Vejo o sol a perder o seu brilho, enquanto a lua começa a sua ascensão no céu. O horizonte transforma-se numa bela vista, onde as cores do habitual pôr-do-sol se misturam entre si. Do edifício onde trabalho, consigo ver o pôr-do-sol através das janelas à minha frente. Todos dias aquele espectáculo de cores se realiza sobre o meu olhar atento. É a única coisa que me faz sentir viva. Aquele momento se torna mágico aos meus olhos, a parte mais importante do meu dia. Sinto-me privilegiada por conseguir estar presente todos os dias durante aquele curto período de tempo, em que o sol e a lua se trocam de lugares. O sol majestosamente se esconde atrás das montanhas que se projetam distante do edifício. Enquanto a lua com pouco brilho, sobe timidamente no lado oposto do sol, como se não quisesse tirar o brilho e o esplendor do seu oponente.
Terminado o meu espectáculo privado, eu fecho as janelas e acendo a luz da pequena sala, com livros ordenados por ordem alfabética nas estantes. Ali jazia os livros mais importantes e antigos da biblioteca. Eu tinha o hobby de restaurar capas dos livros antigos já danificados pelo uso. As pessoas nem sempre cuidam bem dos livros emprestados. Isso era o trabalho da minha avó, mas com a doença dela, fiquei no lugar dela. Era a vontade dela. A minha avó sempre dizia que eu seria a próxima geração a tomar conta da oficina dos livros. Esse era o nome dado a aquela sala. E por isso ela me ensinou tudo acerca de como recuperar um livro danificado.
Eu e ela passávamos muitas horas naquela sala a recuperar os estragos feitos por outras pessoas aos livros. O meu amor por livros era maior que qualquer outra coisa. E não passava despercebido aos olhos da minha querida avó.
Terminado de recuperar o último livro do dia. Eu começo a arrumar cada um no seu devido lugar. Eu sou naturalmente alta e talvez por isso às vezes esqueço-me que a prateleira é demasiado alta para mim. Eu tento puxar um dos antigos livros que estava no sítio errado. E como era de esperar o livro caiu no chão, e fez um barulho de BAM que ecoa pela sala silenciosa.
Era um livro que parecia extremamente antigo bem grosso com muitas páginas. Tinha a imagem de uma fada na capa, que parecia como se tivesse sido congelada no tempo enquanto voava.
O livro não tinha título e isso me intrigou de tal maneira que a curiosidade começou a aumentar dentro de mim como uma bolha prestes a explodir. Eu abro o livro na primeira página. Estava escrito um pequeno texto de introdução. Que dizia :
Olá, cara leitora.
É um prazer enorme saber que está interessada em participar no nosso projeto. Devo lhe alertar que este livro não é igual aos outros que está habituada a ler. A forma como irá participar e interagir no livro trará para si uma experiência única de leitura. Mas também poderá trazer-lhe situações inconvenientes.
Não siga para a página seguinte se não estiver inteiramente preparada. As consequências deste ato serão inteiramente responsabilidade da leitora.
Mas, mesmo depois desse alerta, quer continuar a sua experiência. Então desejamos uma boa sorte na sua aventura no livro. A partir do momento que passar para a próxima página não poderá voltar atrás.
Boa experiência no livro.
Achei estranho a forma como o autor se dirigia à leitura como experiência. Mas não dei muita importância ao assunto e voltei à segunda página. De imediato, sinto um calor na palma da minha mão. Logo a seguir se projetou uma luz que vinha de dentro do livro e me engoliu. Aumentou de intensidade até que eu me senti quase cega. Fechei os olhos com força e coloquei as minhas mãos na frente do meu rosto para proteger os meus olhos do clarão imenso.
A sensação era de estar a flutuar no ar, e de sentir o ar morno sobre a minha pele. Abro os olhos e me deparei com um local totalmente novo e diferente do que estava antes. A sala tinha desaparecido e com ela os livros também. Tudo ao meu redor era completamente diferente. Parecia que eu estava dentro de um arco íris e que dentro dele eu conseguisse ver o pôr-do-sol mais lindo que eu alguma vez vi. O espaço era colorido como se houvesse pó mágico no ar. E o brilho estava por todo o lado. Eu estava em choque e confusa por estar num lugar que eu não conhecia mas, ao mesmo tempo, eu estava maravilhada pela beleza ao meu redor.
- UAU! Que lugar magnífico - falei pela primeira vez para ninguém em especial - Onde será que eu estou?
Eu não estava à espera de uma resposta mas uma voz se anunciou atrás de mim.
- Bem-vinda ao reino Antalya e eu sou a rainha Lya. - virei-me e deparei-me com uma fada. A mesma que estava na capa do livro. - Quem és? Humana.
- Eu sou a Risya. Muito prazer sua majestade. - disse enquanto fazia uma reverência. Eu não entendo nada de monarquia, mas ela diz ser uma rainha. Então tenho que demonstrar o devido respeito e honrar o título.
- Não és de Antalya, logo não tens obrigação nenhuma de me mostrar reverências. Aqui tu és tão importante quanto eu. Pelo que vejo, abriu o livro sem nome. Os únicos humanos que podem ver e abrir o livro são as Sacerdotisas escolhidas pelo próprio.
Levantei uma sobrancelha admirada.
- Tentei ler mas, quando eu passei para a segunda página, fui engolida por uma luz imensa que me trouxe até aqui. - fixei o meu olhar nos dela a procura de uma explicação.
- Naturalmente é o que se espera que aconteça quando se abre a segunda página. - ela sorriu ligeiramente para si mesma - Mas também, isso quer dizer que não deu muita importância ao texto de introdução que estava na primeira página como alerta.
Suspirei de frustração ao sentir a repreensão no tom de voz da fada a minha frente.
- Era um texto de alerta para o leitor. Nunca imaginei que fosse real, pelo contrário pensei fosse o autor a tentar dar um toque realista ao seu livro. É muito comum em alguns livros de fantasia. - Suspirei indignada comigo mesma. - Não pode me culpar por ter curiosidade em relação ao livro.
- Ah! A curiosidade matou o gato, sabia! - ela exclamou exageradamente - Essa é uma expressão muito usada pelos humanos. Justamente porque vocês humanos são muito curiosos por natureza.
Olhei para a fada, desta vez a avaliar a mesma. Ela tinha uma beleza perfeita e angelical. Nunca tinha visto alguém tão bela na minha vida. Asas transparentes se sobressaiam das suas costas, e brilhavam continuamente numa cor violeta. A mesma cor das suas vestes. Uma coroa de diamante repousava nos seus cabelos delicados. Também ela brilhava com a luz. Era tudo tão perfeito e delicado nela que eu me sentia rude na minha forma de ser pouco delicada no meu dia-à-dia. Principalmente quando estou a trabalhar na biblioteca.
- Oh meu Deus a biblioteca! - Exclamei - Eu tenho que voltar agora. Hoje é a minha de fazer o fecho do espaço. - gritei desesperada - Como faço para voltar?
Recebo de volta um olhar inquisidor da fada. Que me olhava continuamente.
- Não poderás voltar Essas palavras caíram no meu cérebro como uma bomba atómica.
- Como assim não posso voltar? - o desespero aumentou e o pânico tomou conta de mim. - Por favor, eu preciso de voltar.
- Isso não depende de mim.
- Então depende de quem? - questionei
- Depende unicamente de ti. Foste tu a causadora da tua chegada nesse mundo. Então és a única que poderá te fazer voltar.
Com os olhos arregalados deixei que a frustração tomasse conta de mim e entrei em pânico.
- Como vou fazer isso? Eu não sei o que fazer para voltar. Por favor ajuda-me. Eu imploro-lhe. - juntei as mãos como se estivesse a rezar e olhei para ela com as lágrimas a começar a queimar nos meus olhos.
- O livro só te deixará voltar quando a tua história chegar ao fim.
- Como vou fazer isso? - disse desesperada
- Terás que fazer o papel que te foi incumbido. A de sacerdotisa guardiã da jóia sagrada. - ela falou tão calmamente que pareceu ser a coisa mais fácil do universo. - Assim poderei firmar um pacto contigo, onde tu poderás voltar para o teu mundo caso a tua missão neste mundo for concluída com sucesso.
- Sacerdotisa guardiã da jóia sagrada. - repito confusa.
A Rainha voava ao meu redor enquanto me sentenciou com aquelas palavras que saiam da sua boca. Eu podia jurar sentir uma leve excitação na sua voz.
- Aceita ser a Sacerdotisa guardiã da jóia sagrada de livre e espontânea vontade? - a pergunta sai tão solene da boca dela que eu acabei por responder da mesma forma, quase automático.
- Eu Risya aceito de livre e espontânea vontade ser a Sacerdotisa guardiã da jóia sagrada a partir deste momento.
- O pacto está feito - ela levantou a sua varinha no ar e fez um feitiço que caiu sobre a minha cabeça em forma de pó mágico.