Os passos largos de Eloá acompanhavam os de Agnes, a garota parecia até feliz para quem havia aceitado um cara que era praticamente de sua amiga. Agnes gostava dela, mas a cada dia que passava e ficava ciente do envolvimento daqueles dois, um ódio descomunal subia por suas veias.
A linha entre o amor e o ódio, de fato, era fina e pequena, é muito fácil passar de um ponto ao outro em questão de segundos.
— Que bom que estão se dando bem. — Agnes apertou suas mãos envolta de seus braços. Estava nervosa. — E ele já está te tratando com amor? — Riu com pouca vontade.
Eloá sorriu.
— Sim. Ele é um amor de pessoa. Grava tudo que eu falo, não esquece detalhe nenhum, não sei por que você o dispensou. — Os ombros da garota sacudiram.
Seu estômago revirou, ela quis gritar com Eloá, mas bendita fosse a atitude que ela aprendeu a usar, se ela não fosse tão boa, se ela não fosse tão vadia.
— Entendo. Fico feliz por vocês. Acho que irão combinar bastante, as idades são próximas também, e você estava procurando alguém já fazia um tempo, certo? — Sorriu de lado.
Eloá assentiu, a expressão se tornando um pouco mais séria.
— Você se preocupa demais, Agnes. — Ela encolheu os ombros, acuada por algum motivo. — Está ótimo conversar apenas com ele, mas Ícaro já quer me encontrar, não sei se estou preparada para ir vê-lo.
As unhas de Agnes fincaram em seu casaco escuro e pesado, seu coração palpitava com força e rapidez, aquela dor aguda e pontuda parecia ser a sua morte, mas apenas parecia, era tudo ilusão, nada daquilo era real, nem mesmo se quer aquela pequena hipótese de amar o garoto dos olhos escuros como os seus.
— Você deveria ir vê-lo, pode ser que não sinta nada, mas pode ser que sinta tudo. — Agnes a aconselhou, não deveria, não quando seus sentimentos eram tão tempestuosos, mas ela ainda assim queria jogar com eles dois, ver até onde iriam, e sentir o que de fato Ícaro tinha em seu coração obscuro e enevoado.
Eloá riu baixo.
— Pensei nessa possibilidade, mas não sei se iria dar algo ou não.
Agnes descruzou os braços e tentou parecer tranquila, mesmo que um forte zumbido provocasse seus ouvidos e garganta.
— Rola ou enrola?
Eloá virou a cabeça em sua direção, e seus olhos se encontraram, e naquele instante o ar faltou em seus pulmões, ela não conseguia imaginar a resposta que a garota lhe daria, mas a simples possibilidade de rolar alguma coisa fazia um inferno dentro de si.
— Estávamos pensando nisso, nas possibilidades, não sei ao certo. — Levou uma mecha de cabelo para trás de sua orelha, os olhos semicerraram contra o vento forte que passou entre elas e um sorriso simples tomou conta de seus lábios levemente secos e rachados.
Agnes ergueu a mão direita até seu peito, agarrou o casaco que escondia seu coração, e o quis arrancar para fora, mas não faria tamanha loucura. Loucura mesmo era ela gostar de alguém, e o mandar para outra.
"Pastar em outro campo". Pensou consigo mesma, e até riu de si.
Era tão estúpida.
— Ele já marcou uma data para nos vermos. — Amarrou o cabelo em um coque alto.
Surpresa estampou as feições suaves de Agnes. Os olhos saltaram e a boca abriu em choque. Estava indo tão rápido, que mesmo seu coração sendo duro como pedra, ele havia sido derretido por um mar surpreendente de lavas ferventes.
— Mas já?! — Soltou em descrença, poderia aquilo ser uma piada e um teste? Podia? Queria ela que fosse aquilo, seria menos pior que a realidade a seguir.
— Já! — Eloá riu. — Ele é maluco, mas um cavalheiro. — As bochechas pareciam corar, se não fosse o frio que fazia, Agnes poderia dizer que ela estava começando a gostar de Ícaro.
Seu coração se apertou com a possibilidade, poderia aquela dor ser referente a morte e as mãos ossudas do ceifador de almas? Não, não podia ser aquilo, mas, de novo, essa ideia seria muito melhor que a própria realidade causada por ela mesma.
— Achei que você não iria gostar dele. — Desconversou, tentava entender o que se passava na cabeça de Eloá.
A garota negou, seus cabelos escuros balançaram por seu ombro.
— Eu também achei, mas ele de repente apareceu nas mensagens do meu celular, e não parava de conversar comigo, e eu acabei me encantando por ele. — Deu de ombros como se não fosse importante, mas aquelas informações diziam muitas coisas sobre Ícaro. — Por sua causa, ele não para de falar comigo. — Riu.
Uma facada atrás da outra. As feridas invisíveis sangravam uma atrás da outra, poças de sangue se formavam logo abaixo de seus pés e sua roupa poderia até mesmo estar grudenta pelo sangue que jorrou de cada facada que levara em seu peito, em seu coração.
Agnes nunca poderia dizer que foi traída, pois quem os traiu foi ela mesma.
— Então eu aceito seu pedido de agradecimento. Com uma cúpida dessas você não precisa de mais nada. — Piscou para Eloá, que apenas sorriu em agradecimentos não ditos.
Ela se martirizaria mais tarde, não naquele momento. Não quando estava diante de outra pessoa, não quando era Eloá que estava ao seu lado.
Quem seria pior? A garota que negou os sentimentos daquele que amava, ou a garota que aceitou o namorado da outra?
Namorado? Ele nunca seria chamado daquela forma, por quê?
Porque Agnes estava escondendo o ponto principal de sua deixa, não era simples, não era simplesmente decidir não querer o rapaz e passá-lo para outra, antes fosse. Havia algo a mais em suas memórias, em palavras não ditas e ações feitas.
A questão era: se Ícaro percebia tudo e detalhamento todos, por que ele não notou na mudança drástica em Agnes?
Sua mente borbulhava com tanta informação que ela mesma ficou atordoada, deveria parar de pensar nele, ele não fazia bem a ninguém, talvez tivera feito, mas isso foi há um tempo atrás, não agora, não naquele momento.
Eloá segurou seus ombros e olhou em seus olhos.
— Você está bem?
Sua visão parecia aos poucos escurecer, tudo parecia girar, e a última pessoa que lembra ter visto, e muito quis não ter, foi Eloá e seus cabelos lisos escorrendo por seus ombros e tocando suas bochechas dormentes.
A dor iria desaparecer de seu corpo, mas seus olhos iriam lembrar perfeitamente das feições que um dia ela tivera ao falar de seu garoto, agora essas feições estariam representadas em Eloá, e toda amargura e ódio pintariam a face de Agnes. Ela deveria ter outra escolha, mas não tinha.