~Pov Clara~
Não sinto nada, mesmo após ser atingida por aquele poderoso golpe, isso com toda certeza em um péssimo sinal. Usamos todas nossas forças, mas não conseguimos derrotar nem ao menos um único troll. Olhando para o lado vejo Bianca, estava de joelho enquanto olhava para trás com uma expressão de temor.
Consigo mexer meu corpo, parece que eu sempre tiro alguma força quando se trata desta criança. Um sorriso se forma em meu rosto. Mesmo eu sendo mais nova sempre tenho que cuidar dela. Estendo minha mão e consigo puxar sua mão levemente.
- Clara? - Ela diz enquanto se vira em minha direção.
- Me...
Tento falar, mas finalmente sinto um pouco da dor que estava ausente, a tosse sai sem que eu possa impedir e com ela posso ver gotas de sangue espirrando.
- Não fale, vai acabar piorando, vou te curar agora mesmo.
Bianca chega mais perto e coloca suas mãos em minhas costas, talvez pensasse em me virar, mas desiste logo em seguida. Ouvindo suas palavras solto apenas uma breve risada.
- Você sabe muito bem qual meu estado. - Mais uma vez a tosse vem, respirar se torna mais difícil agora. - Você pode me virar de costas para o chão? Quero ver seu rosto.
Não sei dizer o porquê, mas os monstros pareciam não estar vindo mais em nossa direção, Bianca olhava rapidamente para eles às vezes. Quando ela me gira posso ver seu rosto direito. Sorrio para ela.
Pela sua expressão eu devo estar em péssimas condições, esperava que fosse começar a chorar, mas ela passa a mão em minha cabeça.
- Sempre brigava comigo para me cuidar melhor - fala.
- E você nunca me ouviu... - Falo rindo mais uma vez, mas sou interrompida por uma tosse. - Você sabe que isso não é sua culpa certo? - Tento levantar minha mão em sua direção, mas não há mais força, percebendo isso ela segura minha mão. - Suas visões, elas... não são... - Precisava de cada vez mais esforço para alguma palavra sair, minha visão já estava embaçada demais para ver qualquer coisa. - Amaldiçoadas...
Por favor, viva minha amiga, um futuro brilhante lhe aguarda, tenho certeza.
~5 anos atrás~
- Clara o almoço está pronto. - Ouço minha mãe gritando.
Estava sentada na porta de casa. Quando vou me levantar para seguir à cozinha vejo uma garota passando pela rua, é alguém conhecida na cidade, mas nunca tive a oportunidade de falar com ela. Seu cabelo vermelho me chama atenção.
- Clara! - Mais uma vez ouço um grito.
- Já estou indo - respondo.
Ao me levantar ainda posso ver as costas da garota. Queria conversar com ela, mas isso é considerado um tabu, além disso minha mãe provavelmente me mataria.
Me reúno com meus pais na mesa de jantar, algo raro de se acontecer.
- Aquela garota estava passando por aqui de novo hoje - diz minha mãe.
- Tenha dó dela, a garota perdeu os seus pais - responde meu pai.
Eles costumam se dar muito bem, mas já vi algumas discussões sobre essa garota quando ela passa por perto de nossa casa.
- Ela previu isso aquilo e mesmo assim não fez nada - diz levantando um pouco a voz.
- Quem poderia prever algo assim? - Ele responde dando uma pequena risada tristonha.
A cidade também estava dividida em relação a essa garota. Surgiam boatos falando que ela podia prever morte das pessoas, até mesmo que era a causa dessas mortes, além de várias outras coisas absurdas.
- Não me interessa - fala e depois se vira em minha direção. - Clara, você está proibida de chegar perto dessa garota.
Fica olhando para mim enquanto espera minha resposta, mas tudo que faço é balançar minha cabeça em sinal de concordância.
~Alguns dias depois~
Não tenho muito o que fazer, gostaria de estudar, aprender a ler é um sonho meu, mas meus pais não possuem dinheiro para isso, também não me deixam ajudá-los muito no trabalho, por causa disso tenho muito tempo livre. Quando não tenho nada para fazer costumo andar pela praia.
- Você ainda está aqui bruxa? - Ouço a voz de um garoto.
Olhando em direção ao local que vinha a voz, lá estavam três garotos de frente à uma garota de cabelos vermelhos. Eles riam enquanto dirigiam ofensas à ela. Meu rosto fica quente com essa situação, acho que nunca senti uma raiva tão grande desta forma, sem pensar meu corpo acaba se mexendo sozinho.
Sempre quando ia brincar com as crianças da cidade me destacava pela velocidade, sabia que não podia tentar comprar briga dependendo de força. Olhando para o chão vejo um pedaço de madeira, o pego e corro na direção deles.
- Ei idiotas! - Grito.
Todos olham em minha direção. Chutei o chão e areia sobe em direção a eles, que acabam levantando suas mãos para proteger seus olhos. Nessa hora joguei a madeira em suas direções, consigo ver que acerta o rosto de um deles.
- Corra! - Pego a mão da garota e a puxo enquanto corro.
Consigo ouvir gritos de protestos vindo de trás, mas continuamos a correr até que pudéssemos achar um local seguro.
- Você... - Dou uma pequena pausa para recuperar minha respiração. - Você está bem?
Ela também fica um tempo tentando recuperar o fôlego.
- Estou, obrigada - responde.
Olho em volta. Estávamos distante de onde nos encontramos, uma parte da praia onde as pessoas não costumam vir, pois é onde ficam os barcos pesqueiros e os equipamentos dos pescadores.
Ambas nos sentamos na areia por um tempo, porém ninguém diz nada.
- Eh... - Decido tentar quebrar o gelo. - Eu me chamo Clara.
Falo virando em sua direção e estendendo minha mão em sua direção. Sua expressão foi uma genuína poker face. Entendo que foi meio estranho, na verdade já havíamos nos visto, mas sempre a ignorava por causa de minha mãe, então nunca trocamos uma única palavra entre nós.
Depois de um breve momento constrangedor se forma um sorriso em seu rosto enquanto me olhava nos olhos. O sol estava se pondo e o cenário em volta parecia conspirar com aquela cena. Seus cabelos ruivos combinavam perfeitamente com a tonalidade do céu. Sinto meu rosto ficando levemente quente, meu rosto estava provavelmente corado, mas prefiro manter em segredo que meu coração acelerou um pouco.
- Me chamo Bianca - responde. - É um prazer te conhecer.
Não conversamos muito, já estava de noite e precisávamos voltar logo para casa, quando decidimos voltar ela fica parada.
- O que foi? - pergunto. - Vamos voltar.
- Bem... - Ela faz um expressão de confusão. - Não seria melhor não voltarmos juntas para cidade? - pergunta. - Você vai acabar sendo tratada mal por minha causa.
Olhava para o chão enquanto falava, mas dirigia seu olhar para mim às vezes. Sua atenção não estava em mim, provavelmente estava perdida em seus pensamentos, não é algo que eu, que nunca passei pelo que ela passou, pudesse entender, mas acredito que todos já tenham experimentado o sentimento de tristeza e esse é o mais próximo que tenho.
- Ei. - A chamo.
Ela não olha em minha direção, vendo isso chego perto dela e seguro suas mãos, seu rosto acaba se levantando, fazendo nossos olhares se encontrarem. Lembro de meu pai me falando, olhar nos olhos das pessoas é a melhor forma de transmitir suas verdadeiras intenções.
- Vamos ser amigas! - falo.
- Espera um pouco, que tipo de conclusão é essa?! - Parecia estar ainda mais confusa.
- Não vou aceitar um não como resposta - afirmo.
Às vezes as pessoas dizem que o meu maior defeito é ser teimosa demais, porém acho completamente o contrário, está é a minha maior qualidade. Olho diretamente nos seus olhos, ela tenta desviar o olhar, fica um tempo calada, mas eu continuo olhando sem piscar.
- Tá... - Fica calada por mais alguns segundos. - Vamos ser a-amigas.
Sua voz sai muito baixa, mas consigo ouvir nitidamente. Solto suas mãos e ela olha para mim com uma cara de dúvida, depois eu levanto o dedo mindinho para ela, sua expressão fica mais confusa ainda.
- Eh?!
- Promessa de dedo mindinho - falo sorrindo.
- O que você tem? 5 anos? - Mesmo com essas palavras ela estava sorrindo.
- Apenas faça logo!
Apesar de uma pequena relutância por parte dela acabamos entrelaçando os dedos mindinhos.
- Vamos ser amigas e nós sempre estaremos lá quando a outra precisar, quem quebrar essa promessa terá que engolir mil agulhas.
Soltamos nossos dedos e, apesar da estranheza, ambas estávamos sorrindo, em seguida ela trás sua mão, que usamos para fazer a promessa, até seu peito e olha para mim.
- Espero que possamos ser boas amigas. - Seu sorriso era lindo.
Vamos manter em segredo que essa garota fez meu coração acelerar duas vezes naquele dia.
Voltamos juntas para cidade, já estava escuro quando saímos da praia. Enquanto andávamos eram dirigidos diversas olhares em nossa direção, diversos sentimentos estavam envolvidos, felicidade, raiva, pena. Deve ser muito difícil andar e sempre receber essa atenção. Alguns adultos vinham falar com Bianca, perguntavam se ela estava precisando de algo, passando pela padaria a dona lhe deu diversas coisas e ao se despedir pediu para que ela viesse mais vezes.
- Mas senhora, mas isso é muito. - Bianca diz tentando recusar os presentes.
- Você não tem passado muito por aqui, não precisa sentir vergonha, apenas venha aqui - responde. - Se você não vier vou levar na sua casa!
- Eh... mas...
A senhora olha para ela e dá uma piscadinha, a garota percebendo isso apenas abaixa sua cabeça em sinal de reverência.
- Muito obrigada - responde.
- Isso, assim é bem melhor.
Passamos por sua casa e nos separamos. Sua casa era bem comum, nem muito grande, nem muito pequena, mas podia ser visto que era muito bem cuidada, como as plantas no jardim eram lindas.
- Então, nos vemos amanhã? - pergunto enquanto ela entrava em casa.
- Se você quiser - diz sorrindo. - Estou sempre aqui, venha tomar café comigo amanhã, a senhora me deu comida demais e se não tiver ajuda vai acabar estragando.
Finalmente entendia aquela piscadinha.
- Virei amanhã, vamos brincar bastante - falo.