Chegará o tempo da batalha na colina, onde todas as raças se dividirão. Onde pai e filho cruzarão espadas. Onde amantes trocarão golpes e mães não chorarão a morte da sua prole. Um tempo brutal se aproxima e faltarão trovões suficientes para avisar os homens. Faltarão joias o bastante para alertar os anões. Corvos para os elfos. Uivos aos lupinos. Frio para os ogros. Fogo para os trolls. E esse mundo será atacado pelo protetor dos incorpóreos, para que o grande ciclo se feche, a escuridão reine e ambos, mal e bem, deixem de existir. É chegado o tempo do fim e do início. A guerra entre a vida e a morte. O fim de todas as coisas.
*Nida – Ninfa-mãe – Líder da Ordem das Oito Raças – Membro Alto da Grande Floresta – Especialista em ciclos históricos – Profecia da Batalha do Fim
*
Arthur foi amarrado e colocado em cima de um cavalo, sob a guarda de Barsen – o maior soldado da companhia –, para ser escoltado em direção às ruínas de um vilarejo nas proximidades. Thiago retornara para informar sua comandante de que o lugar estava vazio – como esperado. Nem mesmo bandidos gostariam de fazer acampamento tão próximo da Grande Floresta e a existência daquelas ruínas era um indicativo de que construir sociedade por ali não era uma boa ideia.
Aproveitaram o fim da tarde para escolher um grupo de antigas construções do vilarejo, distantes da estrada, onde puderam amarrar os cavalos, repousar a carruagem com a maior parte dos suprimentos e itens de acampamento e improvisar tendas, usando os restos de construção como base para construir seus próprios abrigos. Os suprimentos foram recontados, os ferimentos e pequenas doenças foram tratados e as armas eram, aos poucos, restauradas por aqueles com algum conhecimento no ofício de ferreiro.
Na maior das tendas, erguida sobre os restos de uma construção no meio do acampamento, Rinlia está sentada em uma mesa montada pelos soldados com materiais improvisados. Barsen bebe de um barril de cerveja que fora trazido até a tenda por ele próprio, escondendo o nervosismo que a situação lhe impõe. Seu olhar evita de encontrar o da comandante, temeroso pela repreensão que poderia vir em razão das atitudes de um dos soldados sob seu comando.
Do outro lado da mesa, também tomando um caneco de cerveja, Yvanna nem sequer parece ciente da presença dos demais. Um sorriso brinca no canto de seus lábios e seus olhos estão fixos no rosto do soldado em pé ao lado da porta. Ela sabia que Thiago não pertencia ao seu batalhão e não estava preocupada com a atual situação, mas, mesmo que soubesse, não teria se preocupado o bastante para demonstrar tanta tensão quanto o novato.
-Ei. - Ela chamou, fazendo-o quebrar contato visual com a saída. - Você deveria sentar um pouco.
-Eu estou responsável pela guarda, senhora.
Ela conteve uma atitude mais expansiva, soltando um riso leve entredentes. Voltou seu olhar para Barsen.
-Você certamente inspira respeito nos soldados, não é?
-Pelo visto, não o bastante. - Ele resmungou, batendo com o caneco sobre a mesa e movimentando a perna de modo impaciente.
Yvanna olhava de modo atento para ambos e percebeu uma alteração quase imperceptível no rosto do acusado.
-Ora, parece que você não concorda?
Ele reagiu imediatamente.
-De modo algum, senhora comandante. Eu deveria ter permanecido com os demais. Um vagabundo largado na beira da estrada jamais deveria ser motivo para eu quebrar formação.
"Imagina se eles soubessem que o objetivo era ainda menos importante que isso." Ele não conseguiu interromper o pensamento.
-Mas certamente que isso não significa que você faltou com respeito, não acha? - Ela resolveu insistir. Os olhos castanhos dela pareciam chamejar com o desejo por alguma reação.
-Pare de provocá-lo, Yvanna. - Rinlia não imprimiu qualquer repreensão verdadeira na frase, usada somente para evitar animosidades entre Barsen e a segunda no comando.
-Claro, claro. - Ao contrário de Barsen, a atitude da mulher de cachos vermelhos em relação à comandante era de mais tranquilidade. Ela se inclinou na cadeira e voltou a analisar a expressão do garoto. - Eu só acho uma pena repreendê-lo quando a sua curiosidade pode ter nos rendido um prisioneiro.
-Um prisioneiro que atrasou nossa marcha. - Barsen retrucou. - Até onde sabemos, ele pode só ser o filho de um aldeão que resolveu fugir de casa ou um aventureiro qualquer que se separou do grupo. Pelas entidades, ele pode ser só um viajante perdido!
-Ele teria nos falado de imediato se esse fosse o caso. - Yvanna mantinha o sorriso, porém, o seu tom já não é tão amistoso. - Ele viu quem éramos. Claramente não somos bandidos. Se ele não tinha nada a temer das autoridades, certamente teria esclarecido a situação e seguido seu caminho. Teve mais de uma oportunidade para fazer isso. Além do mais, eu o observei depois que o capturamos. Ele não é um idiota e parece mais educado do que um aldeão qualquer.
-Ele não sabia disso quando o acordou. - Barsen aponta para Thiago. - Por isso que haverá uma punição quando voltarmos para Fiandel. Não me olhe com essa cara, soldado. Não vou lhe arrancar o braço. Sinta-se feliz que eu não apliquei a punição na estrada.
Barsen se tornou um líder famoso por punir os soldados com regimes inumanos de treinamento. Para níveis de exército, era ao mesmo tempo considerado piedoso pelos superiores e simpatizante de tortura pelos soldados.
-A minha preocupação, nesse momento, é com o prisioneiro. - Rinlia se levantou e foi até um buraco em uma das paredes das ruínas em que a tenda fora construída e que, agora, servia de janela. O céu estrelado estava encoberto por nuvens. Algo atípico para apenas uma noite após uma tempestade. - Ele disse algo que não deveria ser dito.
Ninguém tentou respondê-la. Quando em seu estado meditativo, a elfa de olhos esmeraldinos não gostava de pessoas tentando ler seus pensamentos. Ela se manteve na janela, observando a movimentação no exterior por alguns segundos.
-Traga-me o prisioneiro. - Ela não precisou se virar para Thiago entender que a ordem era para ele. - Quero conversar com ele.
O rapaz saiu imediatamente e os dois membros restantes se entreolharam. Yvanna estava prestes a fazer uma pergunta quando Rinlia voltou a falar.
-Barsen, onde está a comida que eu pedi que separasse?
-Está na tigela, senhora. - Ele aponta o barril onde estava a cerveja. Sobre ele, está posta uma tigela. Ele a recolhe e coloca sobre a mesa.
-Muito bom. - Ela checa os arredores, como se conferisse a situação geral. - Barsen, coloque seu elmo.
-Senhora?
-Coloque o elmo por enquanto.
O soldado recolheu a proteção, até então colocada aos seus pés.
-A senhora acha que ele vai nos atacar?
Ela sorriu, voltando ao seu lugar na mesa.
-De modo algum. É apenas um teste para saber se há verdade nas palavras do nosso visitante.
*
Depois de capturado, várias coisas preocupavam e incomodavam o ânimo de Arthur, porém, nada se comparava ao desejo de obter alguma água para beber. A visão do mar era uma lembrança distante e a estrada, embora próxima da costa, já não dava vista para a água, enquanto a garganta seca parecia ser um incômodo empilhado sobre tantos outros e se tornar um fardo bastante desagradável. Os soldados que o capturaram levaram-no por uma caminhada cheia de tropeços e quedas sobre as pedras, em sua grande parte causadas pelas mãos amarradas e o movimento das pernas restrito por correntes. Estas últimas, por conta do contato do metal com a pele, ardiam como o inferno e os ralados nas pernas e nos braços faziam com que ele desejasse amaldiçoar a todos os soldados que insistiam em olhar de maneira estranha para seu rosto. Depois de muito tempo, a marcha dele estava tão lenta que precisaram afrouxar as correntes em redor dos calcanhares e pararam de puxá-lo como um animal, colocando-o como carona no cavalo do soldado que o encontrara mais cedo.
Os olhares acusadores por todos os lados e, de modo geral, o ambiente repressivo, fazem-no cogitar outra corrida, mas ele não consegue pensar para onde ir. A companhia de soldados, embora não fosse numerosa, tinha membros suficientes para alcançá-lo mesmo se não estivesse com correntes nos calcanhares e as armas empunhadas por todos eram um sinal de que irritar aquelas pessoas não era a melhor das ideias.
Isso tudo, somado ao fato de não fazer ideia de onde está, é o bastante para fazê-lo aceitar o destino e, obedientemente, se deixar levar até o local do acampamento.
Eventualmente lhe entregam água, mas, depois de tanto tempo, a fome também é um problema. A essa altura, sabe melhor do que pedir por bebida. Evita até mesmo fazer contato visual com as figuras em redor.
Depois que o acampamento foi montado nas ruínas, a fome também o incomodava, mas não percebeu nenhum encorajamento no olhar dos dois soldados que o escoltavam. Estava pensando se havia alguma maneira de conseguir água ou comida sozinho quando percebeu Thiago se aproximando.
-Vamos. - Ele pega a ponta da corda, até então presa em uma estaca. Os dois soldados próximos não fazem menção de interromper o gesto.
Ele é guiado até a cabana mais bem preparada entre as ruínas. Thiago puxa o pano que cobre a entrada e, com a mão livre, puxa a corda de modo a arrastar o prisioneiro para dentro. Em seguida, faz meia reverência. Um sinal de Barsen, sentado em um canto à direita, é o bastante para fazê-lo dar meia volta e se retirar.
Desnorteado, Arthur tenta entender o local onde está e vê, em redor, uns poucos móveis organizados com cuidado. O fim da luz solar obrigou a colocação de uma lamparina sobre a mesa de madeira rústica exibida no meio do ambiente. A iluminação precária atende somente ao meio do ambiente, jogando as extremidades em absoluta escuridão.
A pouca luz, no entanto, não impede Arthur de sentir o cheiro advindo da mesa posta à sua frente. Sobre ela está um pote de barro com a medida aproximada de seu próprio rosto. Este pote está, até em cima, preenchido por um guisado de peixe, tão quente que o vapor joga rolos de fumaça por cima do móvel, na direção do rosto de Arthur. Ao lado está um caneco cheio de água até em cima. O aroma do alimento e o desejo por bebida quase o faz saltar naquela direção, mas ele encontra em si forças para conter o movimento.
-Eu disse que ele era mais educado do que pareceu à primeira vista. - A voz de Yvanna o desperta. Ela está sentada à esquerda na mesa à frente, seu assento postado ao lado da cabeceira. Sua cabeça está descoberta pela primeira vez desde que a conhecera. Seus cabelos são chamativos mesmo na penumbra. Seus olhos parecem fundir com a escuridão às suas costas.
-Espero que você esteja correta, Yvanna.
A segunda voz feminina carrega curiosidade genuína. A primeira coisa que Arthur percebe, olhando a cabeceira da mesa, são os olhos. O verde esmeraldino não se esconde no rosto de expressão divertida da mulher de cabelos loiros perolados. Os cabelos, inclusive, estão seguros em um rabo de cavalo alto, exibindo orelhas pontudas aos lados de sua cabeça. Seu nariz é arrebitado e ela possui maçãs do rosto protuberantes. Sua beleza parece iluminar o ambiente, ainda que tal brilho seja impossível de modo natural. O quadro geral não permite que Arthur questione as orelhas, uma vez que ele presume se tratar de alguma anomalia genética.
-Vá em frente. - Ela acena para um lugar à mesa, de frente para o guisado. - Pode comer.
Ele não precisa de outra autorização. Alguém tivera o bom-senso de colocar uma colher rústica ao lado do pote de barro e ele imediatamente começou a se alimentar e beber do caneco. Etiqueta sequer era uma palavra em sua mente enquanto devorava o alimento tão rápido quanto conseguia.
Ao terminar, sentia ainda que, houvesse comida, continuaria comenda. Essa, porém, não parecia ser a intenção dos demais integrantes da tenda. O olhar de Rinlia, embora não fosse ameaçador, lhe dava a impressão de poder mudar a qualquer hora se ele não tivesse cuidado ao escolher suas palavras.
Ela, percebendo que o fim da refeição, foi quem retomou a conversa.
-Diga-me: Qual o seu nome?
Arthur pigarreia, nervoso.
-Ar, Arthur.
-Um belo nome. - Ela estende a palma da mão sobre o tampo da mesa. - Eu sou Rinlia, a comandante dessa pequena comitiva. Creio que você já conheceu meus subordinados: - Ela aponta para sua direita. - Yvanna. - Então aponta para a sua esquerda. - E Barsen.
Arthur se mantém calado.
-O que acha de conversarmos com calma? - Yvanna se levanta, sua expressão menos sorridente. Rinlia inclina a cabeça e seu rabo de cavalo inclina junto. Enquanto isso, a outra senta no lugar mais próximo de onde está o prisioneiro. - Acha que consegue fazer isso?
Ele espera um instante, tentando recobrar a calma e contendo sua voz tanto quanto é capaz.
-O que vocês querem de mim?
Yvanna e Rinlia se entreolham. A última é quem fala, sem qualquer sorriso em seu rosto.
-Eu quero saber de onde você veio. E o motivo para estar aqui. - As palavras possuem uma dignidade típica de comandantes. A intenção de intimidar é clara e, mesmo sabendo disso, ele não é capaz de evitar o efeito.
-Alguma coisa está errada aqui. - Sua voz é vacilante. - Sou eu quem não sabe o que está acontecendo. Eu quem não sei onde estou.
-Brincar conosco não é recomendável. - Yvanna faz menção de se levantar.
-Deixe que ele fale. - A expressão de Rinlia permanece sóbria e ela não desvia os seus olhos dos dele. - O que você quer dizer com isso?
Arthur respira fundo, tentando manter a calma. Porque é tão difícil de entender?
-Eu não sei onde estou. Nunca estive nessa praia, menos ainda nessa estrada em que andamos hoje. Eu não entendo as armaduras que vocês estão usando e nem a falta de tecnologia. - Ele aponta a lamparina. - Não entendo os símbolos que estão nas armaduras e nem no estandarte que colocaram no acampamento. Não entendo porque falam de reinos, quando não existem reinos.
-Se não veio de um reino, então de onde você veio?
-Ora, ******.
-E o que é isso?
-Um país. - Ele vê confusão no olhar das duas à sua frente. - País? Aquela maneira que encontramos de dividir o planeta Terra entre os povos?
-Terra?
-Sim, Terra. O planeta. O lugar de onde eu vim. - Ele indica a si mesmo com o indicador.
A expressão de ambas se altera. Yvanna parece segurar a respiração por alguns instantes. Barsen agarra o machado que estivera encostado no seu corpo até então. Rinlia passa a mão sobre os olhos.
-Você está dizendo que chegou agora do planeta dos humanos?
Ele não é capaz de compreender.
-Chegar? Como assim?
As duas trocam outro olhar significativo. Yvanna se levanta, andando em redor dele.
-Arthur, o lugar onde nós estamos não é a Terra. O lugar onde estamos é um planeta sem nome, que possui apenas apelidos dados por seus habitantes. - Ela analisa a expressão dele com cuidado. - Os habitantes aqui são seres vindos de diversos planetas. Assim como você, que veio do planeta dos humanos. Nós não nos identificamos como habitantes do planeta, mas sim dos reinos aos quais pertencemos.
Num primeiro momento, ele sequer é capaz de entender metade do que ela disse. Pede que repita. Mais uma vez. E ainda outra.
-Isso… Não é possível. Você está mentindo. Eu- Não. Impossível. Impossível!
Yvanna põe a mão em seu ombro. Rinlia endireita em seu assento antes de falar.
-Arthur, você disse que chegou ontem?
Ele faz um aceno positivo, incapaz de responder de imediato.
-E como foi isso?
Primeiro cambaleante, depois mais confiante, ele conta sobre a maneira que chegou até a praia. Elas pedem que ele repita alguns detalhes e ele explica tanto quanto é capaz.
-E é isso. A canoa em que eu estava, ela vinha… do céu? - É a primeira vez que reflete sobre o que lhe aconteceu. - Não, não é possível. Eu ainda não consigo entender. Pensei que fosse um sonho. Vocês me encontraram na praia. Tudo antes disso deve ter sido um sonho, não é?
Rinlia morde o lábio inferior, preenchida da mais pura preocupação.
-Você disse que caiu do céu em uma canoa?
-Sim. Mas isso foi apenas um sonho que eu tive antes de vocês me encontrarem.
-Arthur, isso é impossível.
-Eu sei. Mas esse foi o sonho. Eu caí do céu em uma canoa, no meio do mar. Pensei que ia morrer. Acordei na praia, onde vocês me encontraram. - Somente então ele se lembra de ter despertado uma vez antes de os encontrar, mas decide ocultar essa parte da história pelo simples fato de não ser capaz de explicar direito o que viu.
-Barsen, retire o seu elmo. - Rinlia ordena, sem qualquer sinal de suas intenções.
O grandalhão não a questiona. Volta a colocar o machado no chão próximo ao seu assento e leva as duas mãos à cabeça.
É a primeira vez que ele retira o elmo na presença de Arthur, revelando suas feições: Seu rosto é verde-escuro. Sua face é cheia de pequenas protuberâncias e ele não tem lábios. Sua mandíbula, esticada para frente, permite que dois dentes inferiores se levantem à frente da boca. Não há nariz em seu rosto, apenas dois furos por onde entra o ar. Suas orelhas são pequenas e pontudas e sua pele é grossa como o couro.
Arthur se levanta imediatamente, tropeçando sobre a cadeira e caindo de costas.
Yvanna se aproxima com velocidade sobre-humana e coloca a mão sobre o seu ombro, ajudando-o a levantar.
-Agora entendi, comandante. Definitivamente, essa parece ser a primeira vez dele vendo um ogro.
Ele teria gritado em desespero, mas, novamente, a voz lhe falha. Sente que seu corpo está paralisado de medo diante da situação. A criatura, em pé à direita da mesa, não esboça reação. Yvanna permanece ao lado de Arthur.
-Ele é um aliado meu. O mesmo que te escoltou boa parte do dia de hoje. Não se preocupe. Explicaremos quando houver tempo. Agora, você precisa se acalmar. Se fugir, pode encontrar criaturas muito mais perigosas e nem um pouco amigáveis.
Com o coração acelerado, ele encontra em si alguma capacidade de raciocínio. Como o ogro, desde o início, não demonstrou que o atacaria, realmente não há necessidade de qualquer atitude temerária. Conseguiu, também, encontrar alguns traços do soldado grandalhão de antes nos trejeitos da criatura, o que traz alguma familiaridade com a figura à frente.
Ele senta na cabeceira da mesa e tenta controlar os batimentos cardíacos acelerados enquanto Yvanna volta ao seu lugar.
-Arthur, se o que você está dizendo é verdade, então o que você nos contou não foi um sonho.
A garganta dele parece fechar conforme o desespero aumenta. Tudo parece ser rápido demais, importante demais. Ainda que sua história maluca fosse verdadeira, eles precisavam acreditar nele. E, ainda que fizessem isso, o que aconteceria? Para onde o levariam? Qual a sua real importância para qualquer um que faria com que não se livrassem dele imediatamente?
Um trovão o faz sobressaltar.
Tão forte quanto os trovões da noite anterior. Imediatamente ele é capaz de lembrar de tudo. As gotas que pareciam pregos sobre a pele. O medo da morte que o espreitava a todo momento. A baleia que se erguia como um colosso.
-Trovões? - Yvanna olha para a cabeceira da mesa.
-Vá verificar o que está acontecendo. - Rinlia a autoriza.
Antes que Yvanna possa obedecer, Thiago puxa o tecido que cobre a porta, afoito. Sua respiração é pesada, como se tivesse acabado de correr uma maratona. Rinlia não espera antes de inquirir o motivo de sua entrada.
-Thiago, o que está havendo? Isso foi um trovão?
O soldado parece estar com pouco ar nos pulmões e, sem conseguir se recompor totalmente, solta as palavras de modo atropelado.
-Senhora, são trovões… Sim. Não há sinal de chuva, apenas raios e trovões.
Barsen imediatamente fecha a mão ao redor do machado, se colocando de frente para a comandante.
-É o anúncio dos incorpóreos. Estamos muito próximos da floresta. Se sentirem que estamos aqui…
-Precisamos organizar um contra-ataque. - Rinlia se levanta, fazendo um gesto para Yvanna, que põe o capuz e vai até a porta. - Vamos.
-E o garoto? - Pergunta a mulher de cabelos cor de fogo.
-Deixe-o na cabana. Mesmo que esteja mentindo, não representa perigo imediato e não podemos ficar de vigia enquanto os trovões deixam as criaturas da floresta em fúria.
-Malditos incorpóreos. Malditos trovões.
-Além do mais, ele ainda está com as mãos amarradas e os pés presos por correntes. Sabe que fugir é muito mais perigoso do que esperar pelo meu retorno, não é mesmo?
Por um instante, os três olharam para trás, encarando a figura do rapaz paralisado de medo, encolhido sobre o banco de madeira, segurando um pote de barro. Arthur, ainda em choque pelas informações recentes, apenas acena um gesto positivo.
-Vamos. - Rinlia faz um sinal para os demais. - Vamos ver o que os trovões nos reservaram para hoje.
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