Entro no escritório. Atarefada, ligo o computador e sento. Chega Cássio:
- Oi amor, tudo bem? – pergunta sorrindo, esperando um abraço.
- Tudo bem. – respondo seca.
Levanto, cumprimento-o com um rápido beijo no rosto e sento. Percebe meu distanciamento e faz uma feição de choro.
Vira-se e segue para a sua sala. Liga o computador a procura de passagens aéreas. Todos os anos, viaja com amigos durante o carnaval. Uma colega bate na porta:
- Oi Cássio, posso entrar? – pergunta sorrindo.
Sem esperar a resposta, entra trazendo papéis. Cássio, rapidamente, procura uma cadeira macia para ela. Enquanto dialogam, ele arruma a sua gola, e ela o olha sorrindo. Essa conversa me incomoda...
Enciumada, envio uma mensagem: "Percebi que você brincou com meus sentimentos, não gostei. Você não tem autorização pra colocar a mão em mim. Daqui pra frente, só profissional. Não precisa vir pra conversar sobre este assunto comigo".
Inconformada com meu sentimento, coloco fones e me concentro no trabalho. Ele não responde.
Depois de algumas horas, vou até a sala de café, e, lá estava ela, debruçada no balcão... minha chefa...Sibila!
- Oi Ana! Lembre-se de me enviar aquela apresentação para o novo cliente.
Aproximando-me dela, respondo solícita:
- Já terminei! Vou rever e envio...
- Você já reparou? – pergunta rindo, aproximando o seu rosto do meu.
- No que? – indago curiosa.
- O Teodoro te fulmina com os olhos pelas costas! Não percebeu? Teodoro te adora!
Ela solta uma gargalhada, seus olhos brilhavam sarcásticos. Achei seu comentário desnecessário.
- Não, Sibila! Nunca! – respondo surpresa, levantando os ombros.
Almoçava com Teodoro todos os dias! Fiquei espantada, pois era um homem casado e nunca percebi interesse por mim.
Chegam Cássio e um amigo nosso, o Alex. Começam as risadas... Sibila joga o seu corpo no do Cássio; depois passa seus dedos no braço de Alex, inclinando a cabeça para o lado, com um sorriso lascivo.
Sento numa das mesas para tomar meu café:
"Postura horrível, para uma chefa!" – penso indignada, enquanto sopro o café.
- Vamos almoçar? – convida-os Sibila.
- Vou levar minha mãe ao médico. Semana que vem dá ... – desculpa-se Alex.
- Vamos! Depois tenho uma reunião com um cliente. – aceita Cássio, meio desanimado.
- Cássio! A mulherada tá falando que você virou gay! Elas dão em cima, e você não faz nada! – fala alto e dá uma gargalhada escandalosa.
Todos olham para eles. Cássio fica sério e não responde. É nítido que odiou o comentário. Volto para minha sala em silêncio.
Mais tarde, chamo Teodoro para almoçar:
- Tive um sonho com você, Ana! – confessa, enrubescendo.
- Foi bom?
- Foi legal.
- Conta!
- Nós estávamos passeando de gôndola e você encostava sua cabeça no meu peito. Bem bonito.
- Legal!
- O que acha, Ana?
- Acho que você espera coisas boas da nossa amizade. – respondo desconfiada.
- Ah sim! Como amigos! Nós somos colegas ou amigos?
- Acho que amigos, a gente se conhece há bastante tempo. Sim, somos amigos.
- Sabe, Ana, tem pessoas que se aproximam da gente, não conseguem o que querem e vão embora. Tem muito disso...
- Verdade.
- Eu não sou assim. – fala, balançando a mão negativamente, e continua: - Acho que você se decepcionou muito com uma pessoa...
- Quem?!
- Não quero falar, sou profissional!
- Agora fala...
- Eu acho que você se decepcionou muito com o Cássio.
- Verdade.
- Vocês trabalhavam muito juntos, lembra? E agora, você se afastou dele.
- Cortei a amizade. Ele me decepcionou. Eu o ajudei muito, não esperava nada em troca, mas também não esperava desprezo.
- Deixa pra lá! Agora você tem um novo amigo! Eu! – exclama animado, apontando para si.
Desde quando Teodoro está me observando? Então Sibila tinha razão...
Essa semana está bem puxada no escritório. Muitas reuniões e poucas decisões. À noite, liga minha mãe para conversar:
- Parece chateada, Ana! O que aconteceu?
- Estou afastada daquele meu amigo...
- Ele procurou outra pra te substituir, pra ver se tira você da cabeça. Ele pensou: já que ela não me quer, vou ficar com outra.
- Ele está com raiva de mim?
- Não, porque gosta de você. Deus falou que está com o orgulho ferido. Ele sai com a outra, pensando em você! Não é isso o que ele deseja! Só que não dá o braço a torcer. Está acostumado a fazer o que quer com as mulheres! Ele é bom de lábia, não é?
- Sim.
- Não está pronto mesmo. Ele acha que você é igual às outras. Não vê o seu valor. Não tem como substituir uma pessoa por outra. Não está dormindo de noite, pois está sofrendo. Deus o está amassando.
- Não vou chamá-lo pra conversar.
- Não é para chamar! Deus só vai permitir a aproximação dele quando vier com o coração sincero, quanto ele quiser algo sério.
- Mãe, vou dormir. Beijos. – despeço-me, triste.
- Fica com Deus. Beijos.
No dia seguinte... Cássio chega com passos firmes. Dá-me um beijo e se afasta. Não olha na minha cara.
- Ele está querendo que você se retrate. Foi você quem disse que não se aproximasse. Ele quer que corra atrás dele! – diz um anjo.
- Não vou correr! Por mim, fica tudo assim! – penso irritada.
E na hora do almoço...
- E como vai seu ex-amigo? – pergunta Teodoro, enrugando o nariz.
- Quem?
- Seu ex-amigo... aquele! – explica, fazendo um gesto de afastamento com a mão.
- Cássio? Não é meu ex-amigo, apenas estou afastada dele. E como está André? Depois que foi dispensado, nunca mais o vi. – mudei de assunto.
- Encontrei-0 no sábado. Está tentando se reerguer. Falei pra não se isolar tanto...
- Você está perdendo seu tempo.
- Ele deveria ir a uma igreja. – comenta, Teodor0.
- Concordo. Acho que o problema do André é espiritual. Dizia coisas que não existiam e discutia com todos. Ele mudou depois que começou o relacionamento com o atual marido! – afirmo, com plena certeza.
- Também acho. Ele só piorou.
- Acho que o marido dele mexe com espíritos! – investigo.
- Lógico que mexe! Ele é sacerdote num centro! – revela.
- Tinha certeza! Você explicou muitas coisas!
Lembrei do dia em que passeava no shopping e o anjo mandou-me voltar para casa. Mostrou dois homens enviando maus espíritos de um centro. Deus cuida dos seus filhos! Mesmo quando não vemos! Obrigada, Senhor, pela proteção, e, por mais esta revelação!
Teodoro fica em silêncio... come mais um pouco.
- Acho que tô gostando de uma pessoa aqui do escritório. – confessa.
- E ela sabe? Não posso imaginar quem seja! – faço-me de boba.
- Não sabe ainda. Eu pretendo me declarar...
- Teodoro você tem esposa! Pensa na sua família! Talvez seu casamento tenha caído na rotina... por que não viaja com ela? Ou vai a um restaurante diferente? Só vocês dois...
- Pode ser, mas não tenho vontade, sabe... ando meio cansado...
- Pensa bem no que vai fazer! Lá fora, parece melhor, mas não é! Encontrar pessoas legais não está fácil! Lembra do velho ditado: depois que perde, se dá valor?
Fica pensativo, não diz nada até terminar o almoço. Levantamos e voltamos ao trabalho.
No dia seguinte, envia uma mensagem:
- Ana, agora eu tenho certeza, gosto de você!
- Gosto de você como amigo! – respondo rápido.
Depois disso, continuamos amigos, e jamais tocamos nesse assunto.