Os trovões iniciavam a tempestade que estava por vir, gotas caíam do céu molhando a terra, junto com a ventania, os moradores da cidade corriam procurando locais para se abrigarem, barracas, comércios e casas.
Corvos estavam voando ao redor da cidade, eles conseguiam sentir o cheiro de morte que estava por vir.
Os magos com maior controle de seus poderes, cobriam os próprios corpos com energias e andavam tranquilamente pela cidade sem que caísse uma gota da chuva neles.
Ao fundo da cidade dos felinos, erguia-se parte do império dos lobos, era um dos cinco maiores clãs da cidade, estava entre os clãs mais orgulhosos e poderosos no passado, porém era visto como motivo de piada atualmente.
James Wolf, o filho do patriarca do clã dos lobos, Jacob Wolf, havia nascido com um problema, o menino não conseguia enxergar, por causa disso, James não podia treinar seu cultivo e se tornar um mago, tendo como único meio de se fortalecer o treinamento físico.
Para treinar o cultivo, era necessário ver os movimentos, compreender, sincronizar a mente, o corpo e o espírito, para assim conseguir manipular a magia, James nunca poderia fazer isso.
Sua mãe Sigrid e Jacob, tentaram de tudo para que o menino pudesse enxergar, desde a sua infância, eles procuravam doutores, magos da luz, cultivadores com poderes curativos, mas nada conseguia curar os olhos do menino.
Sigrid teve apenas mais uma filha, tendo quase morrido no parto, Alice era a única maga da família e isso trouxe ainda mais decepção, já que eles precisavam de um filho homem para poder manter a família no poder.
James tinha apenas 9 anos e passava a maior parte do tempo treinando e exercitando seu corpo, já que não podia aprender magia, o menino não tinha um professor como a maioria dos garotos da sua idade, tudo o que ele aprendia, era socar árvores e meditar nas pedras.
Na sua infância, James vivia no palácio junto com sua família, porém não falavam uma palavra com ele, tratavam-no como se não existisse, quando ele completou 5 anos, eles o deixaram nas casas dos criados.
A única pessoa do clã que ainda se importava com ele era sua irmã mais nova, Alice vivia sendo duramente repreendida pelos seus pais, por cada vez que tentava se aproximar com o próprio irmão.
"Ele não é e nunca será seu irmão Alice, lembre-se disso, quando se anda com lixo, você se torna um lixo", é o que os guardas falavam para ela enquanto a retirava de perto.
Alice sempre dava um jeito de fugir e escapar dos seus deveres para ficar com seu irmão, porém sempre que era pega, James sofria a punição.
O clã dos lobos eram feitos de palhaços para os outros clãs rivais, já que o filho do patriarca era um humano comum, isso fez crescer um ódio dentro da própria família pelo menino.
Os jovens do clã, usavam o filho do patriarca como saco de pancadas, mesmo ele treinando todos os dias sua força física, não tinha como se comparar com as técnicas dos lobos, mesmo sendo inferiores aos adultos, eram suficientes para quebrar um tronco de árvore facilmente.
James já tinha ouvido coisas como: "Criança amaldiçoada! Por que não some? Faça um favor a todos e morra! O Patriarca devia tê-lo matado assim que nasceu", entre outros diversos comentários sempre muito amigáveis.
O menino cresceu sendo cuidado por pessoas comuns, alguns escravos, mercadores, cozinheiras e concubinas, todos sem dinheiro e quase sem comida, James teve que aprender desde cedo o quão cruel era esse mundo.
James dormia em um pequeno quarto de madeira, feito do lado de dentro das muralhas do clã dos lobos, o que já era muito mais do que alguns tinham.
Uma mulher chamada Mary, era uma das escravas que viviam no palácio, James sabia que ela era uma empregada e concubina de outro alguém.
Mary roubava comida do palácio, mesmo não sabendo magia e podendo morrer, apenas para alimentar James, a mulher sempre ajudava o menino, como se fosse seu filho.
Enquanto a gempedada caia na cidade dos felinos, James estava na sua pequena casa de madeira, do tamanho de um quarto, Mary estava com ele, lendo um livro que pegou no palácio.
- Leia de novo aquela história do corvo, por favor tia - Disse James sorrindo, o menino não podia enxergar, mas mesmo assim ele amava ouvir os contos dos livros, Mary pegou o livro *infantil e leu novamente.
(Autor: Um livro infantil em um mundo de escravos e magia, não é tão infantil assim né)
"Um príncipe jovem, estava andando pela floresta sozinho, o menino estava com um estilingue na mão, pronto para atirar em qualquer um que aparecer.
Em cima da árvore estava um corvo mãe, que alimentava seus pequenos filhotes, o principe queria se divertir e atirou uma pedra no ninho.
O corvo não pode fazer nada a não ser ficar vendo seus filhotes e ovos caírem da árvore em direção ao chão, todos eles faleceram na queda.
O principe começou a rir sem parar e voltou para o castelo, já o corvo ficou olhando sem piscar para o menino enquanto decorava seu rosto.
10 anos depois, o príncipe tinha virado rei, ele e a rainha estavam dormindos na cama, quando o corvo apareceu pela janela, o mesmo corpo que ele atacou a pedra.
Nas garras do corvo estava uma serpente negra furiosa, o pássaro soltou a cobra na cama e ficou olhando sem piscar enquanto a rainha e o rei eram picados.
O corvo só saiu do castelo até ouvir o último suspiro de vida do rei, só nesse momento ele vôo até a janela e saiu".
- Me diga James, qual é a moral da história? - Perguntou Mary guardando o livro de baixo da cama.
- Nunca atire em um corvo que tem filhos? - Perguntou James sorrindo enquanto já sabia a resposta certa.
- Errado, nunca maltrate os corvos, porque eles sempre se lembram, agora vá dormir, amanhã temos muito trabalho para fazer - Corrigiu a mulher sorrindo, ela tirou uma carta do bolso e entregou para o menino
- O que é isso? - Perguntou James confuso enquanto segurava o papel.
- Amanhã é seu aniversário, isso é um presente adiantado, lembre-se abra ele apenas amanhã, boa noite meu filho - Disse Mary beijando sua testa e saíndo do quarto.
James até iria pedir para a mulher dormir com ele, porém ele sabia que o papel dela ainda não tinha acabado no castelo, principalmente a noite.
- Boa noite... Mãe... - Completou James sorrindo, o menino segurou a carta na mão com carinho e guardou no bolso.
James deitou na cama, seu corpo estava todo dolorido, hoje ele tinha encontrado novamente os jovens do clã dos lobos e eles não ficaram com pena na surra, o menino não sabia que hoje seria seu último dia da sua vida, um dia antes de seu aniversário de 10 anos, seu pai Jacob, estava orquestrava seu assassinato.
Sons de corvos gritando podiam ser ouvidos de fora da casa, desde que James se lembrava esses corvos viviam nessa cidade, porém eles nunca gritaram tanto quanto hoje.
A madeira do piso estralou, fanzendo com que James acordasse "Mary esqueceu alguma coisa?" Se perguntou o menino se levantando.
Alguém puxou a roupa do menino, tentando tirar ele da cama, James se segurou nos panos em que dormia e acabou arrastando eles juntos.
- Quem são vocês? Me soltem! - Gritou o menino desesperado, James sentiu suas pernas sendo levantadas e o menino foi arrastado facilmente para fora de sua casa, James gritava pedindo ajuda, porém nenhum guarda do clã dos lobos veio ajudá-lo.
- Grite novamente e sua dor será muito maior - Disse um homem estranho, James não tinha medo de dor, mas começou a pensar em algo.
"Espera, se eu morrer, então Mary, não precisará mais roubar... Alice não irá mais sofrer por minha culpa... Meus pais não serão motivos de piadas com os outros clãs..." Pensava James mordendo os beiços e aceitando seu destino.
James largou seus panos e deixou ser levado sem brigar ou se debater, como se nada mais importasse, os quatro homens que levavam o menino começaram a rir.
- Ele não está nem mais gritando, será que perdeu a vontade de viver? - perguntou a voz fria do homem que o segurava.
James não conseguia enxergar nada, porém era muito bom com sons, essa pessoa que estava levando ele, tinha a mesma voz de um guarda do clã dos lobos, porém ele só tinha 10 anos, era inocente de mais para perceber o que estava acontecendo.
James ouviu sons de folhas se mexendo e um cheiro de mato, os homens estavam o levando para a floresta, seria ruim dar fim no menino dentro dos muros.
No meio da caminhada, os homens não paravam de rir e dizer que agora talvez o clã dos lobos poderia se reerguer novamente, alguns dos homens até diziam que deveriam fazer o mesmo com Alice.
Depois de uma hora de caminhada, os homens finalmente chegaram ao seu destino, em frente a uma beirada no precipício.
- Eu não sei porque estamos de máscara, ele nem consegue enxergar mesmo e vai morrer daqui a pouco - Disse um homem jogando ela para longe.
- Sabe garoto? Sabe quem deu a ordem para tirar sua vida? Foram seus próprios pais! O próprio patriarca te quer morto - Disse o guarda do clã sorrindo.
James não queria assumir aquele sentimento que vinha tendo há alguns anos, raiva, ele treinava todos os dias, mesmo que suas mãos estivesse sangrando, o menino nunca parava, isso tudo para que seus pais tivessem orgulho dele algum dia.
Por isso ele sempre evitou pensar em ódio, mas, ao ouvir que foram seus próprios pais que decidiram aquele plano, fez sua mente e coração se quebrarem e o desejo subiu em sua cabeça.
James nem sentiu vontade de chorar, muito menos de implorar pela sua vida, só a vontade de se vingar e matar todos eles.
- Esse precipício se chama a descida para a morte, nem o patriarca sobreviveria a queda - Informou um homem jogando uma pedra nela.
- Chega, vamos acabar com essa brincadeira - Disse o guarda tirando uma faca da cintura, um homem segurou suas costas e o pressionou na frente - Isso é só para garantir.
James sentiu sua barriga sendo rasgada pela adaga, uma dor absurda passou por entre seus ossos, fazendo o menino rugir de dor.
- Nunca maltrate um corvo... porque eles sempre se lembram - Repetiu James mordendo os beiços para aguentar a dor.
O guarda se despediu com um empurrão, fazendo com que o menino caísse para o precipício, do mesmo jeito que os corvos filhotes morreram na história.
Em cima da floresta, estavam dezenas de corvos, todos observando os quatro guardas que não paravam de rir olhando para o menino caindo.
"Nunca maltrate um corvo... porque eles sempre se lembram" Essa frase para os guardas, era sem sentido algum, mas para James, seria seu único motivo de continuar vivo.
Logo após James despencar no precipício, o menino acabou desmaiando sem aguentar a pressão.