Arco 5 -Rostos-
-IDIOTA! -Foi a última coisa que Luke ouviu antes de partir de sua casa.
O ano era 2007, e ele acabara de concluir um divórcio. Ele precisava daquilo. A maldição que ele carregava acabaria levando ele e sua família para o túmulo. Ele foi embora em uma tarde de abril, mas sabia das suas responsabilidades. Sua agora ex-esposa, Lucia, chorava na sala de casa, sentada no sofá.
Ele a amou por muitos anos. Mas ainda assim, ela parecia sentir mais do quê apenas amor por ele. Era uma obsessão, de seu ponto de vista, e do dela, amor demais.
Ele foi xingado, esculachado pela mulher naquela tarde. Seu filho, no entanto, não entendia o quê estava acontecendo. O pequeno Max se fechou em seu quarto e não saiu de lá por algumas horas.
-Lucia... -Luke não conseguia nem mesmo chorar. -Eu não posso mais. Não tem como eu seguir minha vida sabendo que meu filho vai ser perseguido por aqueles malditos a vida toda. Eu te disse. Te disse tudo... Mas mesmo assim... Eu coloquei ele no mundo.
Luke parou de falar sozinho. Agora era tarde. Tarde demais. Max estava fadado a ser parte daquele ciclo.
O homem entrou no seu carro cinza, e foi embora.
Eventualmente, sua vida se seguiu. Ele conheceu uma mulher que não o fazia se sentir sufocado, se casou outra vez, e agora vivia uma vida nova. Sua nova esposa, Alany, tinha 2 filhos de outro casamento. E agora, os dois tinham um filho juntos.
É claro que estava tudo bem. Por alguns anos, ao menos.
Quando Luke soube que uma turma do sétimo ano foi atacada ao final do ano anterior, ele pensou imediatamente em Max. Ele precisava ter certeza que seu filho estava bem. Mas como faria aquilo? O garoto já devia odiá-lo.
Ele foi atrás em Janeiro, e soube da história. Max deixou bem claro que conseguiu se defender sozinho. Ele não precisava de um pai.
Não havia mais uma esperança para ele se reconciliar com o filho que abandonou. Nenhuma esperança.
Enquanto o tempo passava, Luke tentava entrar em contato com Lucia e Max, mas era lembrado de seus pecados. Não havia perdão para ele.
Já era o início de fevereiro, e Max estaria saindo em um treinamento maluco para se tornar um herói. Um herói.
-Como assim, um herói!? Você ficou louco!? -Luke gritou naquela tarde de janeiro. -Você vai morrer desse jeito!
-NÃO, EU NÃO VOU! -Max berrou. -EU LUTEI SOZINHO TODO ESSE TEMPO, NÃO VEM ME DIZER O QUÊ EU TENHO QUE FAZER!
-EU SOU SEU PAI! ME RESPEITA!
-VOCÊ É UM FILHO DA PUTA DE MERDA, EU QUERO QUE VOCÊ MORRA!
Luke ficou furioso com aquelas palavras, e partiu para cima do garoto. Um erro.
Max era um lutador, e não deu a mínima chance. Um soco direto no maxilar foi a única coisa que Luke recebeu de seu filho. Depois daquilo, ele passou horas no médico. O deslocamento não foi sério, mas doeu. Doeu ao ponto de fazê-lo chorar por horas.
Com certeza a dor que ele sentia era física, e não um peso imensurável no coração.
Depois daquilo, Luke foi proibido de ver Max. Completamente proibido. O quê ele faria agora? Seguiria a vida. Era sua única opção. Por um tempo, ele seguiu a vida normalmente.
Mas o telefonema chegou. Eram seus fantasmas voltando. Quando atendeu naquela tarde, ele não esperava aquilo. Ele não se lembrava.
-Alô? -Luke tinha esperanças secretas de quê Lucia ou Max estivesse do outro lado.
-É, Luke. Chega a hora em que os ventos mudam de direção e a gente precisa seguir.
-Carlos. -Luke suspirou. -Há quanto tempo.
-Muito tempo, velho amigo.
-Amigo... -Luke riu. -Amigo é o caralho. O quê você quer comigo?
-Vai mesmo se fazer de idiota? Sabe bem o quê é. Venha para Nargur o quanto antes. Estaremos esperando. Se não aparecer aqui em 30 dias, a gente vai dar nosso jeito.
-Beleza. Estou indo.
Ele desligou o telefone.
Subitamente, as paredes amarelas de sua casa pareceram perder a cor. As flores do papel de parede pareciam ter apodrecido, como se o outono tivesse batido à porta mais cedo.
Alany estava parada atrás dele.
-Indo para onde? -Ela questionou. O olhar de preocupação consumia o rosto dela.
-Para casa. -Ele disse.
-Casa? Como assim?
-Eu... Eu preciso voltar para minha terra natal. Minha família de repente lembrou que eu existo.
-Mas... -Ela balançou a cabeça. Seu cabelo castanho cacheado flutuava atrás dela. -O quê tem de tão importante lá? Te chamaram assim, de repente, e não tem nem uma explicação?
-É uma longa história. Meu pai era um merda e fez coisas péssimas. Eu não posso mais me esconder.
-Esconder?
-É. -Luke foi ao banheiro, e se olhou no espelho. Seu rosto pálido estava ficando levemente suado. Seus olhos castanhos agora nem pareciam mais ter vida. Seu cabelo preto lentamente caía. -Eu... Eu me escondi. Me escondi do mundo, de quem eu era, de quem me queria por perto... Tudo por causa de uma velha bocuda.
-Luke, do quê você tá falando? -Alany indagou. -O quê aconteceu!?
-Uma profecia aconteceu. Onde eu morava era uma região meio amaldiçoada. Um dia uma velha disse ao meu bisavô que um descendente dele livraria aquela terra da maldição.
-E por que todo esse mistério?
-Crenças, Alany. Crenças. As pessoas depositaram esperanças no meu avô, chamaram ele de predestinado, de herói, de tudo. Ele não fez nada além de virar um bebum. Esperaram do meu pai, que só odiava aquele velho de merda. Fizeram um teatrinho lamentável. E aí... Eu nasci. Me chamaram das mesmas coisas, esperaram um milagre de mim, me empurraram tudo que tinham, imploraram por salvação. Então eu fugi.
-Maldição? Que maldição? O quê essa maldição faz?
-Porra nenhuma. Não acontece nada lá. A maldição daquela gente é a ignorância. Acreditam que coisas ruins são culpa da maldição. Pessoas idiotas que querem encontrar uma resposta para as coisas que não podem controlar.
-Mas Luke, isso é loucura. Por que você vai ir para lá se sabe disso tudo?
-Porquê se eu não for, vão atrás do nosso filho... -Luke respirou fundo. -Ou do Max.
-E o quê pode acontecer? São apenas... Crenças.
-Crenças são um veneno, Alany. É por causa delas que as pessoas destroem o mundo.
Alany ficou em silêncio por um tempo. Ela então se pronunciou:
-Então, quando você vai? E mais importante, quando você volta?
-Eu vou hoje. Espero voltar até o final do mês. Deixe que eu ligo para vocês ao longo da semana.
-Tá bem. -Alany engoliu em seco. -Mas se cuide. Se alguma coisa acontecer...
-Se acontecer algo, vá embora. Não fique aqui. O Max vai saber arrumar o próprio caminho se ele precisar de algo.
-Você tá jogando essa responsabilidade nele mesmo?
-Não. Mas se acontecer, possivelmente vão atrás dele.
-Ele é uma criança. -Ela tocou no maxilar de Luke. -Mesmo que ele seja forte, ele é apenas uma criança.
-O povo de Nargur é tolo. Não vão entender isso jamais. Eu preciso quebrar essa maldição imaginária deles.
-Você consegue. Mas não fique esperando que entendam que a maldição não existe. Assim que puder, venha para casa.
-Assim que eu ver a chance, vou estar em casa.
Luke respirou fundo, e foi se despedir das crianças. Ele chorou por alguns minutos na porta de casa. Alany chorava enquanto se despedia dele.
Luke foi até seu carro, e foi embora, rumo à casa de Lucia. Ele parou no portão e esperou. Lucia o viu pela janela, mostrou o dedo do meio e fechou a cortina.
Talvez, fosse tarde para conversar com Max.
Luke partiu, e pensou em todo o tempo que ele deixou Max ali, sozinho. Deveria ter dito o quão orgulhoso ele estava do garoto. Ele chorou no caminho, mas não deixou o emocional tomar conta. Ele suspirou, e pensou na maldição de Nargur outra vez.
Acreditar que a tolice acometeu somente aos outros moradores foi a crença dele. No fim, Luke Northwind também estava amaldiçoado.