O sol brilha alto sobre a Torre de Babel, mas o calor sentido vem de uma outra estrela, bem menor e muito mais irritada, localizada no segundo piso da grande Torre.
— Pro inferno com a Torre!
A pequena Sunna aperta com força a espada de prata que segura em sua mão direita, deixando um rastro de fogo onde pisa ela explode para fora de seu quarto para seguir Enoque e Lilith que a pouco saíram.
Com passos largos e rápidos ela pula a cratera de seu último ataque e corre pelo corredor em direção ao quarto de Enoque, o primeiro local que pensa em procurar os dois. Enquanto segue o caminho, nota os cristais de luz que iluminam o interior da Torre oscilarem, sendo uma das poucas pessoas no local que presta atenção neste detalhe, ela sabe muito bem o significado da oscilação, a porta principal está sendo aberta.
Imaginando que a mulher de cabelo de sangue esteja saindo da Torre com seu companheiro, Sunna corre o mais rápido que pode, cada passo de seus pés descalços deixa uma marca de fogo no piso de pedra, por sorte seu quarto é o mais próximo do local, não demorando nada para ela chegar no salão. Descendo as escadas ela rapidamente percebe que não tem ninguém do lado de dentro abrindo a porta da Torre, o que significa que outro membro está chegando, um alívio momentâneo.
Sunna se mantém ao pé da escadaria enquanto espera para ver quem chegou, por mais que a garota saiba que apenas membros possam abrir a porta, o fato que uma invasão acabou de ocorrer a deixa receosa, logo que Sunna percebe o semblante de uma pessoa desconhecida do outro lado da porta seus instintos disparam e ela se põe em guarda por precaução.
A porta continua a se abrir, revelando duas silhuetas distintas, Sunna reconhece a menor como sendo a pequena Touro, mas não reconhecia a senhora ao seu lado. Apesar da Europa estar acompanhando esta mulher, Sunna permanece com a guarda alta e sem se aproximar ela tenta esclarecer a situação.
— Europa, fico feliz em ver seu rosto, mas este não é o melhor momento para visitas.
Sunna é interrompida por Proserpina que lentamente caminha na direção da garota.
— Onde ele está?
— Senhora, não estou com tempo pra…
Sunna percebe Europa sinalizando logo atrás da Proserpina, tentando chamar a atenção da pequena Áries. Ao conseguir a atenção da garota, Europa faz dois sinais familiares para ela. Formando o sinal de "ok" com as duas mãos, juntando o polegar e indicador e deixando os outros dedos estendidos, ela toca o punho direito com o polegar e indicador esquerdos enquanto faz o mesmo no pulso esquerdo com o polegar e indicador direitos. Mantendo os sinais de "ok", em seguida ela coloca a ponta dos indicadores e polegares juntos na altura do peito, apontando o resto dos dedos para o chão. Finalizando ao apontar para proserpina.
— Zodíaco de Câncer… então você é a Proserpina! Menos mal, escuta…
— Perguntei onde ele está!
Proserpina continua a avançar passo a passo enquanto Sunna solta um pequeno sorriso nervoso ao perceber que aquela mulher não parece interessada em ajudar.
— A noite tá cada vez melhor.
Proserpina chega a três metros de Sunna, que para se manter segura ergue uma barreira de fogo elevando a temperatura ao seu redor, impedindo que a mulher chegue mais perto.
— Proserpina, esfria a cabeça. Nós temos problemas maiores no momento.
Sunna tenta fazer com que a mulher se acalme antes de dizer o que estava acontecendo na Torre. Proserpina não parece que irá acreditar que a garota não sabe onde Enoque está e também não parece que irá reagir bem se souber que ele desapareceu com outra mulher.
Proserpina para de andar no limite da barreira da princesa, após alguns segundos de um desconfortável e silencioso contato visual entre as duas, Proserpina vira seu rosto e olha para trás na direção de Europa, que assiste a discussão de longe sem intenção de se meter na briga das duas.
— Europa. Venha aqui e faça ela falar!
Europa apenas sacode a cabeça de um lado para o outro em sinal de negação, para o desgosto de sua mãe.
— Como assim "não"? E a promessa de cuidarmos uma da outra? Vai deixar sua mãe sozinha em um momento de necessidade?
Europa vira a cabeça para o lado enquanto revira os olhos pelo drama que já está acostumada a escutar. Sunna por outro lado se torna descrente da cena em sua frente, em frustração ao tempo que está perdendo com aquela mulher, ela aponta sua espada para a Proserpina e confronta seu comportamento… com uma péssima escolha de palavras.
— Não me admira o Enoque ter se afastado. Você é…
No segundo em que Sunna usou aquele nome o ar no salão pesa, enquanto em torno de Proserpina ele vibra violentamente. Europa, imediatamente corre para a direção de sua mãe que permanece de costas para Sunna. Seu rosto se esconde nas sombras enquanto ela, lentamente, vira o corpo para encarar a pequena Áries, que instintivamente pula para trás ao perceber a mudança no clima. Sua barreira de fogo se intensifica enquanto olha para o que descreveria facilmente como um verdadeiro demônio em pele de cordeiro.
Europa finalmente chega perto o bastante da mulher para segurar sua mão, mas no instante que sua pele toca a de Proserpina ela é desintegrada, desaparecendo em incontáveis partículas que se espalham pelo ar.
Sunna aperta com força a espada em sua mão com intenção de atacar antes de ser atacada, mas tudo que seu corpo faz é continuar recuando enquanto o demônio em sua frente lentamente se aproxima. Passo a passo, a Proserpina caminha, até que perde o equilíbrio e quase cai sem cerimônia.
A senhora balança os braços para se manter de pé em frente aos olhos confusos de Sunna. Proserpina olha para o chão e tenta mover as pernas, mas seus pés parecem grudados ao chão. A sensação de estática no ar deixa claro para a mulher quem era o responsável.
Ao fundo, a porta volta a se abrir e um segundo par de silhuetas surge. A primeira a entrar na torre esbanja energia, correndo de forma extravagante a moça alta se aproxima das duas com um sorriso no rosto. Seu cabelo castanho de dois tons enrolados em uma gigantesca trança voa de um lado para o outro acompanhando seus movimentos, junto da regata e saia longa marrom que combinam com sua pele morena avermelhada.
— Odeio ser quem vai dizer isso, já que normalmente sou eu quem é lembrada das regras.
A moça se põe entre Proserpina e Sunna em um pequeno salto, apontando as palmas de suas mãos para as duas.
— Brigas entre os membros são expressamente proibidas. Especialmente na Torre.
Proserpina olha com indiferença para a moça, desviando o olhar por um segundo para o pingente com um cristal azul que decora a testa da energética garota, que por sua vez devolve o olhar por um coberto de leveza e tranquilidade, o completo oposto do clima no local, e logo em seguida a senhora olha para a enorme figura que parou atrás dela.
— Não se metam, isso não envolve vocês.
Atrás de Proserpina estava a segunda silhueta, um homem ainda mais alto que a moça de antes, passando facilmente dos dois metros de altura, o armário de pele escura e músculos gigantes vestindo um terno elegante, olha Proserpina com um semblante sério mas sereno, seus olhos amarelos sequer piscavam.
— Com todo o respeito, senhora Proserpina, não posso permitir que você ameace a senhorita Sunna.
— Senhorita é a mãe! Já mandei não me chamar assim, Tupã!
— Perdão senho… Sunna!
Sunna grita ao fundo, fazendo o grandalhão se assustar e a moça de cabelo trançado voltar a sorrir abertamente enquanto confronta a senhora.
— E de qualquer forma você está errada, Propro. Só existe uma razão para você estar aqui ameaçando a novata e isso me envolve. Você goste ou não.
A moça se inclina para frente e cruza olhares com a psicótica Proserpina.
— Então… onde está o meu pai? Você também percebeu, não foi? Por isso está aqui.
— Sei que ele estava com essa aí, Artemis, mas perdi o rastro dele pouco antes de chegar na Torre.
— "Essa aí"?! — Sunna reage irritada ao fundo.
— Humm… e como você soube disso? Tupã e eu viemos para cá assim que senti o Déjà vu e mesmo assim você chegou antes de nós. Como explica isso?
— Não tenho que explicar tudo a vocês. De fato, não tenho que explicar nada a vocês!
Proserpina balança a mão direita e uma nuvem de poeira se forma ao seu lado, aos poucos a nuvem se condensa, toma a forma de uma silhueta humana e por fim se transforma na pequena Europa, que imediatamente dá as costas para sua mãe fazendo um enorme bico com sua boca.
Proserpina volta a virar o rosto e encarar Tupã.
— Agora, faça a gentileza de retirar a estática prendendo os meus pés, Leão. Eu agradeceria.
— Certo. Mas por favor, não aja imprudentemente, senhora Proserpina.
Pequenas fagulhas elétricas correm pelo chão indo dos pés da senhora em direção ao do homem.
Proserpina coloca as mãos nos ombros de Europa que a continua ignorando.
— Vou estar no quarto do Enoque procurando por alguma coisa que ajude a encontrá-lo. Tentem não me atrapalhar.
Dito isso, Proserpina e Europa explodem em uma nuvem de partículas que desaparece em direção ao seu destino anunciado.
Sunna se irrita com o que está acontecendo, mas decide ignorar por hora já que ela goste ou não, ainda é a novata do grupo.
Tupã caminha até Artemis que passa a mão em sua enorme trança enquanto suspira desanimada.
— Artemis, meu amor. Será que podemos deixar a senhora Proserpina sozinha no estado que está?
— Relaxa. Não é a primeira vez e não será a última que isso acontece. Agora para o outro problema.
A moça se vira e olha desapontada para Sunna.
— Sunna, eu pedi tanto que não caísse na do meu pai…
— Já chega! Os dois, calem a boca! Já perdemos tanto tempo com discussões idiotas! Agora quietos e me escutem!
Sunna explode enquanto balança sua espada de prata com raiva, tomando o controle da situação enquanto de forma resumida explica o cenário em que se encontram.
Artemis e Tupã se aproximam de Sunna, a garota de um metro e cinquenta, mesmo estando alguns degraus acima na escadaria ainda precisa olhar para cima ao encarar o casal que troca palavras tentando entender a situação.
— Cabelo vermelho… pele pálida… não consigo pensar em ninguém com essa descrição. E ela só queria meu pai? Acha que ele finalmente conseguiu?
— "Conseguiu" o quê?
— Que a cabeça de baixo matasse a de cima.
— Amor, por favor. Seria melhor procurarmos por ele pela Torre.
— Se a Propro não está vendo o rastro da alma dele é certo que não esteja aqui.
— Para fazer tudo que fez e ainda ser capaz de sair da Torre sem usar a porta…
— Sair daqui é a parte fácil, como ela entrou que me incomoda. Odeio dizer isso, mas vamos ter que fazer uma contagem de cabeças, ver se algum membro está faltando. Sabe… além do meu pai.
— Depois nos preocupamos com isso, agora temos que encontrar o senhor Enoque. Vou buscar o Gêmeos.
— Tenho uma ideia melhor, vai atrás da Capricórnio.
— Acha que ela vai querer nos ajudar?
— Claro que não! Pode chamar de intuição se quiser, mas acredito que aquela mulher esteja envolvida de alguma forma. Dá uma apertada nela, veja o que sabe. Se não funcionar você pode ir atrás do Castor.
— Certo. Tomem cuidado enquanto eu estiver fora.
Artemis sorri e com o punho direito ela soca de forma amigável o peitoral do homem.
— Relaxa. Agora vai atrás da cabra velha que eu tomo conta da ex psicótica!
Tupã acena com a cabeça e se retira da Torre deixando para trás o estrondo de um trovão. Artemis se põe a subir a escadaria enquanto fala com Sunna.
— Pode ir descansar, princesa. Você já fez o bastante por hoje.
O punho da garota aperta o cabo de sua espada de prata enquanto um leve aumento da temperatura chama a atenção de Artemis.
— Está insinuando que é minha culpa o que aconteceu? Posso ser a novata aqui, mas…
Artemis para de subir as escadas, olha nos olhos da pequena Áries e sem um pingo de hesitação responde a pergunta com um semblante sério.
— Não seja paranoica, garota. Ninguém nesta Torre acharia que você é a culpada por hoje… tá, talvez a Propro ache, mas ela não conta.
Artemis volta alguns degraus e se abaixa para ficar de frente para a garota.
— Meu pai não é um santo, é certo que isso tudo seja culpa dele mesmo. Quando disse para não se envolver com ele era para que você não acabasse enrolada nessa teia. Colocando de forma simples, você ainda tem muito o que viver para entender como esse mundo funciona, então relaxa e se preocupe apenas com seu trabalho por enquanto.
— Espera mesmo que eu sente e não faça nada?
— Não. Eu espero que você sente e esteja pronta caso precise fazer alguma coisa. Você já deve ter ouvido o ditado da calmaria antes da tempestade, não é?
— Claro! Quem não ouviu.
— Ótimo, agora esqueça esse ditado. Na vida real uma tempestade sempre atrai outras. No melhor cenário meu pai enrola essa mulher como ele sempre faz, e depois volta pela porta da frente como se nada tivesse acontecido.
— O pior cenário sendo ele não voltar.
Artemis se levanta ainda olhando para Sunna.
— Não. O pior cenário seria a Proserpina achar que a culpa dele não voltar é sua. A primeira princesa de Alexandria morrer pela mão de um dos nossos, seria o estopim que muitos estão esperando. Não ignore o peso que seu nome carrega, Sunna Magno!
Artemis volta a subir as escadas enquanto acena para Sunna que permanece parada com certa frustração no olhar.
— Agora vai dormir um pouco. Se quando acordar ainda não tivermos encontrado o corpo dele, você pode ajudar estas moscas se assim quiser.
Artemis continua a subir as escadas até sair da visão de Sunna que senta desanimada na escadaria. Apoiando o rosto na mão esquerda, a garota solta um suspiro enquanto olha para seu reflexo na lâmina da espada de prata, sozinha no salão ela fala consigo mesma.
— Olha onde você foi se meter, palito de fósforo.
…
— Vê se não vai morrer, azulzinho.
Sunna se apoia em sua espada para levantar, lentamente ela sobe os degraus da escadaria indo em direção ao seu quarto.