A lua iluminou o céu e transformou os olhos cinza em um azul celeste. Seu coração desacelerou por um instante e o ar engasgou em sua garganta. Algo parecia implodir em seu corpo pressionando suas veias e machucando seus músculos. Um rosnado agudo ficou preso na garganta, ecoando roucamente, e sua pele se rasgou como um lenço branco em volta do pescoço. A angústia não parou até que o filamento estivesse por todo o corpo.
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O boato do vento noturno murmura alto. Os pequenos flocos de neve se espalharam no cabelo ruivo escuro da jovem, que olha para o céu lilás através do pavilhão de galhos secos e densos carvalhos ainda. Era dezesseis de dezembro e todas as ruas já estavam cobertas com um tapete de inverno branco e gélido. As pegadas que o casal deixou desapareceram junto com a trilha coberta pela cortina de neve caindo.
Lá atrás não há nada a não ser a imensidão branca e, escondida nas árvores lá, não há ninguém os seguindo. Patrick parou abruptamente e agarrou Iza para impedi-la também. As solas baixas e gastas afundam no chão e a neve se acumula ao redor de suas pernas.
"Eles se foram", disse Patrick muito baixinho.
Patrick tira a mochila das costas e a sacode para livrá-la da neve acumulada. Imersa nas sombras de um tronco de árvore sem folhas, Iza abraça seu próprio corpo. Embora o tecido de sua túnica seja grosso, ela ainda pode sentir os dedos frios queimando a pele de seus braços. Patrick deixa sua mochila no chão e se aproxima dela. Ele abraça Iza para aquecê-la, mas em nenhum momento eles baixaram a guarda.
O vento sopra agitando a alça da mochila, a regata de Patrick, o cabelo de Iza e a capa carmesim que ela usa. Patrick inspira, mas não há nada além da umidade glacial, apenas o aroma inconfundível de pinheiro e lírio que Iza exala. Eles estavam seguros, pelo menos por enquanto.
"Devemos continuar", disse Patrick.
Uma mão pega a mochila e a outra está nas costas de Iza, guiando-a por entre as árvores. Eles se apressam, tentando correr, mas é impossível com tanta neve grudada em seus pés.
Iza para, em um protesto repentino, e engasga. Um suspiro que foi discernido no ar como fumaça. Os joelhos falharam, o útero pressionou e seus dedos afundaram no ombro de Patrick. Os intervalos de suas contrações estavam diminuindo, Patrick percebeu. Não há como exigir que Iza continue fugindo. Ela não aguenta.
Eles se refugiam nas proximidades de uma rocha. Um pequeno pedaço de terreno rodeado por muitas árvores.
Patrick sai em busca de lenha e Iza fica para trás por causa das fortes contrações que está sentindo. Ela remove a capa vermelha e se aconchega no chão. Seus olhos verde-pinheiro perdem o brilho e sua cabeça lateja, fazendo-a cair para trás, encostada na pedra. Ela sente tanta dor que morde o lábio inferior e pressiona as unhas grandes e descascadas contra as palmas das mãos para abafar uma dor com a outra. Lágrimas escapam de seus olhos e escorrem por seu rosto magro e corado, torrado pela raiva do frio. Um flashback traz à tona as memórias da morte cruel de amigos, que Iza foi condenada a assistir. Ela soluça.
Patrick voltou e, por descuido, acaba assustando Iza. Seu rosto, ela mal percebeu, ainda está manchado de sangue. Ele carrega um punhado de galhos, que coloca no chão.
"Calma Izz", diz Patrick, como se imitasse as asas de uma abelha. "Tudo ficará bem!"
"Mas e se não melhorarmos?" Iza contestou assustada. "E se não pudermos fazer isso sozinhos?" Cheirado. "Patrick ... nós vamos morrer?"
Patrick franziu a testa, as sobrancelhas muito loiras, e se virou de costas.
Os olhos verdes de Iza ainda o observavam, ajoelhado, tentando fazer uma fogueira. A madeira está muito úmida por causa da neve, porém Patrick é um homem teimoso e incorrigível. Ele se coloca à frente do vento gelado e parte para a regata sujo de lama e manchado de sangue. As feridas nas costas ainda estão abertas e sangram muito.
Iza fecha os olhos.
Ela não pode olhar para isso. Ela não está ferida, em lugar nenhum, mas sente dor. Ela não quer que ele se machuque mais. Iza suspira e põe a mão na barriga. O bebê está se movendo. Possivelmente ele está cansado de toda a escuridão que é aquele lugar, mas se ele soubesse o quão perigoso é estar aqui, ele preferiria ficar dentro de casa, é o que Iza pensa.
Patrick está raspando o canivete no metal do sapato. Uma faísca de fogo acende e apaga. Ligado e desligado. Ligado e desligado. Até que ... ele ateia fogo no trapo que sobrou da regata e bota na fogueira.
"Vem cá", disse Patrick abraçando Iza e colocando a mão na barriga dela de 38 semanas de gravidez.
Iza entrelaça a mão de Patrick e deita sua cabeça em seu peito. Seu coração está disparado, mas ela sabe que isso não é efeito do frio. A floresta é muito calma, muito silenciosa, mesmo assim, Iza teme que alguém fique de vigia esperando que baixem a guarda para poderem atacar.
"Não se preocupe, meu Springlight! Prometo que não vou deixar nada te machucar. Você estará seguro", disse Patrick. Ele beija o rosto de Iza por um longo tempo e a abraça. "É uma promessa, Izz, meu amor!"