– Neet, sai daí!
– Nem vou.
Duas crianças, uma menina e um menino, brincavam afastados de suas vilas. Eles estavam em um ambiente curioso para forasteiros; terras planas, secas, amareladas, cobertas por rachaduras e morte. Incrivelmente, de frente a este enorme deserto estava uma larga e vivida floresta. Era impossível ver seu interior, já que ela era coberta por fortes troncos acinzentados. Quem olhasse para cima, não veria o fim das árvores. Essa curiosidade dominava algumas crianças, sendo a grande representante de todas elas, Neet Nutzlos, que tentava ao menos ver a escuridão que dominava a floresta. Para isso ele subiu num dos poucos galhos que o tronco oferecia.
Novamente, para aqueles de fora, a árvore tinha uma constituição estranha. Além de cobrir toda a floresta, ela tinha ramos e galhos que curvavam-se ao chão. Não todos, mas a maioria, tinham frutas semitransparentes de cor azulada, ao qual em seu interior podiam-se ver sementes, que preenchiam quase toda fruta.
Dito isso, lá estava Neet, em cima de um galho, se equilibrando para não cair. Era incrível a resistência da árvore; dificilmente o baixo peso do garoto impediria o galho de se quebrar, mas é interessante falar sobre isso.
Neet, assim como sua amiga Unrein, sofriam do que estrangeiros podem chamar de inanição. Seus corpos eram magros, sendo mais perceptível com Neet, que estava sem camisa. Não parecia existir gordura no corpo. Seu rosto era magro, suas olheiras eram fundas, seu cabelo era raspado; tanto para Neet, quanto para Unrein. Suas vestimentas eram simples: sacos para camisetas, calças de pano, sem sapatos ou quaisquer tipo de vestimenta. Suas peles eram negras, mas Unrein estava roxa de preocupação.
– Para com isso… Sai daí, Ne- Neet! - uma surpresa para a pequena de 6 anos. Neet que se fazia de surfista, um piadista de frente ao perigo, estava agora na sua tão esperada jornada de bater sua fraca face no chão. Ou seria isso se ele não tivesse se segurado no galho no último segundo. Como um macaco treinado para ir as olimpíadas, ele ficou girando no mesmo galho até parar em pé. Unrein vendo isso quase que cuspiu seu coração para fora.
– Mulheres gritam demais… Além disso, eu to com fome. Não saio daqui antes de pegar uma fruta. - disse o pequeno, vendo um galho um pouco afastado, com uma gorda fruta azulada. Ele não pensou duas vezes antes de pular e se agarrar nela.
- … Se fosse isso mesmo a gente estaria no Oeste, onde as frutas sempre caem no final de semana! - disse Unrein, ainda apreensiva, mas aos poucos deixando sua personalidade aflorar.
– Você só fala isso porque mora lá. Além disso as frutas do Oeste são muito pequenas. Eu quero pegar uma grande!
Ela tinha começado a ficar com raiva… - Olha aqui seu idiota! - os olhos de Unrein, de castanhos se tornaram vermelho sangue, como se toda a ira do Inferno a possui-se. - Mesmo que você queria pegar as maiores frutas, elas não vão sair só porque você quer! Até um imbecil como você sabe esse tipo de coisa! - ela estava vermelha de raiva, até chorava um pouco.
Neet vendo isso, resolveu tocar na ferida.
– Com quem você aprendeu a me xingar com tantos palavrões?
A partir daí, Unrein saiu do mundo terreno e começou a viver no dela. No momento que suas palavras saíram de sua boca, foi transportada para um mundo onde apenas ela importava, onde todos deviam escutá-la. A pequena começou a balbuciar sobre como tem tantas palavras em seu vocabulário. - Eu conheço essas palavras, pois mãe costuma usar elas com frequência no meu pai; eu também quero me tornar uma sábia, então eu preciso saber bem sobre esses assuntos. A maneira certa de falar, você sabe… Ah, você não sabe. Fu fu fu. - Ela tinha seus sonhos, Neet respeitava isso. Mesmo assim, aquela risada arrogante característica de sua personalidade, o irritava profundamente. Era um dor que ele precisava aguentar, entretanto.
Com Unrein cega, mas quase voltando pra realidade, Neet resolveu mexer com ela um pouco mais.
– Porque você quer ser uma Sábia mesmo? Parece tedioso.
Unrein, ouvindo isso, se encheu de raiva. Suas bochechas encheram de ar, seu nariz ficou arrebitado, e colocou as mãos na cintura, sempre de olhos fechados. Foi daí que ela começou uma longa explicação do que é ser um Sábio.
– Pela milésima vez, um Sábio ensina as futuras gerações como elas devem se portar. Eu tenho muitos ensinamentos a passar para as futuras gerações. O teste pedagógico acontece quando os novos cidadãos fazem 10 anos. Isso me lembra de uma coisa! - então ela começou a se perder de novo. - Minha mãe anda meio estranha com meu pai. Ela sempre reclama dele em casa, e quando o pai vai trabalhar com a colheita, ela nunca para em casa. Sabe, o pai da família vizinha é bem amigo da minha mãe. Quando ela finalmente volta pra casa, ela não para de falar dele. Eu não sei porque, mas eume sinto um pouco triste pelo pai… Ele trabalha tanto, e quando abraça a mãe ela só falta bater nele… Sabe, Neet… Eu gostaria que você me ajuda-se… Eu te chamo de bobo e esse tipo de coisa, mas eu gosto da sua companhia… Falo sério… Então… Pode me ajudar com isso? - ninguém respondeu. - Neet? - no momento em que ela abriu os olhos, um grito estridente soou pelo horizonte.
Neet tinha sua cabeça enterrada no chão, jogado como um saco de batatas. A fruta pesava em sua cabeça. Nota: o grito de Unrein não foi de medo, mas sim de raiva. O garoto, ainda vivo, demorou um pouco para se levantar. Sua cabeça já não pesava mais, o que era bom para ele. Ainda zonzo, viu seu braço com um grande arranhão em formato de linha. Não era o primeiro e nem seria o último machucado em sua pele, isso até o deixava mais maravilhado sobre as árvores, brincando de que até esse pequeno pode desafiar os invencíveis e sobreviver.
– De qualquer forma, cade minha fruta?
A resposta para essa questão foi um pouco ruim para Neet. Olhando para a esquerda e para a direita, viu Unrein, que já estava partindo, com algo em sua mão. Gritando pelo seu nome, ela parou, olhando para trás, soltou um sorriso sínico para o garoto, correndo com a fruta em suas mãos.
O espírito de Neet gelou. Ele já não era mais um garoto, e sim uma fera vingativa. Sem o menor preparo, correu atrás da menina, como um Hollow atrás de um corpo.
Após a medida corrida, O primeiro obstáculo de Unrein apareceu… A cerca. Sendo maior que uma criança, servindo apenas para limitar o trabalho do lazer, ela era aberta de acordo com a colheita. Como cada ponto do país é cercado pelas árvores, e como cada ponto tem uma época de maturação diferente, as cercas apenas se abrem quando as frutas caem. Dito isso, Unrein, que não era atlética, e tinha medo de altura, perdeu muito tempo tentando subir a cerca. Em cima da cerca, olhando pra trás, viu Neet, que partia como um foguete. Seu medo de altura foi trocado por outro. Saiu correndo quando bateu os pés no chão.
Já Neet, jovem atlético e sem o menor respeito a seu corpo, tomou vantagem de seu leve peso, e caiu de cara no chão, de novo. Como era de costume, ele só continuou e saiu correndo atrás de sua amiga mais uma vez.
No momento em que eles passaram as cercas, finalmente chegaram em seus lares. Baixa Wytegard, o deserto vivo.