Chapter 9 - Força e Fé

Mesmo tendo saído da fazenda dos Morgan, a estadia de Emma na vila ainda iria perdurar por mais algum tempo. Seu objetivo estava um passo mais curto, faltando somente uma única missão para que ela pudesse enfim conseguir a sua ocupação.

Naquele momento, ela procurava qualquer pessoa que pudesse estar com o sinal de missão acima da cabeça, caminhando pelo segmento da estrada de terra que dividia toda a vila. Durante essa procura, ela também notou que aquele assentamento humano no meio do nada era bem maior do que parecia visto de longe, tendo suas ruas em um formato de "T", estando naquele momento no segmento esquerdo da semi-cruz.

Após andar de uma ponta a outra de cada segmento, percebeu que não havia nada além de pessoas comuns vivendo seus dias tranquilamente. Emma se questionou se aquelas pessoas eram reais ou simples frutos de muitos códigos que faziam parte das entranhas daquele universo. Por um breve momento, mesmo rodeada de supostas pessoas, todas se divertindo e vivendo uma vida feliz, ela se sentiu solitária.

Tentando recobrar o foco, ela espantou os devaneios de sua mente e voltou a pensar em seu objetivo primário, seguindo em direção ao segmento central da vila, decidida a explorar do coração do povoado até sua entrada, determinada a sair logo daquele lugar.

De súbito, ela começou a ouvir um estranho som, que se repetia num curto intervalo de tempo à medida que se aproximava de uma estranha construção, cuja forma se destacava dentro do padrão uniforme de casas construídas ao redor. O Som lembrava algo como o choque entre dois objetos de metal. Esta era mais comprida que as moradias, tendo quase o dobro do comprimento, além de ter uma placa acima da entrada principal com os dizeres: Loja de armas, armaduras e variados. Olhando para cima, Emma notou a chaminé por onde saía fumaça que viu no dia anterior, relembrando dela e associando àquela à sua frente.

Apesar de ainda estar procurando a missão, Emma deixou-se levar pela curiosidade e decidiu que entraria na tal Loja de armas, usando a desculpa de que não se concentraria o bastante para procurar uma missão devido ao barulho para se justificar. E então, com poucos passos, ela andou até a porta entreaberta e empurrou-a com uma das mãos, fazendo com que o sininho apoiado no batente da porta fosse tocado, o que resultou num suave badalar do pequeno objeto. Logo depois disso, o som repetitivo que ecoava pelo estabelecimento cessou, sendo substituído por passos apressados na direção da bancada.

— Deus, tomara que não seja ninguém que só veio pra olhar! — disse uma voz feminina vinda do interior do local.

Então, de um cômodo que ficava atrás do balcão de atendimento, surgiu uma garota, que continuou a caminhar até o balcão e se apoiar nele. Ela estava toda suada, como se tivesse acabado de fazer uma sessão intensa de exercícios, e se fosse, não seria surpresa, já que ela portava uma forma robusta e musculosa de alguém que fazia trabalho braçal. Seu cabelo loiro estava preso por uma xuxinha, deixando seu belo rosto destacado, que portava olhos castanhos, boca e nariz finos.

— Opa, tudo bem? Desculpe a minha aparência descuidada, o trabalho não me deixa descansar. — falou, dando uma risada. — Enfim, como é que é? Tá procurando algo em específico? Uma espada, talvez... uma alabarda?

— Ah... não. Na verdade eu estou atrás de uma missão geral pra conseguir minha ocupação, desculpe o incomodo.

— Bem... não seja por isso! Tem certeza que não quer levar nada? Veja isso por exemplo! — ela disse, pegando uma espada que aparentava ser muito bem trabalhada e colocando-a sobre a mesa. — Eu trabalhei a noite inteira nessa espada, e acredito que ela tem uma ótima qualidade! Eu posso fazer um desconto exclusivo pra você!

— É sério... eu não tenho dinheiro algum, se não, eu até compraria algo se precisasse, mas eu realmente não tenho nada.

Nesse momento, o grande sorriso radiante que a vendedora tinha começou a desabar, mas ela não deixou que ele se fosse. Apertando a cruz que pendia em seu pescoço, ela segurou o sorriso no rosto e manteve o estado alegre de antes.

— Ah, claro, tudo bem... se quiser, pode olhar as coisas na loja, vai que uma hora você volta. Bem, eu tenho que voltar a trabalhar. Obrigado pela sua visita. — falou com um tom deprimido, contrastando com a sua expressão feliz.

Antes que ela pudesse ir embora, Emma percebeu algo nas mãos da garota, um detalhe que ela poderia simplesmente ignorar, mas, se o fizesse, seu coração pesaria com a culpa de não ter feito nada.

— Espera aí. — falou em voz alta, chamando atenção da moça. — Suas mãos... elas estão sangrando.

A jovem olhou para as próprias mãos e viu com horror que haviam diversos cortes em sua mão, por onde escorria sangue. Rapidamente ela buscou pelas várias caixas espalhadas pela sala até encontrar uma bandagem.

— Isso? Não é nada! Valeu por se preocupar, eu tô bem. — falou, bem despreocupada enquanto terminava de enfaixar as suas mãos — Agora eu vou voltar pro trabalho, até!

— Não, vem aqui, por favor. — disse a garota, debruçando-se sobre o balcão, chamando a vendedora com o olhar. Com um pouco de hesitação, ela se aproximou e encarou Emma de frente. — Há quanto tempo você tá trabalhando? O quão duro você tá dando pra continuar a fazer isso?

— Eu...

— Você não precisa se fazer de forte, eu sei que tem algo te incomodando. Por favor, me diz o que tá acontecendo. — Mais uma vez, Emma sentiu-se na obrigação de ajudar uma pessoa que ela mal conhecia, simplesmente por impulso.

Após essa fala de Emma, o sorriso que a menina estava lutando para manter no rosto desabou em uma expressão tristonha, acompanhada por lágrimas que escorreram pelo seu rosto.

— Eu preciso de ajuda... Minha mãe... ela... não tá bem. Eu achei que conseguiria manter o trabalho de ferreira da família pra conseguir o dinheiro suficiente para sair daqui e comprar um remédio eficiente na cidade grande, mas quase ninguém vem nessa cidade, e não tem ninguém na vila que pode me ajudar. Nem mesmo os Morgan, com todo o dinheiro que eles, poderiam me ajudar.

— Um remédio? Mas por que alguém precisaria disso nesse mundo? As pessoas ficam doentes aqui?

— Claro que sim! Aqui é um mundo como qualquer outro. Yharag ou Terra, pessoas ainda são pessoas.

Os desenvolvedores não colocariam uma doença em um lugar onde o objetivo é viver pra sempre normalmente... ou colocariam pra testar os efeitos disso?

— Entendi. Certo, olha aqui, eu quero te ajudar, mas pra isso, você vai precisar me dar os detalhes. O que sua mãe tem? Onde dá pra encontrar um remédio além de uma cidade grande?

— Pra ser sincera, eu não faço ideia, ninguém faz. Nenhuma pessoa da vila ou cliente que eu perguntei sabiam de algo, mas está deixando ela com uma febre muito alta e com muita fadiga, e só piora a cada dia! O remédio... bom, foi um chute meu, eu nem ao menos sei se existe uma cura para o que ela tem, e se tem pra vender em algum lugar. Mas, a minha fé me guiou até o pensamento de que existiria uma possível cura em uma cidade longe daqui. Eu até poderia ir a pé, mas demoraria muitos dias, já que não há nenhum mapa aqui neste lugar, e ela poderia se sentir muito solitária se eu não estivesse aqui. Você tem ideia do que fazer pra me ajudar?!

Nesse momento, o livro que Emma tanto procurou enfim apareceu acima da cabeça da garota, e Emma sabia que era a hora de agir, mesmo que não soubesse o que fazer. Com isso, ela segurou as mãos da garota suavemente e, com determinação, disse:

— Eu vou ser bem sincera, não faço a mínima ideia do que fazer pra te ajudar, mas eu não posso deixar você e sua mãe desse jeito. Vou fazer o que estiver ao meu alcance para ajudar vocês.

Com essas palavras, o sorriso da garota voltou e ela logo ficou alegre novamente. Ela rapidamente secou as lágrimas e retomou sua postura firme.

— Certo, então deixa eu me apresentar. Eu sou Alexandra Magni, mas pode me chamar de Alex. — Falou estendendo a mão.

— Emma Adams, prazer em te conhecer. — respondeu, retribuindo o aperto de mão com um forte aperto. — Bem, o primeiro passo é você fechar a loja por hoje. Tu não vai poder me ajudar trabalhando aqui.

— Poxa, mas eu ainda nem terminei de...

— Não, sem mas, vai ter que fechar. Apaga essa forja e vamos agir.

— Ok, se é pela minha mãe, eu faço qualquer coisa!

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Depois de arrumar toda a mercadoria e limpar tudo, Alex guiou Emma pela sua residência, que era muito bem arrumada e livre de sujeiras, o que era um grande contraste com a loja que ficava à uma porta de distância da casa. Elas caminharam até chegar no que parecia uma sala de estar, com uma mesa de centro perto de um grande sofá coberto por um pano colorido, onde Emma se sentou enquanto Alex se encostou na parede mais próxima, ficando de frente para ela.

— É um cafofo bem legal, tenho que admitir.

— Obrigado pelo elogio, nós só temos o básico. Minha mãe e eu sempre fomos modestas, mesmo quando no outro mundo. Apesar de não ter sido assim nos primeiros dias...

— Primeiros dias? — questionou, esperando obter mais respostas sobre aquele mundo.

— Quando eu e minha mãe surgimos do nada neste lugar, milhares de outras pessoas surgiram junto conosco. No início, eu imaginei que o mundo havia acabado e a humanidade tinha sido arrebatada, até que aquelas mensagens em holograma começaram a aparecer, além dos monstros e pessoas ruins que habitam este mundo. E até agora, eu não faço ideia do que é este lugar. Eu sei que é um mundo diferente do nosso, mas... que tipo de mundo?

— Nós não precisamos saber, se vivemos felizes nele, minha filha. — uma voz ecoou pela sala, vindo de um quarto no canto direito do cômodo. Encostada no batente da porta, uma linda mulher, muito parecida com Alex olhava para elas com um sorriso receptivo. — Você devia ter me avisado que tínhamos visita, Alex!

— Mãe?! O que você tá fazendo de pé aí? — A garota correu na direção de sua mãe, ajudando-a a se manter de pé.— A senhora sabe que você não pode sair do quarto assim!

— Ora, deixe de ser assim, eu posso estar doente, mas eu ainda posso falar com uma visita.

Sendo guiada pela filha, a mãe de Alex a guiou até uma poltrona que ficava de frente para o sofá em que Emma havia sentado. De perto, era possível notar a grande semelhança que Alex tinha com sua mãe, tanto no cabelo quanto no rosto. Entretanto, diferente do corpo robusto da jovem, seu corpo aparentava ser mais frágil e magro, provavelmente devido à doença.

— Seja bem vinda, moça. Eu sou Helena Magni, a mãe da Alexandra. E você é? — a voz suave e calma da mulher dava a impressão de que ela estava bem, apesar da aparência abatida.

— Eu sou Emma, Emma Adams.

— Ah, Emma então? Bem, Emma, o lhe traz aqui para nossa casa?

— Eu vim ajudar sua filha a encontrar uma cura para a sua doença, ela estava trabalhando demais pra conseguir dinheiro e encontrar uma forma de te ajudar.

Naquele momento a face feliz de Helena se alterou para um olhar surpreso e logo depois para um sério. Aquela mudança repentina de olhar fez com que Emma duvidasse de algo naquela mulher. Entretanto, o sorriso logo voltou à sua face, e ela voltou seu olhar para Alex.

— Filha, eu já falei que não precisa fazer isso por mim. Sua mãe é uma guerreira! Eu vou conseguir melhorar com o tempo.

— Você sempre fala isso, mas sempre fica pior no outro dia. Eu não sou mais uma criança, não me trate como uma, poxa.

O clima parece bom, apesar de tudo, Emma pensou, dando um sorriso.

— Alexandra, você pode preparar um chá para nós? Eu acho que isso vai me fazer sentir um pouco melhor.

— Agora? Bem, acho que tudo bem. Eu já volto. — disse, saindo da sala e desaparecendo no corredor.

De repente, um silêncio incomum caiu sobre elas. Emma sentia que algo estava estranho, que algo estava prestes a acontecer.

— Emma, você sabe, não é? — Helena perguntou subitamente, quebrando o silêncio

— Sei o que?

— O que é este mundo, o porquê de estarmos aqui, o projeto inteiro por trás disso, você sabe, não é? — Com essa pergunta, o clima tenso enfim se instalou por completo no cômodo.

— Então você também sabe? Por um momento eu estranhei o fato da Alex não saber onde ela estava, mas no fim você sabia de tudo, não é?

Com uma expressão de culpa, a mãe de Alex assentiu com um gesto, deixando Emma ainda mais curiosa do que antes.

— Sim, eu sei, fui eu que escolhi vir pra cá. Nossa família sempre foi feliz e unida, mas nunca tivemos tanto dinheiro assim. Quando o meu marido me deixou para cuidar sozinha da Alexandra, eu fiz o máximo que podia para sustentar a vida que ela merecia. Nós tínhamos fé, tínhamos esperança que Deus nos daria melhores condições algum dia. Até que chegou um dia em que eu me acidentei enquanto ia pro trabalho, e perdi totalmente o movimento das pernas. Irrecuperável...

— Eu sinto muito, mas... como vocês conseguiram chegar aqui? As pessoas que entraram aqui pagaram muito caro pra poder entrar.

— É verdade, nós nunca teríamos o dinheiro para pagarmos por nós duas, mas foi aí que eu decidi apostar tudo o que tinha pra dar à minha filha uma chance de ser quem ela quisesse ser, sem precisar de dinheiro nem nada do tipo.

— O que diabos você fez pra conseguir um acordo com o governo? O preço não deve ter sido barato.

— O preço à pagar pela nossa entrada... foi ser uma cobaia para o desenvolvimento de novas ferramentas para o programa.

Emma no início não conseguia entender o que aquilo queria dizer, mas ela logo se lembrou de algo que a fez entender tudo, ficando surpresa quando finalmente compreendeu o que aquela mulher queria dizer.

— Você não...

— Sim — completou, suspirando com arrependimento. — Eu me voluntariei para testar como uma possível mecânica de doenças poderia funcionar neste mundo. Só assim eu consegui dar para minha filha uma vida nova e totalmente livre dos males do mundo real. Eles me passaram uma lista de doenças que viriam ligados ao meu avatar, que seriam ativadas com o tempo e, quando a doença final finalmente acabasse com minha vida, eles viriam coletar os dados na última fase de testes de Yharag. E não, não há cura que possa me salvar.

— O-O que? — uma voz trêmula foi ouvida atrás de Helena, acompanhada pelo som de algo que lembrava porcelana chacoalhando.

Ambas olharam para trás e viram Alex, carregando dois pratos com xícaras de chá em cima deles, totalmente chocada e prestes a desabar.

— Isso é verdade, mãe? — Ela perguntou, com lágrimas descendo pelo seu rosto.

Emma percebeu como aquilo acabaria então prontamente se levantou e tentou evitar que algo pior acontecesse.

— Alex, calma, não é o que parece. — a jovem falou, mesmo sabendo que aquilo era uma mentira.

— Não! Eu ouvi vocês duas conversando!

— Filha, espera, não é...

— Cala a boca, mãe! — gritou, deixando as xícaras cheias de chá caírem no chão — Por todos esses meses nesse lugar, você mentiu pra mim! Eu acreditei em você porque nunca imaginei que você poderia mentir para mim! Por que não contou tudo de uma vez?! Pensei que pudesse acreditar em você!

— Alexandra, para, por favor. Eu fiz isso porque...

— Não! E-Eu preciso de um tempo! — afirmou, saindo correndo para longe delas.

Sua mãe tentou fazer algo, mas acabou caindo no chão por não ter forças para se manter de pé. Emma rapidamente foi ajudar, mas seu apoio foi negado pela própria mulher, que havia começado a tossir muito. Em meio a tosse, Emma conseguiu ouvir as palavras "Vá" e "Alex". Entendendo a mensagem que ela queria passar, a garota voltou a correr, indo a procura de Alex.

Merda, por que eu fui perguntar aquilo?!

Na loja de armas, uma porta nos fundos do estabelecimento estava aberta, levando para o lado de fora, que parecia mais escuro do que quando Emma havia chegado no local. Correndo até o lado de fora, a garota foi surpreendida por uma forte chuva, que veio acompanhada de raios e trovões que naquele instante estavam fazendo um alvoroço nos céus.

E então ela viu, numa árvore não muito distante dali, Alex estava encostada de frente para o tronco, se apoiando com as duas mãos enquanto olhava imóvel para o chão. Com calma, Emma foi se aproximando de onde ela se encontrava, sendo surpreendida quando de súbito ela começou a golpear a madeira grossa com as mãos nuas, dando vários socos em sequência, o que fez Emma apressar o passo. Dividida entre a tristeza e a fúria, a garota precisava descontar todos os seus sentimentos em algo.

Chegando lá, ela parou Alex segurando as suas duas mãos e empurrando-a para longe da árvore.

— Alex, para com isso! Você não vai ganhar nada se continuar assim!

Ofegante e com os punhos sangrando, Alex se esforçou para retomar a sua postura e erguer-se, olhando diretamente nos olhos de Emma. Ao contrário do que esperava, ela não olhou-a com raiva nos olhos, mas sim com tristeza e cansaço.

— Emma... sabe o que é engraçado?

— Eu... eu não sei.

— O meu nome é Alexandra Magni. Alexandra é o feminino de Alexandre, que pode significar "protetor" e Magni, significa "força". Mas agora... eu percebi que não representar o significado dos nome que me foram dados. Eu não fui forte o bastante para aguentar a verdade, e nem pude proteger a minha mãe de um destino que não há como ela escapar. Agora, eu me sinto a pessoa mais impotente desse maldito mundo que está prestes a me tirar tudo.

— A sua mãe fez o que fez porque ela queria que você pudesse ter uma vida melhor, que ela não poderia dar pra você na Terra. Alex, você tem que entender, todos os acontecimentos da vida de sua mãe foram pra você, ela se dedicou totalmente à você. Ela poderia ter contado pra você, mas pensou que a verdade seria demais pra você. Não a culpe, você só vai se sentir pior se o fizer.

— Pra falar a verdade, eu acho que, no fundo, eu sempre soube que minha mãe mentia pra mim, mas não quis acreditar pela minha própria integridade mental. Pensar que a pessoa que você mais ama no mundo pode estar mentindo pra você... é horrível...

Sentindo-se obrigada à fazer alguma coisa, num impulso, Emma avançou sobre a garota e lhe abraçou, surpreendendo-a. Talvez eu me arrependa disso depois, mas eu não posso pensar nisso agora.

— Vamos embora daqui, aqui fora você não vai poder falar tudo o que você quer para a sua mãe.

No fim, Alex acabou cedendo ao abraço caloroso de Emma e desistiu de resistir, aceitando o pedido da garota.

Entretanto, quando chegaram de volta na casa, a situação era a pior de todas. A mãe de Alex tinha sangue escorrendo pelo nariz, pelos olhos e pela boca, e estava a ponto de se afogar no próprio sangue. Rapidamente, Alex correu para salvar a sua mãe, colocando-a deitada em seus braços.

— Mãe! Mãe! Por favor, não me deixa aqui! Mãe!

Ao ouvir a voz de sua filha, Helena vomitou todo o sangue que havia se acumulado em sua garganta, voltando a respirar. Ela encarou a sua filha com o olhar calmo e sereno para tentar acalmá-la, mas só fez ela chorar ainda mais.

— Acho que esse é o fim... meu bebê.

— Não! Não pode acabar assim! Eu não quero ficar sem você!

— Me desculpa por não ter contado pra você... eu... eu só queria que você tivesse a chance de ter uma boa vida...

— E eu tive mãe! Cada momento que eu passei com você aqui foram os melhores da minha vida! E agora, apesar de tudo, eu não consigo ter raiva de você. Mãe, eu te perdoo! Eu te amo!

Ao ouvir essas palavras, nem mesmo ela pôde se conter, e começou a chorar também. Emma permaneceu imóvel, mas também deixou que as lágrimas caíssem pela sua face.

Com suas últimas forças, Helena realizou um último movimento e encostou sua mão no rosto de sua filha, dando o melhor sorriso que ela podia, ela disse suas últimas palavras.

— Eu... também... te amo.

Assim que terminou de falar, a essência da vida que ainda restava no seu corpo se foi, deixando sua mão cair e seu corpo pesar. Bem diante de seus olhos, a mãe de Alex morreu com um sorriso no rosto.

Emma não podia acreditar, apesar de já esperar este desfecho. Já Alex, permaneceu imóvel, apenas encarando o corpo de sua falecida mãe aos poucos se desfazendo em uma estranha matéria luminosa, e por fim se transformando em um pequeno cristal vermelho.

O silêncio mortal que se instaurou durou pouco, já que Alex começou a chorar desesperadamente, apertando o cristal vermelho contra seu peito, esperando o retorno impossível de sua mãe.

Emma caiu de joelhos no piso e chorou junto da garota, sem querer crer no que havia acabado de acontecer.

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Mais tarde naquele dia, as coisas já haviam se acalmado um pouco. Emma estava sentada no sofá, perdida em seus pensamentos, enquanto Alex estava sentada ao seu lado, encarando o cristal vermelho que havia sobrado de sua mãe. Ambas estavam num luto silencioso, até que Alex resolveu dizer algo.

— Sabe Emma, eu tenho uma confissão a fazer. — disse, tirando a garota de seus devaneios e chamando sua atenção.

— E o que é?

— Durante o tempo em que minha mãe estava doente, eu comecei a duvidar de Deus — falou, apertando a cruz em seu pescoço com uma das mãos — Duvidei de minha fé, pois não acreditava que Deus iria deixar minha mãe naquela situação. Um dia, eu perguntei pra ela como ela conseguia manter a fé inabalável mesmo sofrendo tanto. A resposta que ela deu... foi que, quando você está sofrendo e na necessidade de algo, você procura algo para depositar esperança, alguém em que você pode confiar. Depois disso, eu coloquei tudo o que eu tinha em Deus, acreditando que, se eu acreditasse o bastante, minha mãe poderia ser salva. Mas agora... eu não entendo mais o que ela quis dizer.

— Você deixou de acreditar em Deus?

— Não. Eu acho que, se Deus planejou isso, ele deve ter tido um bom motivo. Mas apesar disso, minha fé não é mais a mesma. Ela foi quebrada, fragmentada em vários pedaços. E para recompor esses pedaços, eu devo procurar a minha fé em outro lugar, não posso ficar mais aqui.

— O que quer dizer com isso?

— Por favor, me deixe te acompanhar na sua jornada.

Mais uma vez, aquele pedido que Emma nunca queria ouvir foi feito. Ela sabia que não poderia aceitar, mas a situação e o estado em que Alex se encontrava dificultava a decisão.

— Eu não posso garantir que você vai ficar viva, depois que se envolver comigo, algo muito ruim pode acontecer. O caminho que eu vou seguir vai dar direto nas portas do inferno, e não há como voltar.

— Não me importo. Eu já não tenho mais pra onde ir, de qualquer forma.

— Você tem certeza disso?

— É a única certeza que eu tenho agora.

Mesmo indo contra a sua filosofia de envolver pessoas inocentes na guerra que seria travada durante sua jornada, Emma não podia negar aquele pedido. Com um sorriso, ela apertou a mão de Alex.

— Tudo bem, mas não ache que vai ser fácil.

— Eu não me ofereceria se fosse. — afirmou, retribuindo o sorriso.

Naquele dia, Emma não só completou a missão que precisava, como também passou por coisas que ela levaria para toda a vida. Com seu objetivo principal concluído, ela finalmente poderia continuar a sua jornada.

No entanto, o ser que a observava das sombras finalmente obteve contato visual direto com ela durante a tempestade. E o que estava prestes a acontecer, poderia começar a guerra que estava condenada a acontecer desde que Emma entrou naquela história.

Nos céus, uma estrela de ferro espreitava na escuridão.