutífera... Mas, como todos aqui já devem saber, não foi um reencontro feliz. Antes nunca mais o tivesse visto! Foi um encontro doloroso, triste, desesperado... Não foi como sonhei. Aliás, foi bem diferente. Diferente de todas as hipóteses que podia considerar. Pois esse homem se encontra casado e se nega a romper os votos que fez a despeito dos sentimentos guardados a sete chaves em seu coração. Na verdade, admiro-o por isso, mas também o odeio. E hoje, em nome desse amor, vou lhe dar um presente, Tiago. E uma desonra também. Foi à maneira que encontrei de me vingar. Uma forma, que todos guardaram na lembrança, sem jamais poderem esquecer. Como uma marca. Um cheiro que se impregna sem que desejássemos, em nosso corpo.

Perderei também. Viverei no mar. Não voltarei à sociedade e jamais pisarei em terra novamente. Esse é o meu presente. Tiro a minha liberdade e anonimato, para que possam viver. Para não matá-los. Pois amo Tiago com todas as minhas forças, e não poderia fazê-lo sofrer com a perda de entes queridos, e sei que em conseqüência, serei denunciada se voltar. Porém não posso perdoá-los, por terem apressado Tiago a se casar. Pois é a mim que ele ama. Casou-se apenas para agradá-los. Sei que Tiago é um homem honrado e nada fará com que volte atrás na sua palavra e no seu juramento. Sendo assim, me impuseram uma vida de derrotas. Sim! A derrota foi minha! Quem mais perdeu fui eu. Pois o maior tesouro, vocês estão levando. A minha vida se resumia a Tiago. Se ele se comprometeu de forma irremediável, então o que me resta? A partir de hoje, sei que estou banida e sentenciada a viver fugindo. Então é justo que os fira como me feriram. É justo que os marquem, como me marcaram, que os destrua como me destruíram. É justo que interfira e manche sua felicidade, como foi feito comigo. Vou lhes impor meu castigo agora. _ Ela!- Disse apontando a noiva.- Ela vai pagar o preço pela vida de vocês. Vai fazê-los se lamentar a cada dia pelo casamento de seu filho, assim como eu.

Dito isso, voltei a me dirigir aos marujos.

_ E para vocês, meus fiéis e únicos amigos, e agora também, toda família que tenho, e me orgulho disso, sempre me orgulhei, merecem sair ganhando, muito mais que merecido, pois são homens dedicados e fiéis. Fizeram-se merecedores de uma recompensa, que o dinheiro, em automar, não pode comprar. Estão, há muito tempo numa longa viagem cansativa, apesar dos lucros ganhos. Sendo assim, vamos fazer um brinde com o vinho que acabamos de encontrar no navio que receptamos e ... Que tal, matar as saudades das tabernas, com uma dama pura e donzela?

Imediatamente, começaram a medir o banquete que os esperava com olhares fogosos e divertidos. Tiago e sua família estavam incrédulas. Talvez por finalmente entenderem o que ia acontecer ou porque me reconheceram. Um sorriso triunfante despontou em meus lábios, viva como nunca, por saber que impunha a eles um castigo tão horrendo quanto o de ser banida. Foi quando percebi que os marujos discutiam ferozmente para saber quem seria o primeiro a deflorar a moça e gozar dos primeiros prazeres. Eram inescrupulosos. Isso era inegável. Melhor assim! Pensei. Fitei a moça e parecia que ela estava resolvida e determinada a enfrentar o que estava por vir, mesmo diante do desespero e lamento dos pais e sogros. Não pude deixar de admirá-la por isso. Tiago, ou seus pais, souberam escolher. Era uma mulher de fibra e gostava disso. Era uma mulher, que em outras circunstancias, gostaria de ter na minha equipe. Depois de algumas aulas de defesa e esgrima seria uma ótima navegante, com essa coragem e determinação. Mas, ali, naquele momento, não via hora de acabar com sua arrogância.

_ Caco!- Gritei e ele apareceu do meu lado imediatamente.

_ Sim...

_ Faço questão que seja o primeiro a ... se divertir.

_ Acho ótimo. Mas vai ser difícil fazer com que os outros entendam.

_ Deixe comigo.

_ Então vou tomar um banho...

_ Não!!! Exijo que fique exatamente como está!

Ele me fitou curioso, mas depois sorriu, abrindo aquela boca cheia de dentes podres, como se entendesse em fim minha intenção.

_ Má. Muito má!

_ Considerarei como um elogio.- E me virando chamei a atenção dos outros novamente.

_ Como todos aqui já sabem, o senhor Caco é o primeiro imediato desse navio e responsável por grande parte de nosso sucesso. Considerando assim, creio que ele mereça ser o primeiro a gozar os prazeres da bonequinha ai presente.

Ouve um murmúrio de protesto.

_ E quem não estiver satisfeito, pule da prancha ou enfrente a minha espada!

Fiquei um tempo observando para ver se alguém se aventuraria, mas como todos permaneceram em silencio, virei para me retirar e os deixar a vontade com sua prenda.

_ Podem começar a festa!- Ordenei já descendo as escadas para repousar no meu camarim.

_ Espere!

Voltei devagar e encarei Lucia.

_ A desafio para um duelo!

Ela disse com o queixo arrogante levantado e meus homens começaram a rir como se fosse a piada do ano.

_ Não pode comigo! Sou mestre na arte da esgrima. E muito experiente.- Não consegui deixar de sorrir zombeteira.

_ Prefiro morrer com a lamina de uma espada a ter que...- Ela olhou com indisfarçável nojo para Caco.- A ter que me sujeitar a esse ... Homem me tocando.

Os marujos acompanhavam atentos e divertidos, o dialogo.

_ Engraçado... Não me lembro de ter lhe dado opções... Além do mais, não devia se referir ao primeiro homem de sua vida dessa forma, ele pode se zangar e até não tratá-la com muito carinho.- Disse voltando a descer as escadas.

_ Débora!- Era Tiago. Parei com o coração dando pulos em meu peito mas não me virei.

_ Débora... Faço o que quiser para que liberte Lúcia desse... Castigo.

_ O que acha que quero e possa me dar?

_ Eu.

Comecei a rir e então me aproximei dele.

_ Já teve sua chance... Não posso aceitá-lo. Acabou de me ferir novamente, Tiago. Mostrou-me que também mentiu. Não somos tão diferentes. Jamais me faria uma proposta como se tivesse se renunciando a si mesmo se não a amasse. Vejo em seus olhos que se estivéssemos em posição inversa, aqui, hoje, me mataria. Ainda o amo com todo o meu ser, mas o odeio da mesma forma. Então, seja corajoso e fique ai observando o que era para você estar aproveitando, e aprenda como se deve tratar uma mulher com meus homens.

_ Se é assim que gostaria de ser tratada, porque não toma o lugar de minha noiva?

_ Porque, meu querido, isso não te faria sofrer.

Desci as escadas correndo e atravessando o corredor fui para o camarote, onde me jogando na cama, chorei . A força e a indiferença que consegui passar para as pessoas lá em cima, não condizia com meu estado de espírito. A vingança tinha um sabor amargo e não diminuía a dor. Acabei adormecendo.

Acordei acreditando que havia cochilado apenas alguns minutos. Logo me lembrei envergonhada do que tinha feito. Não podia permitir que aquela atrocidade continuasse em andamento. Decidida a pará-los antes que fosse tarde, subi correndo as escadas, mas chegando lá, a cena que vi, fez meu coração gelar e se quebrar em mil pedacinhos... Senti-me a mais suja dos seres humanos. A moça estava com seu vestido todo rasgado e sujo de sangue. Apesar das provações, pelas quais devia ter passado, não se via vestígios de lágrima em seu rosto. Só havia dor. Dor de vergonha. Dor de perda.

Caco e mais alguns homens estavam a um canto. Embriagados e com ar saciado. Eles não poderiam ter feito aquilo em apenas alguns minutos, devia ter dormido por horas... O horror se apoderou de meu coração. O que foi que fiz? O mal havia sido feito e não tinha mais como voltar atrás... Era tarde demais. Grossas lágrimas invadiram meus olhos e molharam meu rosto. Olhei novamente para a jovem. Estava com a saia levantada e num canto, homens tiravam a sorte para saber quem seria o próximo. Não entendia como fora capaz de tamanha atrocidade! Afinal a moça não tinha culpa dos erros e desencontros de minha vida. Um nó se formou em minha garganta. Perguntava-me a todo o momento como fora capaz de ir tão longe? Nada que fizesse agora seria suficiente para me redimir da dor que fiz aquela pobre moça passar. Não só ela, mas também seus pais que estiveram presentes e com mãos atadas, enquanto assistiam a filha ser violentada da forma mais vulgar possível. E Tiago... Parecia em estado de choque. Ninguém reparou em minha presença até que notei um dos homens se aproximando de Lúcia com um brilho animal nos olhos. Então comecei a correr.

_ Pare!- Gritei.

O homem parou imediatamente á meio caminho, ao ouvir minha voz de comando. Só assim todos me olharam, notando minha presença.

_ Ninguém mais toca nela!- Ameacei enquanto os prisioneiros me olhavam confusos e os marujos insatisfeitos. Ajoelhei ao lado de Lucia, que me fitava confusa e desembainhando a espada cortei as amarras de suas mãos e depois de ajudá-la a se levantar, lhe entreguei a espada. _ Me perdoe...

Ela abriu a boca, mas não a deixei falar.

_ Sei o que lhe fiz. Assim como sei que palavras não vão cicatrizar a dor que sente e é por isso que quero que aceite essa espada... Não só ela, mas tudo que tenho... E que me golpeie com ela para pagar com sangue o irreparável mal que lhe fiz. Não sou digna de viver. Não sou digna de mais nada!

Lúcia levantou a espada , erguendo-a acima da cabeça e então fechei os olhos esperando pelo golpe... que não veio. Quando abri os olhos novamente, ela já estava com a espada abaixada e mantinha um olhar superior. AO perceber a indagação em meus olhos, jogou a espada no mar.

_ Não quero nada que é teu.- O desprezo era notável em sua voz. _ E o que tirou de mim... Temo que não tenha para me devolver...Minha pureza e dignidade.

_ Minha morte será sua vingança.- Argumentei.

_ Se fizesse isso, me igualaria a ti, e já foram suficientes às humilhações que aqui passei, para ainda me tornar uma assassina desprezível....

_ O que mais posso oferecer-lhe então?

_ Se quer mesmo fazer algo por mim, soltem os meus e me prepare um banho... e um banquete para comemorar meu casamento como se deve.

Meus olhos se encontraram com os de Caco, que se apressou em abrir as correntes dos prisioneiros, que assim que se viram livres, correram a abraçar Lucia.

Com a cabeça baixa, comecei a me afastar. Eu a tornei uma heroína. Meu coração pesava com a dor de saber que o que na verdade mais queria, estava perdido para sempre.

_ Espere.- Parei ao ouvir a voz de Lucia. _ Pode me devolver meu navio?

_ Caco! Mande um mensageiro até Max e mande que venha até aqui.- Mais alguma coisa? Antes que diga alguma coisa, devo avisar-lhe que será impossível que levem sozinhos o navio até um porto, pois sua tripulação não posso devolver e não posso pedir aos meus marujos que lhes acompanhem, para serem presos.

_ Tem minha palavra que não serão denunciados. Até tu, poderá continuar freqüentando a sociedade, que ninguém saberá o que ocorreu aqui hoje. Pois quero lhe pedir mais uma coisa...

_ Porque? O que mais quer de mim?- Meu Deus! O que mais aquela criatura queria se até minha vida a ofereci?

_ Gostaria que parasse de piratear... Matar e roubar são pecados mortais. Não deve mais seguir essa vida. É uma mulher de grande beleza e de muitas posses... Há de arrumar um bom casamento.

Vi lagrimas no olhar daquela mulher. Sofreu sendo humilhada e não derramou uma única lagrima, mas as derrama por minha sorte... Paga com o bem, o mal que a fiz?...Mais tarde a entendi. Só entendi quando presenciei Lucia e Tiago juntos passando para o outro navio. Foi uma troca. Tirei dela algo que nunca poderia reaver e ela me levava o único homem que amei. Nem houve uma despedida... E aquela foi à última vez que os vi. Mudei para o campo, onde meus únicos companheiros, eram os empregados e a solidão. Jamais aceitei receber hospedes, só meu pai, que faleceu alguns anos depois dessa fatídica viajem. E ali vivi o resto de meus dias com lembranças, ora amargas, ora divertidas, me congratulando pelos atos de honra e me arrependendo dos cruéis, mas nunca feliz. Não podia ser feliz sem Tiago. E o que tirei de Lúcia, para meu castigo, morri com ela;- A virgindade.

Como se tivesse voltando de um transe, despertei e logo me deparei com Gabriel. Impossível descrever sua expressão.

_ Entende agora porque a odeio?- Sua voz era cortante.

_ Mas me arrependi! Isso não conta? Fiz o que pude para me redimir e ainda tive que viver infeliz e solitária...

_ Não foi o suficiente. Devia ter ouvido meus apelos. Senti-me um lixo. Um inútil. Incapaz. Obrigado a assistir homens fazerem mal a uma pobre inocente e não podia fazer nada... E tu, se fizeste surda aos meus apelos... Estragou tudo!

_ Porque me castigar mais? Foi embora com ela, enquanto que eu... Já paguei por meus erros.

_ Não! Não pagou! O sofrimento que se causa a uma outra pessoa, não são como palavras escritas, que uma simples borracha pode apagar. Acha que fui feliz? Não tem consciência da proporção que causou os teus atos! Eu a amava... E não deixei de amá-la enquanto vivi...

_ Então porque não me procurou? Podíamos ter sido felizes e poupado o sofrimento de ambos.

_ Não podia deixar Lucia. Toda vez que a olhava me lembrava do que fizera e te odiava. Criei um filho que não era meu, mas de um dos marujos que abusaram dela...

Aquela revelação me assustou e angustiou.

_ Nunca a toquei. Ela ficou traumatizada. Minha vida foi um inferno... Após alguns anos, me joguei da torre do castelo onde vivia e tirando minha vida, desci ao umbral... Houve uma nova chance e aceitei-a, prometendo que seria diferente, mas... Veja, tu mesma quantas vez me obrigou a descer ao umbral. Sempre foi cruel, se é uma parte de mim é a pior delas. Gostaria de jamais tê-la conhecido, mas nunca fora possível. Nossos encontros eram necessários para que nos acertássemos, mas tu, nunca permitiu que desse certo. Sempre egoísta e insensível, sempre se recusando a ceder e se resignar...

_ Não pode ter sido assim...

_ Então feche os olhos Lisa, que suas lembranças ainda não terminaram, então concordará comigo.

Obedeci.

Agora,era, uma fazendeira rica. Senhora ,de muitos bens e muitos escravos. Da época em que se tratavam os negros como animais e se acreditava que tinham sangue de cachorro e alma de macaco.

Andava em uma feira a procura de mais "peças" , para minha fazenda, parando ocasionalmente e abrindo suas bocas, para examinar-lhes os dentes, assim como se faz quando se quer comprar um cavalo. Enquanto isso, uma escrava me acompanhava em silencio, segurando uma sombrinha, para impedir que o sol queimasse meu rosto. Sua fisionomia era de resignação e sabia que no fundo me abominava e odiava. Seus sentimentos secretos, não eram novidade. Todos os negros de minha fazenda me odiavam. Era de se esperar, pois era muito perversa com eles e não demonstrava nenhum tipo de compaixão. Castigava-os pelo simples prazer de ouvi-los gritar por clemência. Descontava neles, a raiva que sentia do mundo. E ainda era elogiada pelos vizinhos por não ter problemas com fugas. O que não sabiam e nunca imaginaram era o porque. Houve sim, uma única vez uma tentativa infrutífera de fuga. Os fujões foram recuperados. Assim que chegaram de volta, mandei que lhes cortassem as mãos e dessem para os cachorros na frente de todos os outros escravos, que ficaram temerosos e jamais voltaram a insistir na busca desesperada por liberdade. Eram dois, os fujões. Um não resistiu ao amputar das mãos e antes que se decepasse a segunda mão já estava morto. O outro resistiu, mas mandei que o queimassem vivo, para servir de exemplo aos outros. Jamais me esqueci dessa noite, pois os escravos começaram uns hinos tão tristes, que apesar de não entender a língua, meus olhos se encheram de lágrimas. Afinal, os dois escravos alcançaram a liberdade. E naquele dia, passei a odiá-los mais ainda, pois entendi que eram mais livres que eu. Estava presa a um casamento arranjado, para sempre. Pobres diabos! Eram felizes e não sabiam.

Nesse dia em que caminhava na feira, procurava um escravo de boa aparência para me servir na cama. Meu marido deixava muito a desejar, já que para suas necessidades e orgias, se deitava com as negras da senzala. Acreditava-se, nesse tempo, que senhoras direitas, não sentiam prazer sexual. Também não sentia esse prazer, e não o conheci com meu marido. Fui conhecer o que era clímax, com um escravo. Há! Como era prazeroso senti-lo dentro de mim... Ele me possuía com fúria e ódio. Sim. Ele me odiava, e tentando me causar dor enquanto nos amávamos, mais me dava prazer... Mas, fui obrigada a matá-lo, pois ousou contar de nossos "momentos" para seus amigos. Soube através de meu capataz, que ouvira a conversa e louco para receber uma recompensa veio a me contar. Esse escravo com quem me deitava, por acaso, era marido daquela que agora impedia o sol de queimar meu rosto. Podia compreender sua raiva e dor. Aquele era um homem incomum e raro. E tomei-o dela. Gostava de me sentir assim.

Queridos leitores,

Vocês são minha grande motivação para estar sempre dando o melhor de mim. Sendo assim, venho lhe pedir que leiam o livro Desencontro do amor. Ele é esse mesmo livro aqui, porém está revisado. Com mais cuidado. Quando postei aqui, não imaginava que teria leitores e postei tudo sem revisar. E para vocês que merecem o melhor, eu resolvi que ele seria um bom livro.

Boa leitura a todos,

O autor