—Então... - Sofia disse enquanto acendia outro cigarro com a ponta daquele que acabara de fumar. - Tá sentindo alguma coisa?
—Uma dor de cabeça infernal - Lígia sentia sua cabeça latejar com mais força a cada passo que davam, estava com a impressão de que podia sentir o sangue pulsando em suas veias da cabeça. - A gente pode parar um pouquinho? A dor tá forte pra caralho.
—Sorte a tua que eu já não tô mais aguentando andar tanto. - Posiciona os braços na lombar e inclina-se para trás de forma a estalar as juntas das costas. - Eu já tava cansada antes, agora eu tô mais ainda.
—Eles podiam ter ficado mais perto, né?!
—Nem é tão longe, vai, só parece que demora tanto assim pra chegar lá porque a gente tá morrendo de cansaço e não temos nada pra fazer agora além de andar até lá.
—É, provavelmente seja isso mesmo. Mas só sei de uma coisa: quando eu chegar lá eu vou dormir igual uma pedra.
—Somos duas.
Resolveram sentar no chão para descansar um pouco as pernas. Estavam cansadas demais para conversarem por muito tempo então calaram-se até que houvesse algo importante para ser dito.
Podiam escutar todos os os sons da floresta graças ao silêncio entre elas. Os uivos do vento batendo nas árvores e varrendo as folhas no chão, o barulho dos insetos e dos outros animais que ecoavam pela noite fria. Aquela ambiência criava uma sensação hipnotizante, era como ouvir uma orquestra tocando uma sinfonia diante dos seus olhos.
—Tu tá sentindo isso? - De repente Sofia começa a olhar para todos os lados como se buscasse um detalhe escondido em algum ponto entre as árvores. - Parece que a gente tá sendo observado.
—Eu não faço ideia de que sensação é essa que cê tá falando não... - Lígia prende os cabelos cacheados em um coque e começa a massagear as têmporas. - Pra mim isso é só um lance brega que personagens de filme de terror clichê dizem pra criar suspense.
—Tu nunca sentiu isso?
—Nunquinha.
—Ainda bem, porque é uma sensação bem merda.
Novamente o silêncio toma o lugar da conversa e os sons da natureza voltam a imperar sobre o ambiente. Enquanto Sofia volta toda a sua atenção para os arredores, Lígia resolve levantar para verificar os rasgos e furos que o acidente causou em suas roupas. Para o seu azar estava vestindo as suas favoritas: Um vestido curto verde de alcinhas e um All-Star Preto.
—Você realmente não tá sentindo isso agora? - Sofia diz enquanto faz uma varredura com a luz de sua lanterna pelo cenário que para ela passou de maravilhoso para sinistro em questão de segundos.
—Nop... - Enquanto avalia os danos em suas roupas, Lígia não demonstra muito interesse no que a amiga dizia. - Nadinha. Talvez você só esteja paranoica.
—Não é porque você é paranoica que isso significa que não tenha ninguém atrás de você. - Sofia volta o feixe de luz da lanterna para o rosto de Lígia que fecha os olhos para protegê-los da luz. - A princesinha aí rasgou o vestido, é?
—Não tem graça, Sofia. - Disse enquanto colocava a mão na frente do rosto para que a luz forte não machucasse seus olhos. - Cê sabe que eu gosto demais dessa roupa.
—Calma, Princesa Tiana, é só uma roupa, quando a gente voltar pra casa tu pode comprar outras.
—Essas aqui tem valor sentimental, não trocaria por nada, foi a roupa que eu usei naquele rolê de aniversário do seu irmão.
—Tu é apegada demais com essas coisas, mulher, é só uma roupa.
—Pelo menos eu tenho estilo.
—E qual o problema do meu estilo? Eu me sinto confortável, essa é a parte mais importante, sabia?
—Sofia, cê parece aqueles lenhadores canadenses usando essa camisa sua xadrez. —Lígia aponta para as roupas da amiga, que veste uma camiseta do Nirvana, uma camisa de flanela xadrez vermelha com as mangas dobradas na altura dos cotovelos, jeans rasgados no joelho e um coturno pesado. - Não sei como cê consegue se vestir assim todos os dias...
A conversa é interrompida pelo ruído de folhas secas no chão sendo amassadas por passos, havia algo andando na direção delas. As meninas ficam apreensivas. Será que era esse o ser que Sofia sentiu que estava a observá-las?
—Shhhh... - Sofia coloca o dedo indicador na frente da boca enquanto lança um olhar inquisitivo para a fonte daqueles ruídos.
De repente um feixe de luz forte ilumina as garotas. Seus olhos não estão acostumados com essa iluminação repentina incapacitando-as de distinguir a figura por trás daquela luz. Sofia vai para a frente de Lígia como uma forma de protegê-la caso aquela silhueta seja de fato uma ameaça.
—Lígia? Sofia? Por que vocês tão demorando tanto pra chegar? - Por mais que a silhueta fosse irreconhecível para elas naquele momento a voz era familiar, o dono da voz era André, o irmão de Sofia que tinha se separado do resto dos amigos para procurá-las. - O pessoal tá morrendo de preocupação lá no acampamento.
Por mais que fosse um alívio ver que a silhueta era de André isso não impediu que Sofia ficasse brava com a situação, já que ele poderia ter chegado de uma maneira menos estressante.
—Caralho, André, tu podia ter avisado que era você antes jogar essa porra dessa luz na nossa cara.
—Foi mal, mas tá tudo escuro pra caralho e eu tava com medo de achar alguma coisa bizarra nesse fim de mundo. - André disse enquanto tirava a franja loira da frente dos olhos. - Mas por que vocês tão paradas aqui? Rolou alguma coisa?
—A gente tá cansada pra caralho e a Lígia tá morrendo de dor de cabeça, aí a gente resolveu parar um pouco pra descansar.
—Ah, beleza, então tá tudo mais ou menos bem, a Cris deve ter alguma coisa pra dor de cabeça na mala dela, ela sempre traz essas coisas assim. Já tá tarde pra porra, é melhor a gente ir pro acampamento logo.
* * *
André guiava as garotas pela floresta com uma mão no bolso da calça e com a outra segurando a lanterna que iluminava o caminho. Vestia-se com um pouco mais de cuidado que a sua irmã, estava usando uma camiseta branca, um jeans largo e um tênis Adidas branco.
Eles eram bem parecidos, não eram gêmeos idênticos, mas eram parecidos o suficiente para imediatamente serem reconhecidos como irmãos, ambos tinham olhos castanhos e cabelos loiros, exceto por Sofia, que pintava o cabelo de preto desde os 13 anos quando descobriu o Type O Negative.
—Aí, André, tu e o pessoal já montaram as barraca tudo lá? - Sofia acende mais um cigarro, Lígia já estava ficando incomodada com o hábito da amiga, nunca viu ela fumar tantos cigarros assim.
—Sim, vocês vão ver, a gente já tá chegando. Tão vendo aquele clarão ali na direita? É onde tá a fogueira e as barracas...
Lígia desligou-se da realidade e passou a seguir os irmãos no modo automático, já não prestava mais atenção no ambiente ao seu redor e nem na conversa dos dois irmãos. Pensamentos intrusivos iam e voltavam como mísseis em sua mente, precisava se livrar deles o quanto antes, senão sua ansiedade atacaria.
E se não achassem ajuda? E se ficassem perdidos na floresta? E se algum serial killer morasse naquela floresta? Era incapaz de pensar em algo que não fosse os piores cenários possíveis, por sorte foi trazida de volta à realidade ao arranhar o braço em um galho solto de uma árvore.
—Tá tudo bem aí, Lígia? - Sofia vira-se para trás olhando preocupada para a amiga.
—Tá sim! - Respondeu enquanto analisava o arranhão em sua pele negra. - Só arranhei meu braço nessa porra desse galho, mas tá tudo bem.
O trio segue por mais alguns minutos e quando chegam no acampamento são recebidos pelos outros dois amigos que compõem o quinteto, eles estavam sentados ao redor de uma fogueira recém acesa e acima das chamas estava um suporte que impedia uma panela feita de ferro de cair na fogueira.
—Lígia! você tá bem? - uma moça com aproximadamente 1.72m, gorda e de cabelos lisos e castanhos levantou do pedaço de toco onde estava sentada e foi correndo até Lígia, era Cristina, a "mãezona" do grupo. Ela estava vestindo uma camiseta vermelha, uma bolsa de couro sintético marrom, uma calça preta com suspensórios e um All-Star vermelho de cano longo. - Você se machucou no acidente?
—Eu tô bem, só tô com uma dor de cabeça fudida. Cê não tem nada que eu possa tomar pra passar?
—Claro que tenho! - A moça coloca a mão em sua bolsa e de lá tira uma cartela de Aspirinas. - Aqui! Toma isso que logo logo melhora.
—Valeu, Cris. - Disse enquanto engolia o comprimido seco.
—Ei Lígia, eu já arrumei a tua barraca, caso tu já queira dormir. - Quem disse isso era Almeida, namorado de Cristina, era um homem alto, negro e com dreads. Vestia uma camisa social branca, uma calça social cinza escura e sapatos marrons de bico fino. Tinha acabado de sair do trabalho quando encontrou os amigos para levá-los na viagem. - Se você quiser ir agora pra descansar, já pode ir.
—Valeu! Mas acho que vou ficar um pouco com ocês antes de ir dormir. O que que cês tão cozinhando aí?
—Pipoca, acabei de colocar no fogo.
—Aí galera, vocês já conseguiram ligar pro seguro? - André perguntou para Almeida enquanto levava suas malas para dentro da sua barraca.
—Então... - Almeida esfregou a nuca e a lateral do pescoço. - Essa merda desse chip da Tim não tem sinal nenhum nessa floresta, a Cris também tentou e nada, sempre diz que tá fora de área. Amanhã a gente pode seguir um pouco mais pra procurar algum posto de gasolina, um restaurante de beira de estrada ou qualquer coisa assim pra conseguirmos ajuda.
—Caralho, mas que merda. Acho que esse é o único jeito que a gente vai conseguir ajuda mesmo.
—É, provavelmente.
Agora, o quinteto finalmente está reunido. A ajuda não vai chegar tão cedo, a única coisa que podem fazer enquanto a ajuda não chega é comer e dormir. Fazer qualquer outra coisa forçaria ainda mais o limite deles e o repouso era essencial para a recuperação após o acidente.
As barracas estavam dispostas em um semicírculo ao redor da fogueira, eram três no total: Uma para Lígia e Sofia, outra para Cristina e Almeida e outra para André, já que era quem sobrou.
Após terem vestido seus pijamas não levou muito tempo para que dormissem. Almeida e Cristina foram os primeiros a entrarem nas barracas, depois de um tempo André percebeu que se tentasse ficar mais 5 minutos acordado ia acabar dormindo sentado e resolveu ir para a sua barraca.
Então só restaram Lígia e Sofia sentadas ao redor da fogueira, falavam sobre as coisas que fariam ao chegarem em Santo Américo. Queriam ir às igrejas históricas da cidade, visitar os pontos turísticos para tirar fotos e ir em um bloquinho de Carnaval. Se é que aquela cidade ia ter algum tipo de bloco.
Tanto a temperatura do ambiente quanto as brasas da fogueira diminuíram com o passar do tempo, então as meninas decidem que é uma ótima hora para dormir. Sofia apaga o fogo e Lígia decide que pegaria um pouco de água antes de entrar na barraca.
Ao beber a água da garrafa de Coca-Cola sem rótulo ela ouve algum som vindo das árvores. Era o barulho de um galho sendo quebrado, poderia ter sido só um animal, mas ainda assim era bom ficar atenta.
Quando estava prestes a entrar na barraca ouviu um sussurro ininteligível. Era uma voz grave e rouca, tão seca quanto a casca morta de cobra que acabou de trocar de pele.
—Sofia? Cê falou alguma coisa
—Que? Não, por que? - A amiga já estava prestes a dormir quando foi interrompida pela pergunta de Lígia.
—Nada não, achei que cê tivesse falado alguma coisa. - Ela deita-se ao lado de Sofia mas demora para pregar os olhos, não conseguia dormir pois algo que comentou mais cedo atormentava seus pensamentos, ela finalmente sentiu a sensação de estar sendo observada.