O que são as leis? Para muitos, algo para ser contornado, distorcido; para outros, a proteção de um irmão aos brilhos dos olhos do outro.
Yanna passou os olhos pelo quarto. O vento que anunciava a chuva que já descia as montanhas entrava pelas janelas, fazendo dançar como fantoches as cortinas de rendas brancas, enchendo o ar daquele ruflar de velas de navio preso em recifes. Ela olhou penalizada para a mulher deitada na cama, desfigurada; a melhor amiga do homem – pensou com tristeza.
O homem estava ao lado, sentado numa cadeira de vime giratória, parecendo um pequeno monte de entulhos.
- Ora, pelo amor de Deus... É só um robô, minha gente. Eu até gostaria que a tirassem daqui logo, para que meu cliente possa se tranquilizar – reclamou com arrogância e afronta.
Yanna olhou para o advogado, mal disfarçando sua irritação e cansaço...
- Sabe, mocinho – falou com claro deboche, - sei que nas aulas lhe falaram para conversar com os oficiais de polícia com empáfia e arrogância, como se quisesse empurrá-los para longe. Eles devem ter medo de você, posso até ouvir seu professor lhe dizendo; devem querer você o mais longe possível, levando a tiracolo seus clientes.
O advogado a olhou com ar de pena.
> Pois eu lhe digo, moço, que não será assim... Claro, ela é um robô, mas feito de forma a ser quase humana... Um animal dócil, uma criança dócil, prestativa e extremamente obediente. Sim, claro que sim... Mas, me diga: o que pode uma pessoa que faz isso com o que está sob seu poder, que não possa fazer a uma pessoa que por acaso submeta? Uma vida, artificial ou não!
- Discutiremos isso nos tribunais, e tenho certeza de que sua tese desmoronará – falou com desdém. – Ela não se sustenta.
- Diga isso para o seu cliente. Iluda-o, porque só assim terá seu pagamento, e poderá esticá-lo ao máximo.
- Pois eu a perdoo, porque a senhora ainda não examinou com cuidado a cena toda... Essa boneca deu pau, arriou... Ela ia destruir meu cliente...
- Sei, tornou-se potencialmente perigosa... – olhou para os genitais da robô, todo esgarçado. Havia nítidos sinais de mordidas furiosas e profundas e beliscões, de cortes profundos, de socos. - Sei...
Yanna ficou pensando um momento, e decidiu que adoraria deixar aquele panaca ir pelo caminho que estava visualizando. Mas ela tinha um trabalho a fazer, e queria terminar logo com aquilo. Afinal, seria uma lição para todos os outros.
- Talvez vocês não tenham tido conhecimento do fato, mas no ano passado um imbecil de um advogado de porta-de-cadeia pensou que poderia sair-se bem com algo assim, porque levou seu cliente a pensar que poderia até mesmo ganhar uma grana extra da New Robotics. Foi um caso muito divulgado na época... Acaso teve conhecimento, ou estudou pelo menos, o caso Mafeus?
Como o advogado permanecesse em silêncio resolveu continuar:
> Mafeus era um robô homem, usado para divertir noitadas femininas ou homossexuais. Acontece que o desligaram, mas não antes de torturá-lo com atos de sadismo de todas as formas possíveis. Na época essa foi a alegação, de que aquele robô extremamente poderoso estava perdendo o controle, visto que seu controle de êxtase estava em curto..., coisa verdadeira, mas que, como descobriu-se mais tarde, foi providenciado por um deles, que trabalhava numa linha de manutenção de robôs, e fez o trabalho.
> Mas isso não deu certo!
Ela adorou quando viu que a face do homem sentado na cadeira de vime esbranquiçou, enquanto se desenhava no rosto arrogante do advogado uma dúvida e uma desconfiança.
> Pois bem, a New Robotics tem condições de tirar dos cérebros positrônicos de seus robôs informações que até mesmo parecem ser um suspiro. Não há como impedir que a companhia acesse esses dados – Yanna estudou o rosto dos dois e viu que a ficha havia caído. - Os robôs avariados, por lei, que você conhece muito bem, são obrigados a voltar para a fabricante, que deve expedir laudos. Tipo um atestado de óbito, entendem? – Sorriu. – Sabem, eu fico imaginando: o que será que essa robô irá nos contar? Você também não tem esta curiosidade, Sr. advogado de porta-de-cadeia?
- Para falar a verdade, não... Em todo o caso, digamos assim: essa robô era e é propriedade do meu cliente. Ele pode fazer com ela o que ele quiser, não é mesmo?
- Como propriedade sim, ele pode fazer o que quiser... não há dúvida quanto a isso...
- Então ele pode mandar destruí-la de vez e...
- Eu acho, aconselho mesmo, que se especialize nas leis que envolvem os robôs, meu amigo. Quando há destruição, que não seja acidental, de um robô, o autômato será apreendido e recolhido pela fábrica, que indenizará o cliente, porque se trata de "lixo" altamente tóxico, e que pode esconder em si um imenso perigo, se não for corretamente desativado, mesmo que pareça inerte. Imagina se um robô enlouquecido acorda e... Bem, as leis estão aí para nos proteger, não é mesmo? Mas, além disso, é óbvio que a justiça irá querer fazer um levantamento de sanidade e de adaptação social que o humano teve com ele e...
- Meu cliente não tem medo desses testes. Ele é perfeitamente controlado.
- Sim, acho que sim... Você o diz. Mas, e quanto à sua tese de que a robô o atacou? Vai sustentá-la? – perguntou com cinismo, olhando o homem sentado, a cabeça pendendo de encontro ao peito...
- Na verdade foi só uma hipótese. Eu ainda não conversei com meu cliente sobre isso. Vocês chegaram antes de mim... – brincou.
- Sei!!! Mas, sem essa tese seu cliente ficará com a imagem meio abalada, não é mesmo?
> Vendo tempestades no horizonte, meu amiguinho? – debochou ao ver a cara agora preocupada do advogado, enquanto o cliente deixava de lado sua pose de frangalhos e olhava para ele com nítido ódio.