Bridget
O meu mau humor chega ao seu auge em uma manhã de domingo conturbada e nebulosa, que de forma conveniente combina com o clima em minha casa. Apesar de serem casadas e possuírem cada uma sua própria residência, as cinco irmãs Aragão mais velhas visitam constantemente nossos pais e a mim.
O que seria legal, se não fosse o fato de que sinto elas tentando a todo custo controlar minha vida. Juro que tenho a paciência por um fio com a última que elas me aprontaram.
"Bridget, não nos olhe assim. Não somos más, só queremos o melhor pra você. Agora a senhorita pode não nos compreender, mas um dia vai querer beijar nossos pés como agradecimento." Júlia fala me olhando seriamente e enfatizando cada palavra.
Enquanto isso, as outras mulheres na sala confirmam tudo com a cabeça e ficam repetindo o que ela fala que nem um bando de papagaios.
Poxa vida, não acho justo fazer algo só porque elas querem. Sinto que vou estourar os miolos das suas cabecinhas bonitas só com a força do meu ódio a qualquer minuto.
"Nunca pedi nada a vocês, me deixem em paz. Não estudarei em colégio interno nenhum. Pouco me importa se vocês ficarão com raiva, ou se vou virar motivo de fofoca e chacota pela cidade por recusar o aparentemente irrecusável. "respondo exatamente no mesmo tom duro e enfático de Júlia, olhando nos olhos de uma por uma de minhas irmãs.
Não sei de onde elas tiraram a bendita ideia de que podem me dizer o que fazer a cada segundo.
Acho que a culpa é minha de certa forma, sempre me submeti a suas vontades desde criança, mas dessa vez minha resposta é definitivamente um grande e redondo não.
"Jovenzinha, você nunca foi tão respondona e rebelde como ultimamente. Todas nós passamos pela escola local sem nenhuma outra opção, mas você tem uma invejável chance de ir além. A Escola Elementar de Magia e Artes Marciais é sinônimo de um futuro de sucesso, fora que é uma bolsa completa de estudos. Nossos pais estão ficando velhos, e nós não somos eternas. Você precisa de um plano B no caso de não estarmos aqui pra te ajudar algum dia." Merinda sendo a segunda mais nova entre as herdeiras Aragão, sempre foi a melhor em lidar com o meu forte temperamento, mas parece que não vai funcionar como elas querem hoje.
Merinda inclusive foi a responsável por me tornar a sexta irmã Aragão há alguns anos. Mas esse fato não dá a ela a moral para decidir cada passo que vou dar na vida. Não dá né?
Há 16 anos…
Merinda estava muito animada para o noivado de sua irmã mais velha, Júlia nunca esteve tão radiante e feliz como naquela manhã.
A casa estava uma bagunça só, era gente entrando e saindo o tempo todo. Infelizmente hoje também era o dia de Merinda jogar o lixo fora, e apesar de os apelos para ficar ao lado de Júlia e ajudar somente nos preparativos do jantar de noivado, dona Ana Aragão foi irredutível e disse-lhe pela milésima vez, que responsabilidades não são e nunca serão negociáveis.
Depois de meia hora de sermão, o que pareceu uma eternidade para a caçula, ela finalmente foi até ao final da rua cumprir sua missão de hoje. Já estava começando a distanciar-se da lixeira quando ouviu um choro de bebê, voltou e seguiu o barulho intrigante cheia de curiosidade.
Foi aí que finalmente encontrou a causa de tanto alvoroço, um nenenzinho, uma menina para ser exata.
Quando colocou os olhos na gorducha ruivinha que a mirava de forma triste, aos soluços e quase roxa de tanto chorar, não resistiu e a levou para casa. Se perguntava como alguém poderia não querer uma bebê tão perfeita e fofinha.
Foi um choque para o Sr. Wilson chegar em casa naquela noite depois de um intenso dia de trabalho em sua loja de novos e usados, e descobrir que sua filha mais nova encontrou um bebê no lixo e o trouxe para casa.
Os Aragão procuraram imediatamente a ação social, que acolheu de bom grado a recém-nascida, mas todos os dias os Aragões se revezavam e visitavam a ruivinha fofa. Depois de longos seis meses de espera, ninguém veio reclamar a pequena como sua, então a família optou finalmente por adotar a gordinha como a mais nova integrante da família.
Voltando para o agora…
Gostaria de explicar para vocês o porquê de toda a minha revolta, tenho certeza que concordarão comigo.
Como já foi dito, todas as pessoas nascidas na cidadezinha chamada Cartais, localizada no interior de Hermenia, estudaram na mesma escola local. Lá se aprende o básico de todas as disciplinas, e não podem ensinar nada sobre magia ou pensamentação de elementos e artes marciais como sempre sonhei. Pois não são licenciados pelo Magistrado Elementar.
Já na Escola de Elementos, Magia e Artes Marciais, tem tudo isso e muito mais, porém infelizmente sou insegura demais para ficar tão longe dos meus pais, então não quero ir.
Imagine só, se não me sinto à vontade nem no meio de quem conheço, longe deles será ainda pior. Fora que a Escola Elementar fica a meio mundo de distância daqui, do outro lado do país pra ser exata. Nem mesmo nas férias se pode voltar pra casa.
E depois de formados pior ainda, existem muitas prioridades no palácio real a serem cuidadas, todos devem servir ao país por período ininterrupto.
Pelo menos foi isso que li no site retrógrado da escola, nunca conheci ninguém que tenha estudado lá. Sei que posso estar sendo preconceituosa, mas tudo sobre esse internato intensivo é tão misterioso, acabo me fechando mais do que o normal.
Mas sabe, o que mais me irrita de verdade? Saber que minhas irmãs não pensam exatamente no meu futuro como dizem. Sei que me amam, mas a verdade é que todas sempre gostaram muito de ter um certo status, e por isso querem que eu estude fora, em um internato renomado.
Há exatas duas semanas todas chegaram eufóricas me dizendo que essa era minha chance de brilhar e aprender magia, elementos e luta de forma profissional e trabalhar com isso (tenho vários livros sobre estes temas e treino desde pequena com Téo, então todos da minha família sabem o quanto esses tópicos me fascinam).
Não levei a sério, pois não sou rica e nem tenho parentes influentes, como raios seria selecionada? Fiz a prova com o meu pior desempenho de propósito no dia seguinte no centro da cidade, todos estavam eufóricos, menos eu, torci como louca para não ser aceita.
Imagine minha surpresa hoje pela manhã quando apesar de me esforçar ao máximo para tirar uma péssima nota descubro que fui a única no meu estado a ser admitida na EEMAM (Escola Elementar de Magia e Artes Marciais).
Logo eu, que nem quero ir.
E é exatamente por esse motivo que minhas irmãs estão agora como gralhas velhas me cercando e me pressionando a aceitar a proposta e ir estudar em um lugar desconhecido. Onde não tenho sequer um amigo de internet que estude por lá, e olha que conheço muitas pessoas online.
Me vejo aliviada quando meus pais entram na sala trazendo uma pilha de sacolas do mercado. Todas juntas os cumprimentamos de forma uníssona como de costume.
"Bom dia!" Nossos pais que de bobos só tem a cara mesmo, percebem o clima pesado pairando no ar assim que colocam os pés dentro de casa.
"Algo errado acontecendo aqui?" Mamãe coloca suas sacolas no chão e vem sentar ao meu lado no sofá, papai passa, e pega as sacolas dela e leva junto com as suas para a cozinha.
Ele sabe que é uma conversa de garotas, sempre passa longe quando elas acontecem.
"Ela foi aceita na Escola Elementar mamãe, mas está agindo de forma irracional e se recusa a ir. Só a senhora pode nos ajudar, e fazer com que essa cabeça dura tome a decisão certa agora, ela não nos ouve." Dessa vez foi Melissa que tomou as rédeas da conversa.
Fico sem entender quando mamãe com lágrimas nos olhos me abraça com força, como nas vezes em que acordo a noite chorando por causa de pesadelos. "Minha filha querida, sabia que você seria aceita, é tão esperta!"
"Mas não quero estudar lá mamãe, prefiro ficar perto de vocês." Digo aflita e mamãe me abraça com carinho.
Essa não! A única pessoa que sempre me defende desses gaviões a minha frente, aparentemente também concorda com a minha ida para o internato que fica no fim do mundo.
E esta é a cena de terror que estou vivendo agora.
Melissa, Júlia, Isabelli, Maria Beatriz e Merinda estão me olhando com um misto de raiva e dó, vai entender o que essas malucas estão pensando, nem elas entendem a si mesmas.
O que nunca disse abertamente em absoluto a ninguém, é que me sinto uma intrusa no meio delas desde que me entendo por gente.