Eu acredito! Eu acredito no sorriso, mesmo que a lágrima desça ao solo; eu acredito nos olhos, mesmo que se mostrem abatidos; eu acredito no que é luz, mesmo que a escuridão acredite que a transformou em uma centelha chamada saudade.
Ariel os viu, mas não teve tempo para conter Lázarus. De súbito, tomado de ódio ele desceu com violência à frente do estranho ser, empurrando sem ver a menina para trás, que caiu sentada, mostrando no rosto toda a confusão sobre o que estava acontecendo.
Também sem entender o que estava acontecendo o ser estranho parou e, imóvel, o encarou.
Lázarus só vira a criatura, e nem se dera conta de que ele estava com a mesma menina do outro dia, e que pareciam caminhar em paz.
Ariel desceu apressada à frente da menina, as mãos estendidas como lhe pedindo para deixar que ela cuidaria disso.
Para horror da menina ela viu Mulo se virar, o desespero em seus olhos, acreditando que a vigilante iria se vingar nela. Tomada de horror levantava o braço para impedir o que via no momento em que ele avançou apressadamente contra a vigilante. O golpe nas costas foi extremamente violento pela urgência de que se vestia, empurrando-a com terrível brutalidade contra o chão. Tomado de fúria pisou em suas asas, as mãos em garra apontadas para sua nuca.
A fúria que o tomava era tamanha que ouvia os gritos da menina pedindo que parasse como se fosse de dentro de um poço profundo.
Lázarus, tomado de ódio, como um corisco se lançou para onde estavam, conseguindo segurar o pulso da criatura a poucos milímetros da nuca da vigilante, que se mostrava totalmente atordoada.
Lázarus, como em transe de tanto ódio, o puxou para trás, as asas segurando-o pelos lados. Com fúria o girou no ar e se jogou com ele contra o solo, os punhos atingindo-o desvairado nas costas e nuca, cada vez com mais potência, para que ele sentisse toda a dor que lhe reservava.
Quase atingiu Ariel quando ela tentou tirá-lo de cima do ser, que já se mostrava desmaiado, tal a fúria do ataque.
- Veja, veja... Você o está matando. Pare, pare, por favor – gritava Ariel, se esforçando em segurar o seu punho.
Como se a lucidez fosse algo que avançava com extrema lentidão, os sons foram fazendo sentido num suave crescendo. Então conseguiu ouvi-la em algum momento. Nesse momento relaxou o punho que Ariel ainda segurava, encarando Ariel de vez.
Foi então que viu uma menina, o arco armado com a flecha ao lado do corpo sacudido por terríveis tremores, os ombros arriados, uma agonia profunda no rosto. Os olhos estavam desmesuradamente abertos, de onde lágrimas botavam com fatura.
Lentamente Lázarus se virou para a criatura. Puxou a cabeça dele para o lado, em dúvida se ele estaria morto ou desmaiado. Avançou sua consciência, conferindo que o coração daquele ser batia com muita lentidão.
Com muita lentidão, sem tirar os olhos da criatura, se levantou. Somente após conferir mais uma vez que ele estava inconsciente, se virou e abraçou Ariel.
Surpreso viu que a menina era a mesma menina do outro dia, que julgara que ele sequestrara. A viu jogar o arco e a flecha para o lado e se atirar ao lado da criatura, abraçando-a desesperada, o choro irrompendo alucinado.
Se afastou um pouco de Ariel, os olhos cheios de perguntas e confusão. Ela apenas sorriu e o puxou para longe.
- Você o matou? – perguntou preocupada, bem baixinho.
- Eu, ... Não, ele não está morto, ainda. Eu queria que ele sentisse...
- Você o estava torturando?
- Um pouco – confessou confuso. – Afinal, o que está acontecendo aqui?
- Não percebe? – voltou-se, mostrando os dois.
Lázarus examinou a situação, e a compreensão foi brotando em sua mente.
- Os dois estão juntos. Ele a estava protegendo...
- É o que parece – ela sussurrou baixinho.
- Você o viu quando o atirei no chão? – perguntou, após algum tempo.
- Não! Eu ainda estava me recuperando. O que foi?
- Ele tentou reagir. Vi farpas negras surgindo por baixo dele, como se ele estivesse se forçando a se levantar para lutar. E havia as farpas com que ele tentou me atingir. Por isso aumentei minhas forças, para enfraquecê-lo.
- Temos que resolver isso. Ela tem a alma boa. Se ela está com ele, ele deve ter seus méritos. Ele a estava protegendo – ela repetiu, segurando seus braços, olhando fixamente em seus olhos.
- Éééé... Uma baita confusão. Ele atacou sem tentar compreender...
- Igual a um que eu conheço. Parece que você encontrou alguém igual a você...
- Venha... - pediu num sussurro gentil, puxando-a na direção dos dois.
A menina, vendo Lázarus se aproximar, se dobrou protetora sobre o ser caído como se para protege-lo, o choro sentido como um pedido de clemência, os tremores aumentando e correndo por todo o corpo.
- Fique tranquila, menina – falou Lázarus com suavidade. – Agora eu compreendo, e vamos ajudá-lo.
A humana girou a cabeça, deixando escapar um gemido profundo. Sem se desgrudar do ser examinando os olhos do anjo, e suspirou profundamente aliviada, relaxando por fim.
Com carinho Ariel a tirou do lado dele, dizendo com grande carinho que iam ajudá-lo. Ela, totalmente perdida, se deixou cair de joelhos poucos metros além, o corpo se dobrando abandonado, procurando mantê-los sob seus olhos. Tomada de dor viu os dois se ajoelharem ao lado dele e virá-lo com muito cuidado. Então viu luzes partindo das mãos dos dois, impostas sobre o peito dele.
Das mãos viu surgirem mais lavaredas suaves de luzes, que com uma suavidade enorme foi se espalhando por ele. O corpo pareceu se tornar um pouco mais leve, arqueando-se para cima.
Então, tentando não ser ouvida, ela começou a chorar, assim que viu que ele se reanimava timidamente.
Sem poder se conter deixou o choro irromper silenciosamente, vendo Ariel pressionar seu peito, voltando o corpo a ficar totalmente deitado no chão de folhas macias.
Seu coração bateu mais forte assim que eles fecharam as luzes e recolheram as mãos. Os olhos os acompanharam se erguer e ficarem em silêncio ao lado do corpo. Lentamente baixou os olhos, um medo doído se escondendo dentro de sua alma. Então o viu, e seu coração se encheu.
A menina se ergueu depressa e correu para ele, sobre o qual se dobrou, se perguntando em que momento ele se tornara tão importante para ela.
Houve uma certa tensão quando os dois anjos o viram abrir devagar os olhos, a dor no semblante.
Ele se fixou primeiro nos dois, e depois na menina que chorava em seu peito. Gemeu quando levantou os braços e a envolveu, os olhos agradecidos postos nos dois anjos que se elevavam devagar, sem tirar os olhos deles.
Lázarus o examinou, bem como sabia que Ariel fazia. As auras dos dois estavam se fortalecendo, e as cores eram belíssimas de se ver, as bordas de um totalmente imersas na do outro.
- Não importa o que ele seja – Ariel sussurrou para Lázarus. – Eles são bons, eles são de luz.
- Sim, essa é uma verdade – Lázarus sorriu para seus olhos.
Então se virou para os dois, que se deixavam abandonados naquele abraço que acreditaram por um momento que nunca mais teriam como usufruir.
- Você vai ficar bem – falou para o estranho ser. - Voltaremos mais tarde, como amigos, se permitirem – ouviu o anjo falar com um sorriso amigável no rosto, enquanto subiam mais alto no céu, onde se perderam.
Não tinha certeza, mas torcia para que o anjo tivesse visto todo o enorme agradecimento que tinha na alma.